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Rescisão de contratos de planos de saúde

Em ambiente sem regulação, planos de saúde descartam clientes

Folha de São Paulo | Rafael Robba | 17.05.2024

Omissão complacente da ANS é combustível para expulsão de idosos e doentes

Os planos de saúde coletivos, os quais não recebem a mesma proteção dos planos individuais e familiares, se tornaram a maioria dos contratos ativos no Brasil. Ao se aproveitarem de uma omissão regulatória, as operadoras costumam inserir nesses contratos uma cláusula que permite a elas expulsar o consumidor sem nenhuma justificativa, apenas avisando com alguns dias de antecedência.

Mas, quando nos referimos a planos coletivos, não estamos falando apenas daqueles contratados por grandes empresas, pois cerca de 12 milhões de beneficiários pertencem a planos coletivos que contemplam apenas um pequeno grupo familiar, chamados de PME (pequenas e médias empresas) —ou, muitas vezes, indivíduos sozinhos que ingressam nessa modalidade por adesão.

A corretora de planos de saúde Dayah Castro, 39, com o filho Salomão, de 11 anos, que tem TEA; família recebeu aviso de cancelamento de plano da Amil – Arquivo pessoal

E são justamente esses consumidores que estão sendo mais afetados com essa prática condenável das operadoras. A situação se agrava ainda mais quando o beneficiário expulso pelo convênio é pessoa idosa ou está em tratamento médico. Neste caso, dificilmente esse beneficiário será aceito por outra operadora, e uma das poucas alternativas é buscar proteção no Judiciário.

A omissão complacente da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) é um combustível para que as operadoras não sintam o mínimo de vergonha em expulsar idosos e doentes de sua carteira.

Aliás, a ANS parece se esquecer que sua finalidade institucional é promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no país.

Expulsar idosos e doentes dos planos de saúde certamente não é uma prática de interesse público, tampouco contribui para o desenvolvimento das ações de saúde do nosso país.

Aos 102 anos, idosa tem plano de saúde cancelado
O engenheiro mecânico João Treco Filho com sua mãe, Martha Zequetto Treco, de 102 anos no apartamento da família, em São Paulo | Adriano Vizoni / Folhapress

Ora, para nada serve um plano de saúde que mantém em sua carteira apenas pessoas jovens e saudáveis e expulsa os idosos e doentes.

Não podemos desconsiderar, ainda, o impacto negativo dessa prática para o sistema de saúde como um todo, pois não é possível desconsiderar que o SUS assumirá grande parte dos tratamentos em curso daqueles que perderam seu plano de saúde, como se o sistema público servisse como um resseguro das operadoras —as quais, somente em 2023, tiveram uma receita superior a R$ 275 bilhões e que anualmente contam com generosos incentivos fiscais e isenções tributárias.

Importante ressaltar ainda que os contratos de planos de saúde se submetem ao Código de Defesa do Consumidor e devem observar, obviamente, os princípios constitucionais de proteção ao consumidor e ao idoso. E o código é claro ao repelir cláusulas contratuais que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

Karina Cadette. 41, e o filho Rafael, 9; a família teve que buscar na Justiça a cobertura pelo plano de saúde do tratamento multidisciplinar do menino, diagnosticado com autismo severo. Danilo Verpa / Folhapress

Portanto, não há na legislação uma interpretação possível que considere legal a rescisão imotivada de contratos de planos coletivos, ainda mais quando existirem beneficiários idosos ou em tratamento médico.

Esse cenário apenas reforça a necessidade urgente de uma atuação efetiva da ANS para desestimular essa prática reprovável das empresas que operam planos de saúde no Brasil, de forma que a saúde suplementar possa efetivamente contribuir para a política de saúde do país.

A fonoaudióloga Chang Liang, 53, paga convênio há mais de 20 anos para os pais, que precisam de cuidados intensivos. Bruno Santos / Folhapress

 

Artigo de Rafael Robba – Mestre e doutor em saúde coletiva (USP), é pesquisador do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP e sócio de Vilhena Silva Advogados.

 



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