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As controvérsias acerca da rescisão de planos coletivos empresariais com menos de 30 vidas

Tornou-se recorrente no Poder Judiciário o ajuizamento de ações cujo objeto consiste na discussão acerca da abusividade da rescisão unilateral imotivada por parte das operadoras de plano de saúde, de contratos coletivos empresariais que contemplem até 30 (trinta) beneficiários.
Alguns dos regramentos trazidos pela Lei de Planos de Saúde (9.656/98) encontraram destinação específica para os planos individuais, motivo pelo qual as operadoras passaram a entender como desvantajosa essa modalidade de contratação.

Assim, viu-se nos últimos anos uma tendência do mercado de planos de saúde de não mais disponibilizar planos individuais, em claro incentivo às contratações na modalidade coletiva, ainda que figurem como beneficiários, sejam titulares ou dependentes, poucas pessoas, não raras vezes integrantes da mesma família.

 

Falsos Coletivos

 

Referidos contratos são chamados, na jurisprudência, de “falsos coletivos”, dada a vulnerabilidade em que os consumidores são colocados pelo baixo poder de barganha frente às Operadoras, fazendo com que o regime jurídico se amolde melhor ao dos planos individuais/ familiares em comparação ao dos coletivos propriamente ditos, muitas vezes oferecidos e viabilizados no mercado de consumo apenas com a condenável finalidade de afastar a incidência de normas protetivas previstas na Lei de Planos de Saúde, justificando, assim, um tratamento diferenciado pelo Poder Judiciário (STJ – Terceira Turma, AgInt no REsp 1823727/SP, Rel.

Ministro Moura Ribeiro, julgado em 16/12/2019, STJ – Quarta Turma, REsp 1776047/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, julgado em 23/04/2019).

Considera-se imotivada aquela rescisão que não possui como origem (i) uma fraude eventualmente praticada pelos aderentes do contrato ou (ii) o inadimplemento das mensalidades por mais de 60 (sessenta) dias, consecutivos ou não, e que tenham sido comunicadas ao suposto devedor até o 50º dia.

Ocorre que, quando não mais interessante para as operadoras a manutenção do contrato, em geral por critérios financeiros, lançam mão de previsão contratual que permite a rescisão unilateral imotivada, sustentando a utilização da liberdade de contratar (arts. 421 e 422 do Código Civil) e a inaplicabilidade do art. 13, parágrafo único, II, da Lei de Planos de saúde, a contratos coletivos. As alegações das operadoras possuem aparente amparo legal, mas não decorrente de interpretação ética e justa da norma.

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Tal conduta implica no ajuizamento de diversas ações que visam a manutenção da vigência do contrato, com suporte na proteção dos beneficiários do plano que são, em última análise, os destinatários finais do serviço prestado, encontrando-se em situação de vulnerabilidade, de modo a exigir a ponderação da função social que os contratos desta natureza exercem sobre a liberdade de contratar.

Para tanto, é possível se valer, igualmente, do mencionado art. 421 do Código Civil, associado aos arts, 6º, V, 39, V, e 51, IV do Código de Defesa do Consumidor, para invocar a aplicação análoga do art. 13, parágrafo único, II, da Lei de Planos de Saúde.

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Os Tribunais Pátrios se mostraram favoráveis à classificação destes contratos como “falsos coletivos”, afastando a possibilidade de rescisão unilateral imotivada do plano ou seguro saúde, em proteção aos beneficiários, destacando a natureza híbrida deste tipo de contratação (coletivo/ familiar).

Por essa razão, a fim de pacificar a questão, recentemente foi afetada ao julgamento, através do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, pelo Superior Tribunal de Justiça, o tema n° 1.047, assim definido: “Validade de cláusula contratual que admite a rescisão unilateral, independente de motivação idônea, do plano de saúde coletivo empresarial com menos de 30 (trinta) beneficiários”.

Embora ocorrida a afetação do tema, não foi determinada a suspensão nacional dos processos que versem sobre essa matéria, autorizando a cada julgador a aplicação do entendimento que lhe parece adequado à luz do caso concreto.

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Isso permite que, desde logo, sejam levadas à discussão judicial as rescisões abusivas de contatos de plano ou seguro saúde coletivo empresarial, vez que embora firmado entre pessoas jurídicas, possui como objeto a prestação de serviços que serão usufruídos pelas pessoas físicas beneficiadas pela estipulação realizada, as quais estão sujeitas a uma série de riscos em caso de rompimento do vínculo, como a interrupção de tratamentos em curso, além da impossibilidade de utilização de hospitais, médicos e clínicas integrantes da rede.

Assim, à luz da legislação e posicionamento do Poder Judiciário, é possível considerar abusiva a rescisão dos contratos empresariais com menos de 30 (trinta) vidas, em especial em razão da natureza híbrida deste tipo de contratação, quando não demonstrada, pela operadora, a existência de motivo idôneo, como a citada fraude ou inadimplemento, sem os quais deverá ser mantido ativo o plano ou seguro saúde.

 

Patrícia Dantas é advogada do escritório Vilhena Silva Advogados.



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