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As lições do caso Amil para a saúde suplementar e para agências

Jota | Lígia Formenti | 04/05/2022

Presidente da ANS diz que ajustes precisam ser feitos em análises futuras

 

A decisão da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de anular a venda da carteira de planos individuais da Amil para a APS trouxe lições não apenas para o mercado, mas para agências e para consumidores. Num momento em que o setor de saúde suplementar passa por transformações, com aquisições e fusões de empresas, é simbólica a decisão da agência de rever uma decisão que havia adotado meses antes.

Quando a transferência do controle da carteira das praças de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná foi anunciada, a ANS foi criticada pela rapidez da análise. Mais do que isso, por permitir que uma empresa de porte pequeno passasse a administrar um grupo 30 vezes maior.

Quase quatro meses depois do sinal verde dado à operação, na reunião realizada no último dia 30 de abril, a ANS trouxe justificativas para a anulação da operação. A APS, um grupo que tem como sócios Amil e Santa Helena, não tinha condições de administrar de maneira autônoma a carteira adquirida. Órgãos de defesa do consumidor estavam certos.

É um mea culpa da ANS? O presidente da agência, Paulo Rebello, afirma que a análise havia sido feita levando em consideração o fato de que a APS estava dentro do mesmo grupo econômico da Amil. Portanto, apenas o aspecto financeiro foi posto à prova. Mas quando veio à tona outra operação, a transferência da APS para um grupo de investidores formado por Fiord Capital, Seferin & Coelho e Henning Von Koss, o alerta soou. Esta segunda transação foi registrada em cartório, mas não foi comunicada à ANS. Naquele momento, já eram inúmeras as reclamações de beneficiários que viram a rede de atendimento minguar.

Em fevereiro, a transferência foi suspensa e, a partir daí, uma avaliação mais detalhada teve início. O desfecho foi conhecido em 30 de abril. Por que uma análise detalhada não foi feita desde o início, mesmo sabendo que a APS pertencia ao grupo da Amil?

 

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Rebello argumenta que os prazos precisavam ser cumpridos. E que críticas poderiam surgir também, caso a análise fosse muito demorada. Mas, ao mesmo tempo, reconhece: “Foi um movimento de aprendizado. A agência sempre analisou compras de empresas pequenas feitas por grupos maiores. Não o oposto, como nesse caso”, disse Rebello ao JOTA. “Neste caso específico, vimos que seria preciso fazer uma análise mais detalhada.”

O presidente da ANS constata que ajustes precisam ser feitos em análises futuras. “Talvez não seja necessária mudança nas regras. O episódio trouxe lições. Mas queremos deixar clara a mensagem de que não vamos fechar os olhos. Quando percebemos o risco à assistência, agimos.”

O diretor do Instituto de Defesa do Consumidor, Igor Britto, afirmou ao JOTA que a correção do rumo é uma lição não apenas para a ANS, mas para as agências em geral. A operação trouxe insegurança para 337 mil beneficiários de planos atingidos, muitos enfrentaram dificuldades no atendimento, algo essencial para quem reserva uma parte de seu orçamento para pagar mensalidades, muitas vezes altas. “Apesar de todo sofrimento, o episódio trouxe um precedente importante. Agências podem voltar atrás em suas decisões, corrigir rumos para garantir o interesse público”, ponderou. “E isso é muito positivo.”

Britto traça um paralelo com a decisão da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que aprovou a concessão à Itapemirim para exploração de serviços de transporte aéreo. “A justificativa era a de que requisitos iniciais haviam sido preenchidos”, disse o diretor. Mas logo se viu que a análise precisaria ser mais ampla.

 

Advogada Renata Vilhena Silva

Renata Vilhena Silva – advogada

Ao contrário de críticas recentes, Britto avalia que uma revisão de decisões não amplia a insegurança do setor. “Uma das grandes vantagens das agências reguladoras é a celeridade para regular e ter sempre regras efetivas. O mais importante é garantir o interesse público.”

No caso da ANS, Britto disse considerar importante analisar até que ponto as regras hoje existentes precisam ser melhoradas.

Rebello acredita ser mais uma questão de interpretação das regras. “É preciso avaliar caso a caso.” Ele não tem dúvidas, no entanto, que há temas neste episódio que precisam de respostas sem demora. É o caso, por exemplo, da garantia da qualidade da rede de serviços contratada. “Hoje, não há parâmetros muito definidos. O ideal é ter critérios mais claros.” Este aspecto, de acordo com o presidente da ANS, está entre as prioridades de avaliação.

Para a advogada Renata Vilhena, o episódio da transferência da carteira para a APS também deixa nítida a importância de grupos de defesa do consumidor e dos próprios beneficiários. “Houve um movimento muito importante desde que os primeiros casos de redução da rede credenciada foram constatados”, diz Renata. “Não tenho dúvida de que a pressão da sociedade foi um fator preponderante na reação da ANS.”

Renata conta representar vários beneficiários que, diante da redução da rede, ingressaram na Justiça com medidas cautelares para garantir a assistência. “O problema da redução da rede é primordial. É preciso ser resolvido, dar segurança para usuários.” Para ela, a defesa do consumidor saiu fortalecida do episódio. “A imagem da ANS foi abalada. Com a correção do rumo, isso pode se reduzir. Mas o mais importante é saber, agora, se a lição foi aprendida e se erros como esse não serão repetidos.”

LÍGIA FORMENTI – Editora e analista de Saúde do JOTA

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