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Se você está em busca da revisão de sua aposentadoria, leia tira-dúvidas do InfoMoney e veja quais decisões tomar sobre o assunto
O ministro Nunes Marques criou uma grande polêmica e surpreendeu aposentados, advogados e o próprio STF ao pedir destaque na chamada “revisão da vida toda”.
A “revisão da vida toda” é uma ação judicial em que os aposentados pedem que todas as suas contribuições ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) sejam consideradas no cálculo do benefício.
O pedido de destaque, de Nunes Marques, representa um trava no andamento da questão, uma vez que o julgamento sobre o assunto recomeçará do zero, em plenário físico.
A Federação das Associações dos Aposentados e Pensionistas do Estado de Goiás até tentou anular o pedido de destaque de Nunes, ao ingressar, no STF, com um mandado de segurança.
Sorteado como relator para analisar o pedido da federação, o ministro Ricardo Lewandowski disse que, conforme as regras regimentais do Supremo, não há nenhuma irregularidade com o pedido de destaque de Nunes Marques.
“Constato a ausência de qualquer vício no ato impugnado [pedido de destaque] que pudesse caracterizar ofensa a direito líquido e certo da impetrante, sob nenhum dos aspectos por ela sustentado”, escreveu.
Mas, afinal, há riscos para os direitos dos segurados do INSS? Se sim, o que essas pessoas devem fazer?
Para lhe ajudar a entender a manobra do STF e quais os impactos que ela pode ter na vida dos aposentados que têm esse direito, o InfoMoney preparou um tira-dúvidas, a partir de respostas de Renata Só Severo, especialista em direito previdenciário, do Vilhena Silva Advogados; e Felipe Salata, especialista em direito previdenciário, da Salata Scharf Advogados.
A revisão da vida toda permite ao aposentado solicitar ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) a revisão do cálculo de suas contribuições para a formação do benefício. Desta forma, quem se aposentou antes de 1999 — quando a Lei 9.876/99 trouxe uma nova fórmula de cálculo — poderá solicitar que sejam incluídas na revisão também as contribuições feitas antes de junho de 1994. Basicamente, isso serviria para aumentar o benefício do INSS de quem se aposentou entre novembro de 1999 e novembro de 2019.
Não. O processo deveria ter transitado em julgado no STF no dia 8 de março. Até a data, o julgamento estava 6 a 5 a favor dos aposentados, inclusive com o voto favorável do ex-presidente da suprema corte, o ministro Marco Aurélio de Mello.
No entanto, para surpresa geral de todos (inclusive do STF), 30 minutos antes do final do julgamento, o ministro Nunes Marques pediu destaque no processo. Com isso, o julgamento recomeçará do zero, dessa vez em plenário físico.
O pedido de destaque é quando um ministro pede para que o processo em questão seja retirado do plenário virtual para ser julgado no plenário físico. Isso zera a votação, e o julgamento começa do início. O mesmo não acontece quando há pedido de vista, pois, nesse caso, o julgamento é suspenso e recomeça de onde parou.
Qualquer um dos ministros pode pedir destaque. Na prática, isso costuma acontecer quando algum dos ministros deseja discutir melhor o caso com os demais. Isso porque, na sessão virtual, não ocorrem debates, o que poderia trazer novas opiniões sobre o caso em questão.
Porém, ao que tudo indica, não foi essa a motivação de Nunes Marques. Segundo Renata Só Severo, especialista em direito previdenciário, do Vilhena Silva Advogados, do ponto de vista jurídico, a questão já estava resolvida. Embora tenha sido uma sessão virtual, os votos de todos os ministros eram extensos, debatiam bem a questão e traziam vários pontos de vista.
“A grande pergunta é: como você vai debater uma questão que já estava resolvida? E por que o pedido de destaque não foi feito antes de Alexandre de Moraes dar o seu voto?”, questiona a advogada.
Nesse sentido, Felipe Salata, especialista em direito previdenciário, da Salata Scharf Advogados, compartilha da mesma opinião de Renata. Segundo o advogado, teoricamente, a fundamentação da revisão da vida toda é perfeita.
Isso porque o segurado não pode ser prejudicado se tem a opção de escolher a regra antiga definitiva ou a regra nova de transição.
Para Felipe, o pedido de destaque foi uma manobra do STF. O advogado explica que, por causa da pandemia de Covid-19, havia uma resolução de 2019 que autorizava qualquer ministro a pedir o destaque do plenário virtual para passar para o físico. E isso poderia ser feito a qualquer momento do julgamento, exatamente como aconteceu com a revisão da vida toda.
O ministro argumentou questões financeiras para a suspensão do julgamento. Primeiramente, o INSS falava em um gasto de R$ 46 bilhões, considerando só as aposentadorias por tempo de contribuição. E, caso fossem consideradas as demais aposentadorias e outros benefícios, o rombo aumentaria para R$ 360 bilhões.
Porém, o INSS não apresentou nenhum tipo de cálculo que fundamente essas contas. Além disso, segundo Felipe Salata, o argumento de que a previdência é deficitária não se sustenta.
“Todos sabem que a previdência é superavitária, ainda mais depois das reformas trabalhista, em 2017, e previdenciária, em 2019. Desde então, a União vem arrecadando cada vez mais contribuições”, afirma o advogado.
Dois exemplos ilustram a afirmação de Salata. O primeiro deles são os atuais termos da pensão por morte, cujo valor do benefício foi reduzido para 60% da remuneração do falecido (antes era 100%).
Neste caso, o advogado explica que, hoje, o beneficiário parte de 50% + 10% por cada dependente.
Se for uma viúva sem dependentes, por exemplo, ela receberá 60% do benefício. “Mas se ela receber como aposentada, por exemplo, terá esses 60% com redutor pela acumulação de benefícios. Isso era algo que não existia antes das reformas”, observa.
Outro exemplo dado pelo advogado é o recolhimento da contribuição previdenciária, que não pode mais ser feito abaixo do salário mínimo. Desde a Reforma da Previdência, as contribuições abaixo do mínimo não são mais computadas pelo INSS. Isso significa que, se o trabalhador receber abaixo do salário mínimo, precisará complementar a contribuição para que ela conte para a aposentadoria.
“Em uma realidade trabalhista cada vez mais precarizada, com pejotização e trabalhos intermitentes, muitos trabalhadores não conseguem complementar esse mínimo. Logo, muitos meses ficarão sem contar como tempo para a aposentadoria, e esses recursos abaixo da contribuição mínima ficam no caixa da União”, observa o advogado.
Salata ainda aponta que outro argumento contrário apresentado pelo INSS é a alegação do princípio da isonomia. Ou seja, não se pode tratar de forma diferente quem se aposentou após 99 e não tem direito à revisão da vida toda.
Em resposta a este argumento, o advogado pondera que havia uma regra definitiva na Lei 8.213/99 (art.29, incisos I e II), alterada posteriormente pela regra de transição da Lei 8.876/99. “Essa regra de transição não pode ser pior do que a que existia, no caso, a definitiva. O segurado pode escolher o que é mais vantajoso para ele. Logo, se a regra anterior é melhor, ele tem esse direito adquirido”, conclui.
Há como pedir uma liminar sim. No entanto, Renata observa que, como o assunto é muito controverso, nem todos os juízes deram liminar nesses processos. “Se já teve sentença no processo, o juiz até pode ter deferido a liminar em sentença. Mas a Justiça Federal, que é onde correm essas ações, é bastante conservadora. Por isso, arriscaria dizer que grande parte das pessoas que entraram com a revisão da vida toda não possuem liminar”, analisa a advogada. Ela ainda observa que, na Vilhena Advogados, há vários casos de revisão da vida toda. Todos suspensos, e nenhum possui liminar.
Uma coisa é certa: a revisão da vida toda pode demorar anos para ser resolvida. Isso porque não há previsão de quanto o STF colocará novamente o julgamento em pauta. Além disso, não se pode prever o que acontecerá em um novo julgamento. Pode ser que os ministros mantenham os votos (é o que especialistas imaginam que aconteça, ao menos hoje). E, também, pode ser que tudo mude.
Como observa Salata: “há chances de que tenhamos uma troca de governo, e não se sabe qual será o contexto político e econômico do país na ocasião do novo julgamento”.
Renata Só Severo acrescenta ainda que também é possível que os advogados do INSS tragam novos argumentos. “Acho pouco provável que, legalmente, exista algo mais a acrescentar na revisão. Mas, tudo pode acontecer”.
Ambos os advogados observam, ainda, que existem várias outras matérias importantes travadas no STF, além da revisão. Esse é mais um motivo para não se conseguir estimar quanto tempo levará para acontecer o novo julgamento.
Segundo os advogados entrevistados pelo InfoMoney, a primeira coisa que o segurado deve fazer é se certificar se, de fato, tem direito à revisão. Para isso, é preciso procurar um advogado previdenciário, que providenciará os cálculos para saber se a ação será vantajosa ou não.
Se o cálculo apontar valores expressivos, a orientação é de que o beneficiário entre com a ação. Neste sentido, Salata dá o exemplo de clientes que, com a ação, tiveram uma diferença mensal de quase R$ 4 mil na aposentadoria.
“Imagine alguém que, hoje, recebe cerca de R$ 2 mil de benefício. O reajuste da aposentadoria é entre 4% e 5% ao ano. Isso não paga nem a inflação, nem os reajustes de planos de saúde. Logo, essa diferença pode mudar a vida de uma pessoa”, diz Salata.
No entanto, se os valores encontrados nos cálculos forem baixos e o benefício não estiver perto do prazo decadencial, a orientação é esperar pelo julgamento do STF. Para Renata, dependendo dos valores, pode não valer a pena correr o risco das custas de um processo.
Neste sentido, a advogada alerta que, se o beneficiário perder a ação na Justiça Federal, precisará pagar custas processuais, sucumbência e honorários advocatícios. No caso da sucumbência, são cobrados de 10% a 20% do valor da causa. “Além disso, para entrar na Justiça Federal, é preciso recolher custas. Em São Paulo, por exemplo, elas representam 0,5% do valor da causa”, alerta a advogada.
Como alternativa, Felipe Salata observa que o beneficiário pode entrar com pedido administrativo, só para interromper o prazo decadencial. Certamente o INSS irá indeferir o pleito, mas, com a entrada do processo administrativo, interrompe-se o prazo de decadência. Isso ajuda quem está prestes a perder o direito a ganhar tempo.
“O que pode acontecer é a decisão no INSS transitar em julgado de forma rápida. Nesse caso, o segurado precisará optar por entrar ou não com a ação judicial”.
Outro risco que o advogado aponta é o de pedido de modulação de efeitos da sentença por parte do STF. Isso significa que a corte poderá aplicar aquela decisão só para as ações já ajuizadas e ainda não transitadas em julgado. Dessa forma, faz um marco para não alcançar todo mundo.
“Por isso, se o segurado tiver certeza de que vale a pena, nossa orientação é entrar logo com a ação judicial, para garantir o direito e não sofrer uma possível modulação de efeito”, conclui o advogado.
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