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Pacientes com câncer tem o direito de realizar o Enem no hospital

Pacientes com câncer conquistam o direito de realizar o Enem no hospital

Migalhas | Letícia Cardozo Mastrocola | 11/11/2023

Julia e Gabriella, estudantes de escolas públicas de São Paulo, enfrentam não apenas a pressão acadêmica, mas também batalham contra o câncer.

A vida do estudante de ensino médio pode ser bastante desafiadora, especialmente para os alunos do terceiro ano, que têm que enfrentar rotina intensa de aulas, provas, preparação para vestibulares e ainda decidir a carreira que querem seguir.

Para a grande maioria desses jovens, o ENEM é um importante passo em sua trajetória, pois, por meio do exame, os estudantes brasileiros podem iniciar a tão sonhada graduação e, assim, determinar seus objetivos profissionais.

Além de toda a pressão envolvendo a vida escolar e a preparação para o tão temido exame, muitos dos estudantes ainda lidam com a batalha pela vida, como no caso de Julia e Gabriella, duas estudantes de escolas públicas de São Paulo que estão internadas no Instituto de Tratamento do Câncer Infantil – ITACI, do Hospital das Clínicas, após realização de transplante de medula óssea.

Julia, que cursa o 3º ano do curso técnico em Administração, descobriu em novembro de 2022 o Meduloblastoma, um câncer cerebral que se origina no sistema nervoso central. Desde então, passou por cirurgia, quimioterapias, radioterapias e o transplante de células-tronco autólogas, realizado no dia 24 de outubro.

Já a Gabriella, também estudante do 3º ano do ensino médio, descobriu a Leucemia Mieloide Aguda, em setembro de 2021, e, após ter recebido alta em 2022, retornou em agosto deste ano para tratamento, em razão da recidiva da doença.

Gabriella realizou o transplante de medula óssea em 01/11/23 e, assim como Julia, deverá permanecer em isolamento por, pelo menos, 28 dias, para acompanhamento da aceitação da medula transplantada, não podendo deixar seus quartos e nem ter contato com o exterior, podendo ficar acompanhadas apenas de suas mães, professores e dos médicos, que devem estar devidamente higienizados e paramentados para ter contato com as estudantes.

Assim, Julia Silva e Gabriella, já inscritas para o vestibular quando passaram a ter que lutar contra o câncer, tiveram que enfrentar, ainda, a luta pelo direito de realizar o exame para o qual se prepararam por anos.

Ao solicitar ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, órgão do Ministério da Educação responsável pela aplicação de exames educacionais, a realização especial do ENEM nas dependências do hospital onde estão internadas, tiveram a negativa do órgão, sob justificativa de que o pedido deveria ter sido feito durante a inscrição para a prova.

O pedido para aplicação especial da prova para estudantes internados para realização de tratamento médico e cujas atividades escolares são realizadas em classe hospitalar, é previsto no Edital do ENEM e, conforme regramento, deve ser realizado no ato da inscrição.

Entretanto, a previsão do INEP exclui os estudantes que, após a inscrição, estiverem internados para realização de tratamento ou cirurgias na data da prova. Ou seja, caso um estudante tenha qualquer problema de saúde após a inscrição e precise ser internado, ficará impedido de realizar a prova.

Assim, desesperadas com a possibilidade de serem impedidas de realizar a prova que pode lhes garantir o acesso a tão sonhada faculdade, as jovens buscaram a solução no Poder Judiciário, que, por meio de uma liminar concedida em mandado de segurança pela Juíza Diana Brunstein, da 7ª Vara Cível Federal de São Paulo, conseguiram a autorização para a realização da prova na unidade hospitalar onde estão internadas.

A juíza ainda concedeu o pedido para que as jovens realizassem a prova isoladamente, em seus leitos de hospital, e determinou que o INEP providenciasse todo o necessário para a aplicação do exame nas datas agendadas, bem como que os aplicadores fossem devidamente paramentados, conforme as restrições médicas exigidas.

Na decisão, a juíza argumentou que, considerando que a internação ocorreu após a inscrição, não seria razoável negar o direito das estudantes à prova:

“As impetrantes demonstram que se encontram atualmente internadas para tratamento médico, sem previsão de alta. Não se afigura razoável a negativa do impetrado, com inegável prejuízo acadêmico às impetrantes, que enfrentam quadro de saúde tão delicado. (.) Frise-se que as reclamações junto à ouvidoria do órgão sequer foram respondidas, e os pedidos de reanálise formulados em 18.10.23 possuem previsão de resultado em data posterior à realização do exame, sendo, nesse caso, necessária a atuação do Poder Judiciário para assegurar o direito às impetrantes”.

Agora, as estudantes poderão realizar as provas do ENEM no leito hospitalar, em um esquema preparado para atendê-las em seus quartos, enquanto continuam o tratamento médico.

Por meio da justiça, que evidenciou o direito fundamental à educação e à saúde, as jovens conquistaram o direito de realização da prova durante a internação e, assim, ficaram um passo mais próximas de alcançar o sonho de passar numa faculdade e, ao mesmo tempo, garantir sua saúde e sua vida.

Dra. Letícia Mastrocola – Advogada especialista em direito à saúde do Vilhena Silva Advogados.

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