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Herança; inventário

Doação de imóveis entre irmãos: vale a pena fazer ainda em vida? Veja vantagens e riscos de acelerar a herança

Estadão Saúde

Contrato de herança em vida deve incluir informações detalhadas sobre o imóvel, os dados pessoais dos doadores e donatários, e as condições da doação

 

Quando ocorre uma morte na família, os parentes precisam lidar com dois aspectos principais: o luto e a burocracia. Se quem morreu possui bens, é necessário realizar o inventário, um processo que pode assustar muitas famílias devido à complexidade e demora da documentação envolvida. Para evitar complicações e os custos associados ao inventário, existe a possibilidade de transferir a propriedade dos bens, como a doação de imóveis, ainda em vida, modalidade que permite que uma pessoa, inclusive entre irmãos dela, transfira seu patrimônio para outro por meio de contrato.

Esse tipo de transação precisa seguir algumas regras e procedimentos legais, segundo especialistas. A gerente de projetos Sílvia Pellegrino se preparava para entrar na universidade, aos 19 anos, quando recebeu a notícia de que sua mãe estava grávida de João Pedro, um bebê inesperado. Foi um choque para toda a família.

Agora, 17 anos depois, Sílvia está numa posição que nunca havia imaginado: após a morte dos pais, ela é a principal responsável pelo irmão caçula. “Foi um golpe muito duro. Eu já tinha minha vida estabelecida, minhas próprias responsabilidades, e, de repente, eu tive que me preocupar com o futuro de Pedro também”, diz.

Por “se preocupar com o futuro”, Sílvia se refere, além das finanças, aos bens deixados pelos pais, como a casa e o estabelecimento comercial que foram divididos igualmente entre os dois irmãos, como exige a lei. “Acho que a sociedade não é instruída a pensar na morte. A qualquer momento podemos morrer, independentemente da idade, então é preciso se planejar”, afirma.

Sílvia quer se preparar deixando a parte dela da herança para o irmão. A ideia, segundo ela, é evitar futuras dores de cabeça para ele. A escolha dela vai ao encontro do que recomenda o CEO da consultoria Herdei, Daniel Duque.

Para ele, a doação de imóveis entre irmãos é mais vantajosa em situações em que há o desejo de evitar a burocracia e os custos do processo de inventário, que pode ser demorado e custoso. Além disso, quando o doador deseja garantir que os bens sejam distribuídos conforme sua vontade, sem depender da partilha decidida por lei após a morte, a doação se torna uma alternativa mais direta e controlada.

 

Essa prática, afirma ele, também pode ser utilizada para evitar conflitos futuros entre herdeiros, proporcionando uma distribuição antecipada e clara do patrimônio. “Ao antecipar a distribuição de bens, é possível definir claramente o destino de cada imóvel e evitar incertezas e conflitos que podem surgir durante o processo de inventário. Isso também permite ao doador incluir cláusulas que assegurem seus direitos, como o usufruto vitalício, garantindo segurança tanto para ele quanto para os beneficiários”, diz.

 

A decisão de Sílvia não veio sem reflexões e conversas difíceis com advogados e familiares. Com o profissional, a gerente de projetos quis entender o que precisava ser feito para fazer a doação ainda em vida. Conforme o advogado especialista em herança, Fábio Cruz, a doação de imóveis entre irmãos segue as regras gerais, sem nenhuma diferença, e deve ser formalizada por meio de um contrato, que pode ser um instrumento particular (escrito pelas partes) ou uma escritura pública (feita em cartório). Para imóveis de valor elevado ou para garantir maior segurança jurídica, de acordo com ele, é comum a escritura pública.

 

O contrato deve incluir informações detalhadas sobre o imóvel, os dados pessoais dos doadores e donatários, e as condições da doação, se houver. “Após a assinatura do contrato de doação, é necessário levar o documento ao cartório de registro de imóveis competente para que a transferência de propriedade seja registrada. Sem esse registro, a doação não terá efeitos perante terceiros”, avisa.

 

Quais cláusulas podem ser incluídas no contrato de doação para proteger o doador?

 

usufruto vitalício é um tipo de direito em que uma pessoa, chamada de usufrutuário, tem o direito de usar e aproveitar um bem, como uma casa ou um terreno, durante toda a sua vida. Enquanto isso, outra pessoa, chamada de nu-proprietário, é a verdadeira dona do bem, mas não pode usá-lo enquanto o usufruto estiver em vigor.

Na prática, isso significa que o usufrutuário pode morar no imóvel, alugá-lo e receber o aluguel, mas não pode vendê-lo ou fazer mudanças que danifiquem o bem. O direito de usufruto termina com a morte do usufrutuário, e a propriedade completa do bem passa para o nu-proprietário.

 

A advogada especialista em direito sucessório, Adriana Maia, diz que além do usufruto vitalício, há ainda a cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, incomunicabilidade e de reversão. A cláusula de inalienabilidade impede que o herdeiro ou legatário venda, transfira ou disponha dos bens herdados. Ou seja, os

partilha de bens

bens não podem ser vendidos ou transferidos para outra pessoa. “Essa cláusula é frequentemente usada para proteger um patrimônio familiar, garantindo que ele permaneça intacto ao longo do tempo”, explica.

cláusula de impenhorabilidade, entretanto, impede que os bens herdados sejam objeto de penhora em processos judiciais ou ações de cobrança de dívidas contra o herdeiro. “Isso significa que os credores não podem tomar os bens como garantia para o pagamento de dívidas do herdeiro. Essa cláusula é frequentemente usada para proteger o patrimônio familiar de possíveis perdas devido a problemas financeiros dos herdeiros”, diz Maia.

Já a cláusula de incomunicabilidade impede que os bens herdados sejam compartilhados com o cônjuge ou companheiro do herdeiro. “Na cláusula de reversão, o doador, no ato da liberalidade, pode estabelecer que o bem doado retorne ao seu patrimônio em caso de falecimento do donatário. Essa cláusula subordina a doação à condição resolutiva”, completa a advogada.

No entanto, a proposta de reforma tributária – aprovada na Câmara dos Deputados em 1º turno, com regulamentação em curso no 2º turno, com tramitação em aberto no Senado – busca eliminar essa autonomia, instituindo uma alíquota única e progressiva em todo o país, com um teto de até 8%. Se aprovada este ano, essa mudança entrará em vigor em 2025, após o prazo de 90 dias a partir da publicação da lei. Em São Paulo, por exemplo, já está em tramitação o projeto de lei (PL 07/24) que visa alterar a Lei nº 10.705, substituindo as alíquotas fixas pelas progressivas. Com essa mudança, especialistas alertam que um morador de São Paulo pode acabar pagando até o dobro de imposto sobre um imóvel. Como resultado, muitas famílias têm tentado antecipar a transferência de heranças para evitar o impacto de um imposto mais alto.

Além disso, o doador e donatário devem ficar atentos a imóveis financiados ou hipotecados, segundo a advogada especialista em direito sucessório, Adriana Maia. “No caso de financiamento, provavelmente o doador não conseguirá fazer a doação, pois se há financiamento do imóvel, o imóvel em sua integralidade é dado em garantia ao banco, sendo possível qualquer disposição somente após sua quitação. No caso de hipotecas, a hipoteca segue o imóvel, não importa com quem esteja o domínio. Portanto, não há nada que impeça a doação de imóvel hipotecado”, diz.

Passo a passo para fazer a doação de imóveis entre irmãos:

  • Consulte um advogado para entender aspectos legais e fiscais.
  • Avalie o imóvel para determinar seu valor de mercado.
  • Reúna documentos pessoais (RG, CPF, comprovante de endereço).
  • Prepare documentos do imóvel (certidão de matrícula e certidões negativas).
  • Elabore a escritura pública em um cartório de notas, com a ajuda de um advogado.
  • Calcule e pague o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) conforme as regras do estado.
  • Registre a escritura pública no Cartório de Registro de Imóveis para transferir oficialmente a propriedade.

 

 

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