14 jun Pais de autistas enfrentam alta de até 80% em planos de saúde: ‘Não cabe no meu orçamento’
O Globo | Luciana Casemiro | 14/06/2022 | Rafael Robba
Pais têm dificuldade de contratar serviço ou mudar de operadora. Empresas alegam preexistência em caso de síndromes
O orçamento já apertado da autônoma Letícia Carreira não foi capaz de absorver o reajuste de 80% no plano de saúde do filho Rafael, de 3 anos. A mensalidade saltou de R$ 385,67 para R$ 689,65. Ela trocou de operadora, Rafael, não. Autista, necessita de diferentes terapias, terá que cumprir até seis meses de carência para vários procedimentos.
— Tinha me planejado para pagar um aumento de até uns 12%, mas uma alta de 80% não cabe de jeito nenhum no meu orçamento. Decidimos trocar para um plano com o valor similar ao que pagávamos. A operadora diz que temos de cumprir carência porque o meu plano anterior era inferior ao que contratei. E já negou duas das quatro terapias que meu filho precisa e não quer dar essa informação por escrito — queixa-se Letícia que saiu da Unimed Nacional para a Kipp Saúde, do grupo Omint.
No ano em que os planos individuais subirão até 15,5%, o maior reajuste em 22 anos, quem tem plano coletivo está enfrentando aumentos ainda maiores. O percentual é definido por livre negociação, sem limitação pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A situação é mais delicada para famílias em que há pessoas com deficiências, como no caso de Liliane Cerrato, funcionária pública, mãe de Lucas, de 20 anos, Rafael, de 16, e Theo, de 5, todos autistas, que também foi informada do aumento da mensalidade do filho do meio em 80%:
— Rafael faz mais de 20 horas de terapia por semana, tem autismo nível 3, não pode ficar sem tratamento. Já gastamos cerca de R$ 3 mil só com o plano de saúde dos três. Sem possibilidade de negociar com a Central Nacional Unimed, a nossa única saída será recorrer à Justiça.
Caminho da Justiça
Liliane conta que a Justiça tem sido o caminho para pais de crianças especiais, não apenas para ter acesso a tratamentos, mas para ser aceito em qualquer operadora:
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— Nem fazer a portabilidade para outro plano a gente consegue sem brigar na Justiça. Os planos alegam que autismo é doença preexistente e não é. É uma deficiência — conta Liliane, que já está ansiosa esperando o reajuste dos outros filhos.
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O cirurgião dentista José Muniz, pai da Maria Julia, de 12 anos, que tem Síndrome de Turner, conta que só conseguiu trocar a filha de operadora com a intervenção da ANS:
— Quando preencho na ficha que ela tem uma síndrome, as empresas sempre negam a inclusão de primeira. Só com a interferência da ANS consigo fazer a portabilidade — relata Muniz.
Ana Paula Oliveira dos Santos, administradora, mãe de Maria Fernanda, de 9 anos, que tem paralisia cerebral, conta que para trocar o plano por outro mais barato da mesma operadora precisou entrar na Justiça em 2020.
— O valor das mensalidades vem subindo muito, precisamos mudar do plano executivo para especial, mas a SulAmérica não acatou. Foi preciso recorrer à Justiça. Do jeito que o preço anda já cogitamos tirar o meu marido desse contrato para um mais simples para podermos manter o dela.
Julia Castelo, professora, mantém três planos de saúde para o filho Bernardo de 2 anos. Além do plano da empresa do marido, ela já tinha contratado um segundo para pagamento de terapias, mas no ano passado quando o menino foi diagnosticado com mielodisplasia, que depois evolui para leucemia (pessoas com síndrome de Down tem cem vezes mais chance de contrair), contratou um terceiro para ter direito a um hospital em São Paulo, onde, se for necessário, ele poderá fazer um transplante:
— Nós que temos filhos com autismo, síndrome de Down, já temos preocupação suficiente, o plano deveria ser um aliado, não mais um problema.
Rafael Robba, advogado especializado em Direito à Saúde do escritório Vilhena e Silva, diz que esses casos retratam bem a vulnerabilidade desses pacientes:
— O mercado dificulta a troca de plano, quando o usuário tem alguma doença ou é idoso. E fica mais complicado quando o contrato é coletivo, já que não há nenhum controle da ANS. Quem não consegue pagar acaba indo pro SUS.
Procurada, a Unimed Nacional diz que o reajuste aplicado está de acordo com a regra prevista no contrato firmado entre os beneficiários e a administradora de benefícios.
Já a Kipp Saúde diz que não houve pedido de portabilidade ou compra de carência para Rafael Zago, filho de Letícia. A operadora afirma que está em contato com ela para entender a situação e encaminhar da melhor forma, mas diz que cumpre rigorosamente a legislação do setor.
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A SulAmérica diz que não comenta decisões judiciais e informa que a beneficiária já teve “seu pedido de downgrade atendido”.
A ANS afirma que, de acordo com a lei, não pode haver discriminação na contratação de planos de saúde em razão da idade ou da condição de saúde do consumidor. Quanto à portabilidade, a única exceção prevista é aquela em que o plano escolhido tenha coberturas não previstas no plano de origem do beneficiário.
A agência esclarece que síndromes são consideradas condições de saúde que, por si só, não caracterizam patologia ou doença e, portanto, não podem ser objeto de cobertura parcial temporária. Segundo as normas vigentes, diz a ANS, só comprometimentos à saúde decorrentes de síndrome podem ser considerados preexistência.
Sobre os reajustes, a ANS afirma que para os planos coletivos com mais de 30 vidas, prevalecerá as cláusulas de reajuste previstas em contrato.
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