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Consumidor precisa estar no centro do debate sobre o rol da ANS

Jota | Saúde Suplementar | Barbara Areias | 02/05/2022

Consolidação pelo STJ do caráter exemplificativo do rol da ANS permitirá a proteção dos consumidores

O início deste ano foi marcado pelo relevante debate sobre as regras de cobertura obrigatória pelos planos de saúde a partir do rol de procedimentos fixados pela Agência Reguladora da Saúde Suplementar (ANS), que se estendeu para as grandes mídias e para os consumidores que dependem de tratamentos contínuos que não integram a lista.

Crédito: Agência Brasil

A repercussão nacional ocorreu nos dias que antecederam a retomada do julgamento dos embargos de divergência nº 1886929 e nº 1889704 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que discute se as técnicas, os procedimentos e os medicamentos listados no rol da ANS são taxativos ou exemplificativos. Ou seja, se a lista por si só esgota e limita a cobertura dos tratamentos ou se indica apenas uma cobertura mínima obrigatória.

Embora o julgamento dos embargos de divergência não esteja vinculado ao regime dos recursos repetitivos, esse é o primeiro momento em que as 3ª e 4ª Turmas da Corte Superior se reúnem para estabelecer um entendimento convergente sobre o assunto, já que a 3ª Turma defende que rol é exemplificativo, enquanto a 4ª Turma defende a taxatividade.

Dois aspectos marcam a discussão sobre essa questão: de um lado, a proteção do consumidor e toda a vulnerabilidade que o acompanha na prestação de serviços; por outro lado, a questão econômico-financeira das operadoras e o impacto que a amplitude do rol pode gerar no preço dos planos de saúde.

Até o ano passado, a ANS confirmou que a lista tinha caráter expressamente exemplificativo, com menção no artigo 1º de todas as Resoluções Normativas de que a atualização diz respeito à “lista de referência básica para cobertura mínima obrigatória” dos planos de saúde. Na Resolução Normativa 465, publicada em 2021, surpreendentemente, a redação do artigo 1º foi alterada para indicar que a atualização se referia a “cobertura assistencial obrigatória” dos planos.

 

Mas, afinal, o que motivou a alteração na redação da Resolução Normativa?

 

Não é de hoje que as operadoras de saúde discutem a amplitude do rol da ANS, pautadas no único argumento de ordem financeira.

 

O que, entretanto, gera um contrassenso é que, se analisado o contexto econômico anterior ao ano de 2021, o argumento apresentado perde força, visto o histórico progressivo de recordes de lucro dessas prestadoras de serviço.

Além disso, como já frisado, até o ano passado, o rol era considerado exemplificativo pela própria autarquia, e justamente por isso que a precificação dos planos de saúde já levava em consideração essa premissa, gerando às operadoras lucros constantes.

Não se pode perder de vista, ainda, a atualização anual dos planos de saúde pelos reajustes por sinistralidade e por variação dos custos médico-hospitalares, o que também leva em conta o custo dos tratamentos cobertos aos beneficiários.

O que se observa é que, além do empenho em engessar a prestação de serviços, as operadoras também não comprovam e não esclarecem a necessidade de atualização do plano de saúde em percentuais elevados, o que gera, portanto, desequilíbrio contratual.

 

É nesse cenário, então, que a proteção do consumidor ganha força.

 

Não há discussão entre o beneficiário e a operadora de saúde sobre as cláusulas contratuais dispostas no contrato de prestação de serviços, quiçá o debate sobre eventual ampliação de coberturas contratuais no ato da contratação.

Além disso, o contratante do plano de saúde acredita e toma ciência de que o objeto da prestação de serviços é a cobertura das doenças listadas pela Classificação Internacional de Doenças (CID), o que faz crer que, quando necessitar de tratamento, estará resguardado pelo plano de saúde.

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O que ocorre é que, com a limitação da prestação de serviços, todo e qualquer tratamento que não estiver expressamente previsto na lista da agência reguladora será negado, impedindo com isso não apenas o efetivo acesso à saúde, o respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, mas também a função social do contrato, que é justamente proporcionar o devido acesso ao atendimento médico-hospitalar.

A Lei 14.307, publicada em março de 2022, trouxe inovações no âmbito da atualização de procedimentos, mas pretendeu consolidar um suposto entendimento sobre a taxatividade dessa lista, além de trazer, especificamente, a análise do impacto econômico-financeiro na saúde suplementar das terapêuticas a serem incluídas na lista.

Tais pontos ensejam profunda reflexão, na medida em que consolidam uma tendência a privilegiar a saúde financeira das operadoras de saúde em detrimento dos consumidores.

Barbara Areias – advogada.

O debate sobre o tema é sensível à toda parcela de beneficiários que, por questões médicas, fazem uso de tratamentos contínuos, muitas vezes para tratamento de doenças complexas, cuja análise técnica, que envolve aspecto econômico-financeiro da cobertura contratual, podem permanecer excluídos da lista da autarquia. Isso resultaria no desamparo desses consumidores em relação ao dever estabelecido com as operadoras.

A consolidação pelo STJ do caráter exemplificativo do rol da ANS permitirá, principalmente, a proteção dos consumidores, para garantir, ao menos, a discussão junto às operadoras sobre a cobertura contratual de tratamentos ainda não listados, desde que devidamente respaldados por prescrição médica e com base científica de sua eficácia.

BARBARA AREIAS – Especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados

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