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Tratamento paciente com câncer

Pacientes com câncer e as dificuldades no acesso ao tratamento adequado

Migalhas | Melissa Cordon | 05/01/2023

Melissa Cordon – Vilhena Silva Advogados

Ao sofrer uma negativa ou limitação de tratamento, o consumidor pode inicialmente formular uma reclamação perante a ANS, para tanto é importante exigir que a recusa seja formalizada documentalmente e caso persista a negativa, é possível acionar a operadora de saúde judicialmente, por meio de uma medida liminar, ante o caráter emergencial da solicitação.

A notícia do diagnóstico de uma doença grave como o câncer é certamente impactante, não apenas ao paciente que a recebe, mas a todos a seu redor. Surgem diversas dúvidas e inseguranças, há também o abalo financeiro e desequilíbrio emocional, uma vez que a doença é a segunda maior causa de mortes em todo o mundo, conforme divulgou a Organização Pan-Americana de Saúde1.

Diariamente muitas pessoas portadoras de câncer são surpreendidas com um extenso plano terapêutico que as submetem a uma série de adversidades, como o preconceito e a dificuldade ao acesso a alguns serviços essenciais.

Muito embora a saúde seja um direito garantido constitucionalmente, todos os anos, milhares de brasileiros encontram obstáculos para a obtenção de um tratamento adequado, obrigando-se em muitos casos a socorrerem-se do Poder Judiciário frente às negativas e limitações impostas pelas operadoras de saúde.

Um recente estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)2 apontou que as ações judiciais relacionadas ao custeio de tratamentos médicos, seja para aquisição de medicamentos quimioterápicos ou internações e procedimentos cirúrgicos, teve um aumento expressivo nos últimos anos na área de oncologia, notadamente nos Tribunais do Estado de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

No entanto, muitos pacientes ainda desconhecem boa parte de seus direitos, inclusive a possibilidade de questionarem em juízo as negativas emitidas pelos planos de saúde e acabam por arcar indevidamente com os custos de tratamentos realizados na modalidade particular.

Dentre as principais dificuldades relacionadas ao tratamento de um câncer, podemos destacar aquelas concernentes ao custeio de medicamentos para quimioterapia e imunoterapia, cujas razões para emissão de negativa são variadas: há medicamentos que não são fornecidos pela ausência de previsão no rol da ANS, fármacos de uso domiciliar, medicações de alto custo, ou ainda, pela divergência de indicação de determinado fármaco para patologia distinta daquela mencionada na bula, esta última denominada de “off label” ou de uso experimental.

Sobre esse tema, é importante destacar a impossibilidade de restrição de cobertura no atendimento médico pautada no rol de coberturas mínimas obrigatórias da ANS, visto que sua atualização, embora periódica, não se demonstra suficiente para acompanhar os avanços da medicina, tratando-se de referência mínima e não exclusiva, cabendo unicamente ao médico o papel de prescrever o tipo de tratamento que melhor atenda às necessidades do seu paciente.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, a recorrência do tema implicou na edição de duas importantes súmulas, as quais preveem:

Súmula 95 TJ/SP: Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico.

Súmula 102 TJ/SP: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.

Não bastassem os entraves relacionados ao custeio de medicamentos, há ainda as dificuldades atinentes a cobertura de exames para diagnóstico e acompanhamento da doença, como o exame de Pet Scan e testes genéticos, os quais, não raras às vezes, são indevidamente negados com base nas recusas usuais descritas acima que também são consideradas indevidas no judiciário brasileiro.

Outro ponto que merece destaque refere-se à resistência apresentada frente às técnicas de tratamento mais modernas como as cirurgias por via robótica e radioterapia de intensidade modulada. Nestes casos, os pacientes são surpreendidos com a interferência da operadora no tipo de tratamento que lhe é prescrito, tentando, em muitos casos, convencê-los a modificar o plano terapêutico sugerido pelo médico, com o direcionamento deste consumidor para realização de técnicas convencionais menos modernas, as quais possuem um custo muito menor, porém, além de muito mais agressivas, apresentam também menores taxas de sucesso no combate ao câncer, principalmente quando se trata de pessoa idosa.

Há ainda que se mencionar os aspectos sociais vividos por estes pacientes, como, por exemplo, as dificuldades de uma pessoa com câncer ser aceita em um plano de saúde, visto que a contratação de um plano implica na necessidade de cumprimento de prazos de carência e limitações denominadas cobertura parcial temporária (CPT). Uma conduta restritiva por parte de uma operadora de saúde, no sentido de impedir a contratação de um plano de saúde a uma pessoa com câncer, é passível de multa ante o seu caráter discriminatório e esse tipo de situação deve ser reportada à agência fiscalizadora.

A lei 9.656/98 traz disposições sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde e dentre suas determinações está a obrigatoriedade de cobertura de tratamento as doenças listadas na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID10) e os respectivos prazos de carência, com menção específica quanto as situações de urgência e emergência, sendo tolerado o prazo máximo de 24 horas para a exigência desta restrição pelo plano. Essa previsão assegura aos pacientes de câncer o acesso integral ao tratamento que lhes é indicado e estar bem informado acerca dos direitos destes pacientes é de suma importância.

Ao sofrer uma negativa ou limitação de tratamento, o consumidor pode inicialmente formular uma reclamação perante a ANS, para tanto é importante exigir que a recusa seja formalizada documentalmente e caso persista a negativa, é possível acionar a operadora de saúde judicialmente, por meio de uma medida liminar, ante o caráter emergencial da solicitação.

Neste sentido, ter informação é fundamental para o auxílio neste tema tão importante, a fim de que não sejam praticadas injustiças contra as pessoas em situação de extrema vulnerabilidade.

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  1. https://www.paho.org/pt/topicos/cancer
  2. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/07/Relatorio_Judicializacao-e-Sociedade-16072021.pdf

 

Melissa Cordon

Advogada, bacharel em Direito pela Universidade Paulista – UNIP, pós-graduada em Direito Processual Civil pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e pós-graduanda em direito médico e hospitalar pela EPD – Escola Paulista de Direito.

 



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