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Rol taxativo da ANS: veja por que projeto que amplia cobertura de planos de saúde pode abrir nova disputa na Justiça

O Globo | Melissa Duarte, Luciana Casemiro e Manoel Ventura | 30/08/2022 | Rafael Robba

Senado aprova projeto que obriga operadoras a cobrir tratamentos fora da lista oficial da agência, contrariando decisão recente do STJ, mas empresas cogitam contestar projeto no Supremo

O Senado aprovou ontem, em votação simbólica, projeto de lei que acaba com o chamado rol taxativo da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Na prática, a lei amplia a cobertura dos planos de saúde, que passam a ter de oferecer e custear tratamentos fora da lista da agência. A proposta depende ainda de sanção presidencial para entrar em vigor.

O governo era contra o texto, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, criticou o projeto em debate no Senado. Na avaliação do ministro, a mudança resultará em aumento do custo dos planos de saúde, o que será repassado às mensalidades:

— Na hora de se optar por ter mais procedimentos, mais medicamentos no rol, seguramente vêm atrelados custos que serão repassados para os beneficiários, e parte destes não terá condições de arcar com esses custos.

Ainda assim, integrantes do governo e o setor de saúde avaliam que o presidente Jair Bolsonaro vai sancionar o projeto em razão da proximidade das eleições. Um veto do presidente, a semanas do primeiro turno, teria um custo político muito alto.

O temor é que não apenas o veto fosse explorado por opositores de Bolsonaro, como gerasse atritos com o senador Romário (PL-RJ), relator da proposta na Casa, apoiado pelo presidente no Rio.

A nova lei torna o rol exemplificativo, ou seja, uma referência do que as operadoras devem cobrir, sem restringir o que é oferecido aos beneficiários. O rol inclui mais de 3 mil serviços médicos, como consultas, exames, terapias, cirurgias, medicamentos, órteses e próteses.

 

Resposta ao STJ

 

O projeto de lei é uma resposta do Legislativo à decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que havia determinado em junho que o rol é taxativo. A decisão da Corte havia motivado forte reação da sociedade civil, celebridades e entidades de defesa do consumidor, além de grupos ligados a pacientes que tinham tratamentos e medicações garantidas por decisões judiciais.

Com o projeto aprovado, as operadoras são obrigadas a cobrir procedimentos fora da lista prescritos por médicos, desde que haja eficácia comprovada ou registro em órgão nacional ou internacional de renome ou se houver recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.

 

Os retrocessos no Brasil em 2022

 

Mesmo com a decisão do Congresso, o assunto ainda pode estar longe do fim. O setor de planos de saúde classificou a decisão como retrocesso, argumentou que ela vai resultar em aumento de preços das mensalidades e estuda recorrer à Justiça para contestar o entendimento.

As operadoras avaliam a possibilidade de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir a constitucionalidade da nova lei. Representantes do setor avaliam que a proximidade das eleições interferiu na avaliação do tema no Congresso.

— Sancionada a lei, veremos se cabe uma ação direta de inconstitucionalidade. É lamentável o que está acontecendo, mostra falta de entendimento do funcionamento do setor. A coincidência com o momento eleitoral levou a uma decisão populista. Só estão esquecendo de avisar a sociedade que não é a operadora que vai pagar a conta. É o próprio consumidor. A operadora só administra os recursos, e essa decisão vai refletir em aumento de mensalidade — afirma Vera Valente, diretora executiva da FenaSaúde, que reúne as maiores operadoras do setor.

Em nota, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) afirma que a mudança trará sérios riscos à segurança dos pacientes e que o setor enfrenta risco de “colapso sistêmico”. Renato Casarotti, presidente da Abramge, diz que o projeto foi aprovado no momento em que o setor registra o pior primeiro trimestre da história, com prejuízo de mais de R$ 1 bilhão, mais do que as perdas apuradas em todo o ano passado:

— Não acho que o impacto será imediato, mas terá reflexo nos tribunais. E isso pode exigir repasse na ponta. Cabe discutir se vale recurso no Judiciário, apresentar de forma republicana nosso ponto ao governo, antes da sanção. Da forma como ficou o texto, sem critérios cumulativos para liberação de procedimentos, deixa uma abertura muito grande ao que pode vir a ser coberto, inclusive sem garantir a segurança do consumidor.

 

Rafael Robba – Vilhena Silva Advogados

Para o advogado Rafael Robba, especialista em saúde do escritório Vilhena Silva, a lei retoma a avaliação preponderante nos tribunais até 2019, que considerava o rol exemplificativo, uma referência, e que cabia cobertura quando um tratamento era prescrito por médico e havia eficácia comprovada:

— A decisão do STJ em junho havia criado critérios de exceção de difícil comprovação pelo consumidor, como ter esgotado todas as possibilidades de tratamento previstas no rol. O Judiciário vinha pedindo que as operadoras comprovassem se havia tratamento substituto ao proposto pelo médico na lista da ANS. Se já era assim e as operadoras não quebraram, esse argumento retórico não se mantém.

A médica sanitarista Ligia Bahia, professora da UFRJ, diz que o risco de aumentar mensalidade é argumento recorrente no setor, mas não avalia que ele se justifique:

— O plano de saúde está sempre embasado em um pool de risco. As doenças que exigem maior custo são menos frequentes e já cabem na mensalidade. O consumidor é que não pode prever que doença terá, por isso contrata um plano.

O parecer de Romário, relator no Senado, só foi disponibilizado aos senadores cerca de uma hora antes da votação. “A necessidade de prévia manifestação da ANS pode restringir consideravelmente o conjunto de terapias que possuem evidências científicas sobre sua eficácia a serem disponibilizadas aos beneficiários, uma vez que a agência ainda não tem estrutura para acompanhar adequadamente o desenvolvimento tecnológico das tecnologias em saúde”, sustentou Romário, no relatório.

 

Ações tramitam na justiça

 

Enquanto a lei não é sancionada, processos questionando o rol taxativo continuam a tramitar na Justiça. Há previsão de audiências públicas no fim de setembro para discutir o tema no STF. Caso o presidente sancione a lei antes do julgamento, especialistas afirmam que as ações podem perder o mérito e ser interrompidas no Supremo.

— A lei não retroage, então quem tiver ação tramitada e julgada que negue procedimento fora do rol não terá o que fazer. A não ser que a doença se perpetue e ele entre com nova ação pedindo o tratamento — explica Gustavo Kloh, professor da FGV Direito Rio.

 

Idas e vindas: veja a cronologia do imbróglio

 

  • Em junho, STJ decide que planos não precisam cobrir itens fora da lista da ANS

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em junho, por seis votos a três que o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é taxativo. Antes, prevalecia o entendimento que o rol era exemplificativo, sendo possível a cobertura de itens não listados quando recomendados pelo médico. Decisão dificulta acesso a procedimentos fora da lista na Justiça.

  • Em agosto, Câmara aprova fim do rol taxativo para operadoras

 

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Projeto de lei aprovado na Câmara em votação simbólica prevê que as operadoras devem cobrir itens fora da lista desde que haja eficácia comprovada ou recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, ou recomendação de ao menos um órgão de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional.

  • Senado também dá aval a projeto, que segue para sanção ou veto de Bolsonaro

 

Em votação simbólica, o Senado aprovou o projeto que acaba na prática com o rol taxativo. O governo era contra, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, fez críticas ao texto. Mas a expectativa é que o presidente não se oponha e sancione o projeto em razão da proximidade das eleições. O temor é que um veto seja explorado politicamente pelos adversários.

  • Setor de saúde afirma que preços vão subir e que há risco de ‘colapso sistêmico’

 

Entidades do setor de planos de saúde criticaram a decisão do Congresso afirmando que terão de oferecer procedimentos sem comprovação de segurança e que não foram incorporados em outro país. O argumento é que o aumento de custo terá de ser repassado ao consumidor e que há risco de “colapso sistêmico”. Setor avalia como recorrer à Justiça contra a decisão.

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