27 set Planos de saúde não tratam transtornos mentais, dependência química e alcoolismo como deveriam
As operadoras de saúde não estão preparadas para acolher os casos de dependência química, o alcoolismo ou transtornos mentais, como o autismo, a ansiedade, depressão, esquizofrenia, bipolaridade e compulsões. E, muitas vezes, se recusam a tratá-los. Ainda revestidos de preconceito, ignorância ou descaso, esses transtornos não são entendidos como doenças que necessitam de cuidados especiais ininterruptos, com tratamento multidisciplinar.
A recusa de tratamento integral desobedece à lei e a não inclusão no rol de doenças crônicas deixa indivíduos e famílias desassistidas.
A Política Pública de Saúde Mental no Brasil é recente e prevê redes de cuidados, mesmo quando os gestores admitem que faltam leitos hospitalares e tratamentos adequados.
Já a maioria das operadoras de saúde, que são pagas para dar respaldo à saúde dos clientes, só acata terapêuticas ou internação se o beneficiário tiver um pedido médico, com a descrição do CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) e, ainda, se a cobertura (ambulatorial, hospitalar, por exemplo) da doença, descrita em contrato, for pertinente ao paciente.
Algumas interrompem a assistência depois de 30 dias de internação, exigindo que o usuário arque com o sistema de coparticipação de 50%, embora o direito ao tratamento integral esteja garantido pela Constituição, na Lei 9.656/1998.
A Justiça brasileira entende que as doenças psíquicas merecem o mesmo tratamento que as demais. As Súmulas 92, do Tribunal de Justiça de São Paulo, e 302, do Superior Tribunal de Justiça, consideram abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita o tempo de internação do segurado ou usuário. Além disso, quem deve decidir sobre o tempo de tratamento do paciente é o médico, autoridade competente, e não os planos de saúde.
No primeiro trimestre de 2018, o Vilhena Silva Advogados registrou um aumento de 60% de atendimento a casos que envolvem transtornos mentais, em relação ao ano passado, obtendo 95% de sucesso nos recursos judiciais.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Panamericana de Saúde lançaram uma campanha de alerta para a depressão em 2017, reconhecendo que o distúrbio não é um sinal de fraqueza e afeta 322 milhões de pessoas em todo o mundo, que registrou um aumento de 18% dos casos de 2005 a 2015. Nas Américas, afeta 5% da população e pode atingir qualquer indivíduo.
O Brasil é recordista mundial em prevalência de transtornos de ansiedade e também ocupa o primeiro lugar no ranking da América Latina e o segundo das Américas. Altamente incapacitante, a depressão aumenta o risco de outras doenças, como as cardíacas, e é fator de risco importante para o uso de drogas e o suicídio, que também cresce no mundo. Só em 2016, 800 mil pessoas se mataram.
Negligenciar a questão ou não pensar em saídas efetivas para combater essas doenças acarreta também problemas econômicos. Estudos da OMS realizados em 36 países de baixa e média renda apontam que é mais dispendioso não tratar a doença.
A Organização projetou a perda de um trilhão de dólares ao ano, até 2030, caso o acesso a cuidados não se efetive. Cada dólar investido na ampliação do tratamento da depressão e ansiedade resulta em um retorno de US$ 4 na melhoria das condições de saúde e capacidade de trabalho.
Num mundo tão complexo quanto o que vivemos, que gera e fomenta a ansiedade e a depressão, não enxergar as causas e consequências dessas doenças é, no mínimo, negligente. E, não oferecer condições para que as famílias – já que na maioria das vezes o indivíduo não reconhece que está doente e não tem autonomia para tomar decisões – possam tratar de seus membros doentes, é desumano, abusivo e ilegal.
Fonte: Estadão
*Renata Vilhena Silva, advogada especialista em direito à saúde, bacharel em Direito pela PUC-Campinas, especialista em Direito Processual Civil pelo COGEAE (PUC-SP) e pelo CEU – Centro de Extensão Universitária, autora das publicações Planos de Saúde: Questões atuais no Tribunal de Justiça de São Paulo, volumes I e II e sócia-fundadora do Vilhena Silva Advogados