17 abr O papel do debate nacional sobre medicamentos à base de canabidiol
Jota | Barbara Areias | 15/4/2023
Pacientes dependem da sorte de ter domicílio em município ou estado que lhes permita acesso ao tratamento pelo SUS
Em março deste ano foi publicada em Salvador a Lei Municipal 9.663/23, que autoriza a distribuição gratuita de medicamentos à base de canabidiol (CBD) e/ou tetrahidrocanabinol (THC), ambos extraídos da planta Cannabis sativa, nas unidades municipais ligadas ao SUS.
A redação da nova lei é semelhante à Lei 17.618/23, sancionada pelo Governo de São Paulo em janeiro deste ano, que dispõe sobre o mesmo tema no âmbito estadual e determina que a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo crie uma comissão de trabalho para implementar as regras e as diretrizes da política de tratamento com medicações à base de canabidioides.
A sanção das duas normas é, sem dúvida, um grande passo para fortalecer o debate sobre a terapêutica de canabidioides na comunidade médica e científica, além de ampliar o acesso à terapia para a população, em nome da universalidade que rege o SUS.
Em março deste ano foi publicada em Salvador a Lei Municipal 9.663/23, que autoriza a distribuição gratuita de medicamentos à base de canabidiol (CBD) e/ou tetrahidrocanabinol (THC), ambos extraídos da planta Cannabis sativa, nas unidades municipais ligadas ao SUS.
A redação da nova lei é semelhante à Lei 17.618/23, sancionada pelo Governo de São Paulo em janeiro deste ano, que dispõe sobre o mesmo tema no âmbito estadual e determina que a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo crie uma comissão de trabalho para implementar as regras e as diretrizes da política de tratamento com medicações à base de canabidioides.
A sanção das duas normas é, sem dúvida, um grande passo para fortalecer o debate sobre a terapêutica de canabidioides na comunidade médica e científica, além de ampliar o acesso à terapia para a população, em nome da universalidade que rege o SUS.
Aliás, esse debate não se restringe à comunidade soteropolitana ou paulista. Diversos estados e municípios brasileiros têm projetos de lei similares já aprovados ou em andamento na Câmara Municipal ou Assembleia Legislativa, tamanha a relevância do tema.
Mas como fica o posicionamento federal a respeito do assunto? Até o momento, não há uma lei nacional que obrigue o SUS a garantir o fornecimento de medicamentos à base de canabidiol.
Na verdade, o Congresso Nacional possui três PLs em tramitação que têm como objetivo o fornecimento desses medicamentos no SUS. São eles: PL 399/15, PL 89/23 e PL 481/23. Nenhum projeto, contudo, está em estágio avançado o suficiente para aprovação e sanção, em que pese o primeiro deles ter sido protocolado na Câmara dos Deputados há oito anos.
O que causa preocupação é que, apesar dos esforços dos estados e municípios nessa temática, a inexistência de uma lei nacional que garanta o acesso universal e público a esses medicamentos impede que pacientes de localidades não abrangidas por leis estaduais e/ou municipais tenham acesso a esse tipo de medicação.
Na prática, o paciente com prescrição médica para uso de medicamentos à base de canabidiol precisa contar, atualmente, com a sorte de ter domicílio em um município ou estado que lhe garanta o direito de acesso ao tratamento pelo SUS. Caso contrário, para não ficar desassistido, recorrerá ao Judiciário para ter acesso ao tratamento medicamentoso.
É urgente uma legislação nacional sobre o tema. Mas não apenas isso. A ampliação do debate nacional sobre os medicamentos à base de canabidiol é de suma importância para quebrar paradigmas, preconceitos, ampliar o acesso às medicações e fortalecer a pesquisa científica.
Mesmo as leis que já estão em vigor podem criar barreiras burocráticas para que o paciente tenha acesso ao medicamento à base de canabidiol, pois todas elas impõem a necessidade de regulamentação dessa política pública pelas Secretarias de Saúde. Portanto, a comunidade médica, pesquisadores e associações precisam ser protagonistas nesse debate de implementação dos medicamentos no SUS, para contribuir para a efetividade das legislações.
O setor de investimento e pesquisas atreladas à Cannabis vem crescendo ano após ano e o impacto desse avanço pode ser observado no fato de existir, atualmente, 12 empresas que já possuem a devida autorização da Anvisa para comercializar os medicamentos à base de Canabidiol e Tetrahidrocanabinol no país.
O que se observa é que o estímulo cada vez maior em pesquisas sobre a Cannabis tem ampliado a autonomia médica e o consequente acesso desse tratamento para diversas doenças, pois a sua eficácia já é uma realidade para terapêuticas de esclerose múltipla, doença de Parkinson, esquizofrenia, Transtorno do Espectro do Autismo, dores crônicas, dentre outras.
O número das prescrições desse tipo de medicação aumentou e os pacientes em tratamento com canabidioides relatam com veemência os benefícios da medicação.
Não é à toa que esse setor farmacológico, até então visto como alternativo, está ganhando espaço em investimento e inovação para atender uma parcela de pacientes que possuem doenças crônicas e que, através da ciência, têm a possibilidade de alcançar uma maior qualidade de vida com a minimização dos efeitos patológicos.
O debate trazido no âmbito do SUS, por consequência, reflete na cobertura oferecida pelos planos de saúde. Embora os medicamentos à base de canabidiol não estejam previstos no rol da ANS, muitos beneficiários de planos de saúde têm solicitado a cobertura do tratamento às operadoras.
A eventual negativa pautada na exclusão do rol da agência reguladora tem sido, inclusive, objeto de ações judiciais sobre o tema, com amparo da Lei 9.656/98, que dispõe sobre as regras dos planos de saúde, e também da Lei 14.454/22, que estabeleceu que o rol da ANS pode ser ampliado, desde que os medicamentos apresentem comprovação de eficácia ou de que haja recomendação da Conitec ou de órgão de avaliação de tecnologia em saúde de renome internacional.
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É inquestionável que as medicações à base de canabidiol ganharam destaque na comunidade médica e no debate público e, por isso, até que o país tenha uma política nacional e efetiva sobre o acesso dessas medicações, o Judiciário será requisitado a se pronunciar sobre o fornecimento dessas medicações, seja em relação ao SUS, ou mesmo pelo dever de cobertura dos planos de saúde.
BARBARA AREIAS REZENDE – Advogada, bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), formação executiva em Gestão de Saúde Suplementar pela FGV e pós-graduada em Direito Processual Civil pela Escola Paulista de Direito. Realiza especialização em Direito Sanitário na USP
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