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                    Uol | Wanderley Preite Sobrinho
O policial militar aposentado José de Oliveira Rodrigues, 70, correu para o hospital em 2021 ao sentir fortes dores no coração. Após cinco dias de internação, saiu de lá com um cateterismo e um stent implantado em uma das três artérias entupidas. Mesmo comprovando a cardiopatia, a SPPrev (São Paulo Previdência) negou a ele um direito previsto em lei: a isenção do Imposto de Renda sobre a aposentadoria de pessoa com deficiência ou doença grave. Rodrigues procurou a Justiça e agora espera receber R$ 21 mil. O mesmo aconteceu a uma mulher com câncer de mama e a um homem cego de um olho.
Rodrigues só ficou sabendo do direito ao benefício quando um colega policial lhe avisou, em 2023. “Entrei com o pedido na SPPrev, que me orientou procurar um médico militar e passar por uma junta médica”, diz. Ele foi à consulta, entregou os exames e o laudo, mas depois de esperar a resposta por um ano, a SPPrev informou que a documentação “provavelmente se extraviou” e pediu que ele repetisse o processo.
Ele voltou à junta médica, reuniu a documentação e aguardou 90 dias, “mas o pedido foi indeferido”. “Desconsideraram o laudo porque minha cardiopatia não tinha isquemia”, a redução do fluxo sanguíneo. “Mas ela não aparece no exame porque tomo remédio”, argumentou o ex-PM. “Gasto R$ 200 por mês, fora os da Farmácia Popular.
O jeito foi recorrer à Justiça em abril deste ano. Primeiro, ele conseguiu uma liminar que suspendeu a cobrança do IR. “Descontavam R$ 750 por mês”, diz o aposentado, que usa o dinheiro para pagar o plano médico. “Ganho R$ 7.200 e pago R$ 4.000 de convênio para mim e a minha esposa.”
 
Advogada Daniela Castro, do escritório Vilhena Silva Advogados
Agora, o policial aposentado espera receber de volta R$ 21 mil do IR descontados a partir de 2021, quando foi diagnosticado. “O valor será atualizado monetariamente e acrescido de juros até o pagamento”, observa a advogada Daniela Castro, do escritório Vilhena Silva Advogados.
Ele só vai receber, no entanto, depois que as possibilidades de recurso acabarem. Após vencer em primeira instância e a segunda rejeitar a contestação, a SPPrevi ainda pode recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). “Caso a decisão seja revertida em instância superior, a liminar perde seus efeitos e o autor [Rodrigues] voltará a ter o imposto retido, podendo ser obrigado a restituir os valores não retidos na vigência da liminar”, explica a advogada.
Se finalmente vencer, Rodrigues poderá esperar anos para receber. É que, em São Paulo, dívidas superiores a R$ 16.296,75 viram precatórios, que no estado levam anos para serem pagos em razão da fila. A regra é que o pagamento siga a ordem de emissão e que esteja previsto no Orçamento. Além disso, alguns precatórios passam na frente, como aqueles de natureza alimentar, como salários e pensões. Dívidas federais só viram precatório quando superiores a 60 salários mínimos (R$ 91 mil).
“R$ 300 a mais por mês”
Vânia dos Santos (nome fictício), 58, também não conseguiu isenção do IR. Diagnosticada com câncer de mama em 2011, ela só terminou o tratamento em 2022. Aposentada no ano seguinte, ela procurou o INSS em 2024, assim que soube do direito à isenção. Ela enviou o relatório médico pelo aplicativo Meu INSS, mas o pedido foi negado. “Alegaram que eu só poderia pedir se ainda estivesse em tratamento”, diz Santos.
Não é o que o que dizem decisões pacificadas na Justiça. “A doença não precisa estar ativa ou apresentar sintomas contemporâneos para que a isenção seja concedida, desde que a patologia conste no rol legal de doenças graves”, afirma a advogada ao citar a jurisprudência do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que balizou a decisão:
O contribuinte portador de moléstia grave faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do Imposto de Renda, não sendo exigível que demonstre a contemporaneidade dos sintomas ou a recidiva da doença.
Na Justiça, Santos conseguiu a suspensão dos descontos de IR. “São R$ 300 a mais por mês, que eu uso para comprar remédios”, afirma. Agora, ela espera receber de volta cerca de R$ 7.000 descontados desde que ela se aposentou. “Como ela já venceu a ação e não há mais recurso, está perto de receber os valores descontados”, diz Castro.
História semelhante viveu o motorista aposentado Nelson Villaça, 64, cego de um olho desde que nasceu. Embora tivesse direito à aposentadoria desde 2019, ele só se aposentou oficialmente em 2021. Naquele ano, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou uma lei que reconhece a visão monocular como deficiência sensorial, o que dá direito à isenção do IR aos aposentados.
Quando Villaça recebeu do INSS os benefícios retroativos, porém, notou os descontos. “Ao reclamar, mandaram eu procurar a Justiça.”
Ele entrou com ação no mesmo ano, e, em janeiro de 2024, venceu. Além de receber a restituição R$ 8.600 do IR descontado indevidamente, o aposentado se viu livre do recolhimento mensal de R$ 1.200. A decisão é definitiva, sem possibilidade de recurso.
Com esse dinheiro faço duas compras no mês. Não parece muito, mas dá muita coisa no final do ano.
Nelson Villaça, 64
Os três casos foram julgados rapidamente porque se enquadram na mesma lei. “Estão expressamente previstos no rol de doenças graves que garantem a isenção do Imposto de Renda, conforme dispõe o artigo 6º, inciso 14 da Lei n.º 7.713/1988”, diz Castro.
INSS “não é previsível nem coerente” em suas decisões, diz advogado. “Na mesma agência, um caso pode ter soluções jurídicas diferentes. Também é frequente o INSS não motivar seus indeferimentos, mas apenas negar de forma vaga”, afirma Rômulo Saraiva, advogado previdenciário. “A autarquia responde por quase metade de todos os processos da Justiça Federal.”
Essa cultura da litigiosidade dá a impressão de que o governo quer economizar negando em larga escala o direito alheio.
Rômulo Saraiva, advogado.
Procurado, o Ministério da Previdência Social diz que a Receita Federal exige um “Laudo Pericial para Moléstia Grave”. “Ainda solicita a informação pelo médico perito ‘se a doença é passível de controle’ e a ‘data de validade do laudo’, conforme §1° do Art. 30 da Lei n° 9.250, de 26 de dezembro de 1995”, diz em nota. Para a advogada, esse entendimento “está em confronto com o Judiciário, que entende que não há necessidade de laudo médico oficial quando a parte junta outros documentos médicos e o juiz se convence de que essa documentação probatória é suficiente para a isenção”. A SPPrevi não respondeu até o fechamento desta reportagem.
Veja como recorrer
Reunir a documentação médica atualizada (laudos, exames, relatório médico);
Juntar documentos pessoais e comprovantes de recebimento de benefício (contracheques ou extratos de pagamento);
Protocolar requerimento junto ao órgão pagador (como INSS e SPPrevi) solicitando a isenção com base na doença grave;
Aguardar a análise e resposta administrativa;
Em caso de negativa, procurar auxílio jurídico. Para quem não pode pagar advogado, é possível buscar a Defensoria Pública ou atendimento jurídico gratuito em faculdades de Direito, ou núcleos de prática jurídica
