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Pacientes processam planos por remédios contra Covid não pagos na internação

Folha de S.Paulo | Cláudia Collucci | 28.08.2021 | Renata Vilhena Silva

Agência reguladora diz que medicamento aprovado pela Anvisa tem cobertura obrigatória, mas uso fora da bula, não

Diante da negativa de planos de saúde em cobrir gastos hospitalares com medicamentos usados no tratamento da Covid-19, pacientes têm ingressado com ações judiciais para que as operadoras de saúde arquem com despesas que ultrapassam R$ 30 mil.

Antiviral remdesivir.

Alguns dos remédios são usados fora da bula (off-label) na internação e, segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), não têm cobertura obrigatória. Mas há jurisprudência favorável aos pacientes. Outros estão aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e devem ser cobertos.

Segundo a Folha apurou com gestores de hospitais privados de São Paulo, o imbróglio envolve principalmente dois medicamentos: o antiviral remdesivir, aprovado pela Anvisa desde março para uso na Covid-19, e o anticorpo monoclonal tocilizumabe, indicado para artrite reumatoide e ainda sem aprovação no Brasil para a Covid-19.

Não há um levantamento do número de ações contra os planos, mas quatro escritórios de advocacia de São Paulo contabilizam ao menos 120 casos desde o início do ano, entre ações ingressadas na Justiça e acordos extrajudiciais já realizados para a cobertura desses medicamentos e de outros que estão estão sendo usados nos hospitais, com a aprovação ou não da Anvisa.

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No caso do remdesivir, a Anvisa aprovou a indicação para pessoas com quadro de pneumonia e que precisam de suporte de oxigênio, mas não para aqueles que estejam em ventilação mecânica, por exemplo. São situações como essa, fora da indicação, que têm provocado mais embates judiciais.

Segundo a médica intensivista Suzana Lobo, presidente da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), o remdesivir tem demonstrado diminuição do tempo de ventilação mecânica do paciente internado com Covid-19. “Quanto mais precoce o uso, melhor. A impressão clínica é uma melhora mais rápida.”

A aposentada Célia, 65 —o nome é fictício porque ela disse que não quer se indispor com o plano de saúde, do qual gosta—, conta que viveu momentos de muita angústia quando viu o filho de 42 anos internado às pressas na UTI, com níveis de oxigenação abaixo de 50%, devido à Covid-19. A internação durou um mês, metade do tempo na UTI.

“Ele estava com os dois pulmões muito comprometidos, chegou a ser intubado. Começou a medicação [remdesivir] e foi melhorando dia após dia até sair da UTI.”

Na alta hospitalar, porém, veio a surpresa: uma conta de R$ 33 mil, porque o plano de saúde não pagou as doses do medicamento. “O plano faz a jogada dele. E a gente corre atrás dos nossos direitos”, diz. Por meio de um escritório de advocacia, ela fez um acordo extrajudicial com o plano, e a dívida já foi quitada.

Já o medicamento tocilizumabe obteve autorização da FDA (agência reguladora de medicamentos e alimentos nos Estados Unidos) para uso de emergência em tratamentos de pacientes hospitalizados com quadros graves de Covid-19. A autorização foi baseada nos resultados de quatro estudos com mais de 5.500 pacientes hospitalizados.

Segundo Suzana Lobo, que participa de várias pesquisas sobre drogas para a Covid no uso hospitalar, o medicamento vem sendo utilizado em conjunto com o corticoide. “Usamos em casos moderados que estejam evoluindo com piora clínica. Há médicos que utilizam frequentemente e relatam uma boa experiência.”

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Mas o uso não é consenso. Um estudo de janeiro deste ano feito pela Coalizão Covid-19, aliança que reúne vários hospitais e redes de pesquisa, revelou que o remédio não se mostrou melhor do que o tratamento padrão sozinho em pacientes internados com quadros graves de Covid-19.​

De acordo com os pesquisadores, houve um aumento do número de mortes no período de 15 dias em pacientes recebendo tocilizumabe, resultando na interrupção precoce do estudo

Muitos médicos, explica Lobo, temem eventuais infecções oportunistas que possam acometer o paciente com o uso do remédio. “Na minha impressão, o que ocorre é que já usamos a droga em pacientes com acometimento pulmonar muito grave e, é claro, quando eles complicam, têm mais infecções oportunistas.”

Advogada Renata Vilhena Silva

O aposentando Antonio, 66, fez uso do tocilizumabe durante internação na UTI por Covid-19. Segundo ele, foi a última alternativa antes da intubação.

Ele foi avisado de que o plano não cobriria a medicação. “Mas você está lá na UTI deitado, sabe que o remédio pode dar certo, é claro que eu autorizei. De três a quatro horas depois, eu já comecei a sentir melhor.”

Já de alta hospitalar, recebeu o boleto do hospital no valor de R$ 10,5 mil. “Liguei para tentar negociar com o meu convênio, mas, nessas horas, ninguém te atende.”

Depois de ingressar com uma ação judicial, conseguiu fazer acordo com o plano, que quitou a conta hospitalar.

De acordo com a advogada Renata Vilhena, especialista em direito da saúde, no caso do remdesivir, qualquer recusa do plano é abusiva porque o medicamento está aprovado pela Anvisa, e as operadoras devem oferecer a cobertura integral em ambiente hospitalar, como determina a Lei dos Planos de Saúde (9.656/98).

No caso do tocilizumabe, segundo ela, existe uma farta jurisprudência mostrando que, mesmo no uso off-label, se houver uma justificativa e estudo clínico demonstrando eficácia e segurança, o plano tem que cobrir.

 

“É uma história que repete, que a gente via muito nos tratamentos oncológicos e agora está vendo na Covid. É uma judicialização desnecessária, tanto que muitos casos acabam em acordo. Acho que os planos negam para ver se cola. Mas isso gera desgaste e sai mais caro para todo mundo.”
Renata Vilhena

 

Suzana Lobo pondera, no entanto, que os recursos são finitos e é preciso avaliar a relação de custo e efetividade no uso dessas medicações sem aprovação na Anvisa.

“Os estudos de fase 3 e 4 vão acabar respondendo quais drogas trarão o maior benefício ao paciente. Operadoras e médicos devem procurar juntos o melhor caminho.”

 

ANS diz que antiviral é de cobertura obrigatória

 

Em nota, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) diz que são de cobertura obrigatória os medicamentos registrados pela Anvisa desde que a indicação de uso conste na bula do medicamento.

No caso do remdesivir, a agência explica que ele está indicado para o tratamento da Covid-19 em “adultos e adolescentes (com idade igual ou superior a 12 anos e com peso corporal de, pelo menos, 40 kg) com pneumonia que requerem administração suplementar de oxigênio (oxigênio de baixo ou alto)”.

Hospital das Clínicas de Porto Alegre
Folhapress/Daniel Marenco

“Se prescrito pelo médico assistente durante a internação e atendidas as condições definidas na bula, será de cobertura obrigatória.”

Já o tocilizumabe é indicado no tratamento de alguns tipos de artrites, como a reumatoide grave ativa, moderada a grave, e a idiopática juvenil. “O medicamento tocilizumabe não tem indicação de uso para o tratamento da Covid-19 em sua bula. A indicação para este fim é considerada uso off-label e não tem cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde”, informa a ANS.

Também em nota, a Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) emitiu posicionamento parecido ao da ANS em relação ao remdesivir e ao tocilizumabe.

 

 

Nathália Pompeu, superintendente jurídico da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), diz que as orientações passadas aos associados são as mesmas da ANS. Ela reforça que o uso de medicamentos off-label não é liberado pelas operadoras, pois elas se guiam pela medicina baseada em evidências.

Sobre o fato de gestores hospitalares afirmarem que há operadoras que bancam a medicação off-label, ela diz que é possível que a liberação ocorra em situações excepcionais.

“O rol [de procedimentos obrigatórios estabelecido pela ANS] é o mínimo. Cada operadora, dentro de suas políticas, de suas áreas de medicina baseada em evidência, pode liberar.”

Em relação às decisões judiciais obrigando os planos a bancarem a medicação off-label, Pompeu afirma que as operadoras sempre recorrem da decisão porque existe uma regulação a ser seguida. “É até uma questão de segurança do próprio paciente.”

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