08 abr ANS exige que planos de saúde atendam clientes inadimplentes para liberar R$ 15 bi de fundo de reserva
Maior tolerância com inadimplência e pagamento a prestadores de serviços estão entre medidas a serem discutidas em reunião hoje
RIO – A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deve bater o martelo, nesta quarta-feira, sobre o desbloqueio de R$ 15 bilhões dos R$ 40 bilhões de reservas técnicas das operadoras para serem usados no combate da pandemia de coronavírus. Segundo fontes, a falta de contrapartidas claras das empresas é uma das razões para a demora na liberação dos recursos do fundo garantidor do setor, anunciada pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em 19 de março.
A agência pretende anunciar essa liberação somente mediante a garantia de cumprimento de alguns compromissos pelas operadoras de saúde. O primeiro é a maior tolerância com os beneficiários de planos de saúde inadimplentes. A ideia é propor que seja ampliada a garantia de assistência para além dos 60 dias de contas em aberto prevista pela lei.
O fundo garantidor ou reserva técnica é composto de recursos das próprias operadoras que ficam bloqueados pela ANS para garantir o pagamento de atendimentos futuros a prestadores e a manutenção da assistência aos usuários de planos de saúde, caso a operadora enfrente algum problema financeiro.
Apesar de não ter recebido das operadoras de planos de saúde o estudo técnico que comprovasse a necessidade de liberação imediata dos recursos, a ANS vem sendo pressionada a agilizar o desbloqueio das reservas, inclusive com ameças de ações judiciais.
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Outro ponto levantado pela ANS é que as empresas se comprometam a fazer o pagamento dos prestadores (hospitais, clínicas e laboratórios). Isto porque, explicam pessoas a par da negociação, o caixa desse segmento teve uma baixa significativa, em alguns casos, de mais de 80%, em consequência da suspensão de procedimentos eletivos e do aumento do prazo de todos atendimentos que não sejam urgência ou emergência. Ambas as medidas foram pedido das operadoras acatados pela agência.
– Enquanto a onda forte do covid-19 não chega, quem tem problemas de caixa são os prestadores não as operadoras. A liberação de ativos hoje está muito mais voltada a preocupação de que eles tenham recursos para se manter, do que com as operadoras de planos de saúde – diz uma fonte próxima as negociações.
Os planos de saúde respondem por cerca de 90% das receitas dos hospitais privados e 80% da dos estabelecimentos de medicina diagnóstica do país.
O acordo deve propor ainda que os recursos desbloqueados sejam carimbados para o atendimento assistencial e que haja o compromisso de que em caso de sobra de parte do montante liberado, ao fim da pandemia, eles não possam ser usados para o pagamento de dividendos ou qualquer outra remuneração a acionistas ou sócios.
O superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Marcos Novais, admite que ainda não há, de fato, um cálculo fechado sobre quanto de recurso seria necessário para que a saúde suplementar possa enfrentar a pandemia. Ele afirma, no entanto, que o dinheiro desbloqueado não será usado para pagar as contas nesse primeiro momento:
– Esse dinheiro nos daria um colchão de liquidez, a tranquilidade que teremos recursos. Estamos em guerra e ter esse recurso liberado nos dará mais confiança. Todos os setores estão sofrendo com a crise e readequando suas atividades. No nosso caso é diferente, estamos num movimento contra-ciclíco, pois a pandemia exige que aumentemos investimentos, ampliemos contratações e compras de insumos.
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A FenaSaúde, que reúne as maiores empresas do setor, por sua vez, questionada sobre como a saúde suplementar está se organizando para enfrentar o novo coronavírus, se limitou a dizer que está especialmente empenhada ” em obter do órgão regulador liberação de reservas existentes para que recursos das operadoras hoje provisionados sejam empregados para garantir a liquidez e a continuidade dos pagamentos de prestadores de serviços de saúde (hospitais, médicos, laboratórios etc).”
Novais, sem mensurar volume, diz que alguns investimentos já estão sendo feitos “a toque de caixa”. No entanto, ao procurar individualmente as operadoras nenhuma foi capaz de dimensionar o número de leitos de CTI que serão ampliados, as contratações de pessoal ou compra de equipamentos, como respiradores e material de proteção para os profissionais que estão em curso ou que planejam adquirir para o futuro próximo.
O Sistema Unimed foi o único a dar exemplos práticos de cooperativas associadas no combate à pandemia.
Apesar da falta dos dados específicos do combate à pandemia, Novais ressalta, entretanto, que a saúde suplementar movimenta R$ 200 bilhões anualmente. E por isso, exigirá quantias vultuosas nesse momento de crise:
– Um bilhão de reais pagam dois dias de assistência de todo o sistema – afirma o executivo.
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Para especialista, liberação dos recursos só faz sentido para salvar vidas
A vinculação da liberação de recursos à manutenção da assistência aos inadimplentes é tratada com ressalvas pelas empresas. Segundo Novais, o setor trabalha com reservas de 1,5% a 2% para suportar a inadimplência usual do mercado e manter a assistência pelo prazo de até 60 dias, consecutivos ou não da fatura em aberto, garantindo a assistência:
– Sabemos que o plano de saúde tanto para as famílias quanto para as empresas, é a última conta que se pensa em atrasar. Mas se falarmos em alguma mudança de regra nesse momento poderemos incentivar a inadimplência e se ela chegar a 10%, mais da metade das empresas o setor poderia caminhar para uma situação de insolvência e levar a uma crise organizacional.
Por outro lado, especialistas temem que a liberação de reservas possa trazer insegurança para o mercado no futuro:
– São essas reservas que garantem a continuidade do atendimento ao consumidor quando a empresa tem algum problema. Pois esses recursos mantêm o pagamento dos prestadores até que a ANS determine a migração daqueles usuários para outra operadora – diz Rafael Robba, advogado especializado em direito à saúde, do escritório Vilhena Silva Advogados. Ele acrescenta – A liberação desses recursos poderia ser ao menos vinculada a garantia de limitação no reajuste anual, já que muitos brasileiros terão dificuldades nos próximos meses.
A médica e especialista em saúde pública Ligia Bahia, professora da UFRJ, vai além, para ela, as empresas deveriam nesse momento abrir mão de pagamento de participação para o tratamento da covid-19:
– A garantia do atendimento aos casos do coronavírus deveria ser feito independente de qualquer co-pagamento e situação de eventual inadimplência e tipo de contrato. O uso do fundo garantidor deve servir para que todos os clientes de planos, com ou sem carência, ambulatorial ou hospital, tenham garantia de tratamento amplo. A liberação dos recursos importantes só faz sentido para salvar vidas.
Fonte: O Globo – Luciana Casemiro