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reclamações contra os planos de saúde; reajuste plano de saúde

Judicialização contra planos de saúde salta 50% em 3 anos; entenda o problema

InfoMoney | Gilmara Santos | 15.07.2024

As reclamações contra os planos de saúde têm aumentado a cada ano. De acordo com dados do Procon-SP, ao longo de 2022, foram registradas 9.537 queixas de consumidores no órgão. No ano passado este número saltou para 13.230, alta de 38% no período. A insatisfação contra os serviços prestados pelas operadoras tem levado também ao aumento no número de processos judiciais.

De acordo com último levantamento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), entre 2020 e 2023, a quantidade de novos processos de usuários contra os planos de saúde nos tribunais brasileiros saltou mais de 50%, saindo de 80,7 mil novas ações para atingir 122,2 mil casos novos. Para se ter uma ideia, só nos primeiros 4 meses deste ano, o CNJ já contabilizou 4 mil novas ações.

 

Quantidade de casos novos por ano

Quantidade de casos novos por ano

 

O advogado sanitarista e professor de direito médico da USP e da PUCPR, Silvio Guidi, considera que dois pontos são fundamentais para entender a alta judicialização da saúde suplementar no Brasil.

“O primeiro deles é o enorme hiato entre a expectativa do consumidor, quando contrata um plano de saúde, e aquilo que é efetivamente ofertado pela operadora. A principal razão que leva alguém a contratar um plano de saúde é o medo de depender exclusivamente do SUS [Sistema Único de Saúde]. A percepção da sociedade em relação ao SUS é de insegurança, com enorme receio de simplesmente não conseguir atendimento”, avalia.

Diante disso, quando há a contratação do plano de saúde, o consumidor passa a acreditar que todas as suas necessidades de saúde serão atendidas em toda e qualquer circunstância. “Mas um produto assim, com esse perfil universal e infinito, simplesmente não existe. Nem no Brasil, nem em nenhum lugar do mundo. As operadoras oferecem, sim, uma cobertura para todas as doenças e agravos de saúde”, comenta o professor ao destacar que a forma de assistência às necessidades segue uma lista predefinida de procedimentos e tecnologias (o famoso rol da ANS).

Resumindo: nem tudo que está disponível no mercado, tampouco o que ainda está no ambiente de experimentação, é coberto pelas operadoras.

“Mas o consumidor só vai se deparar com essa realidade quando a necessidade de saúde efetivamente chega. Dessa forma, em um momento bem sensível da vida, o consumidor terá uma expectativa frustrada. Essa enorme frustração é tradicionalmente direcionada ao Judiciário”, comenta.

O segundo ponto, diz ele, tem a ver com o aumento das discussões sobre o assunto na sociedade. “Isso faz chegar ao consumidor a informação de que essas negativas de cobertura são levadas ao Poder Judiciário, que, com enorme frequência, julga a causa em favor do consumidor”, diz.

Importante destacar que a discussão judicial entre operadoras e consumidores sempre foi conhecida, mas ganhou destaque em 2022. Naquele ano, houve a discussão no STJ sobre a extensão do rol de procedimentos da ANS.

 

Anatomia da Judicialização

Caio Henrique Fernandes, sócio do Vilhena Silva Advogados, especializado em direito à saúde, considera

reajuste plano de saúde

Caio Henrique Fernandes – advogado especialista em direito à saúde

que alguns fatores contribuem para que o usuário de plano de saúde busque a Justiça.

“Um deles é a falta de regulamentação da ANS, principalmente nos planos coletivos, por adesão ou empresariais. Esses planos apresentam falhas de regulação, deixando na mão das operadoras alguns pontos cruciais para a relação de consumo”, diz Fernandes ao lembrar que dois exemplos comuns são a abusividade no reajuste dos contratos e o cancelamento unilateral do convênio médico. “Uma das formas encontradas para ter o direito à saúde garantido é buscar a Justiça”, considera o advogado.

Os motivos que mais levam os consumidores à Justiça são muitos, mas Fernandes destaca alguns:

  • reajuste de mensalidade, sem que a operadora consiga comprovar a real necessidade de aplicação do índice elevado, muitas vezes acima do valor determinado pela ANS para planos individuais;
  • cancelamentos de contratos;
  • negativas de tratamento, pois as operadoras não acompanham a evolução da medicina, que se desenvolve de forma muito rápida para apresentar soluções mais eficazes às doenças.

“Os dados objetivos do CNJ apresentam-se estarrecedores por configurar um recorde na série histórica e só evidencia um nível de litigiosidade jamais visto em qualquer outro país do mundo no setor”, comenta Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito do consumidor.

Ele destaca que tal volume faz com que as demandas judiciais se tornem excessivamente morosas, o que é péssimo para as causas de saúde urgentes, pois a demora pode ser o marco divisor entre a vida e a morte. “A permanência de um conflito de interesse não pacificado no seio social representa, não só, um prejuízo à paz, mas também a toda economia das operadoras de saúde, considerando a provisão de capital que deve permanecer sendo destacada para determinado processo”, afirma.

Despesas judiciais pagas pelas operadoras de planos de saúde (em bilhões R$)

 

O que diz o setor?

A FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) ressalta, por meio de nota oficial, que o crescimento das demandas judiciais é uma preocupação tanto no setor público quanto na saúde suplementar. “No caso dos planos de saúde, uma das razões é a instabilidade das regras. Em 2022, houve mudanças radicais e inesperadas nas leis do setor, contribuindo para a alta da judicialização”, diz a entidade.

Nesse contexto, continua a nota oficial, vale ressaltar os resultados do recente estudo sobre a Judicialização da Saúde Suplementar, coordenado pelo professor Daniel Wang (FGV/SP), com recorte no Estado de São Paulo, que analisou todas as decisões de 1ª e 2ª instância do TJSP relativas a planos de saúde proferidas entre 2018 e 2021.

“Nesse período, o TJSP proferiu 205 mil decisões relativas a planos de saúde na 1ª e 2ª instâncias [média de 50 mil decisões por ano], versando a maioria sobre cobertura assistencial. Em 80% das demandas judiciais de primeira instância, relativas à cobertura assistencial, os pedidos são deferidos, enquanto nas ações envolvendo questões contratuais esse índice cai para 60%, e fica em 41% nos casos sobre reajuste.”

Ainda segundo a entidade, na segunda instância, em apenas 3 de 599 casos há informação de que foi realizada perícia judicial; em 9, o Tribunal informa que a perícia deveria ocorrer; e em nenhum há menção a parecer de Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-Jus), que é a principal fonte de informações técnicas disponível aos julgadores e independente das partes. Em decisões de segunda instância relacionadas à negativa de cobertura e reajuste, o TJSP fundamenta suas decisões, sobretudo, na sua própria jurisprudência (56%) e no Código do Consumidor (CDC) (42%), mais do que na Lei n.º 9.656/1998 (23%).

”A judicialização é a forma mais injusta de acesso à saúde, pois beneficia apenas aqueles que têm informação e recursos financeiros para recorrer aos tribunais, deixando desassistida a grande maioria dos beneficiários dos planos de saúde”, afirma a diretora-executiva da FenaSaúde, Vera Valente.

Por fim, a federação enfatiza que medidas que visam reduzir a judicialização na saúde, como estratégias de mediação, conciliação e canais de ouvidoria, são fundamentais para garantir a manutenção da sustentabilidade do sistema.

 

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