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A relação entre beneficiários de planos de saúde e operadoras tem sido marcada por uma crescente onda de cancelamentos unilaterais, gerando insegurança, especialmente para os grupos mais vulneráveis, como idosos e pessoas com deficiência (PCD). Uma luz de esperança, no entanto, surge no Congresso Nacional com a aprovação de um Projeto de Lei que visa pôr fim a essa prática abusiva.
Tatiana Kota, advogada do Vilhena Silva Advogados
Este artigo detalha o Projeto de Lei (PL) 2.036/2024, explica o que muda na legislação, quais são os direitos atuais e como o consumidor deve agir diante de uma rescisão.
O PL 2.036/2024, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), foi recentemente aprovado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal. Seu principal objetivo é alterar a Lei dos Planos de Saúde (Lei n.º 9.656/98) para proibir o cancelamento unilateral de contratos por parte das operadoras quando os beneficiários forem:
1. Pessoas Idosas (com 60 anos ou mais).
2. Pessoas com Deficiência (PcD).
O ponto central da proposta é que essa proibição se estende aos planos coletivos, sejam eles empresariais ou por adesão, que atualmente são a principal fonte de cancelamentos unilaterais no país.
O texto aprovado na CDH, que recebeu um substitutivo do senador Paulo Paim (PT-RS), inclui medidas ainda mais protetivas:
| Disposição | Detalhamento
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| Proibição de Cancelamento Unilateral
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Veda a rescisão de contratos de idosos e PcD, mesmo em planos coletivos, sem justa causa e sem o consentimento do beneficiário. |
| Manutenção de Tratamentos
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Proíbe expressamente a suspensão da cobertura durante a realização de tratamentos médicos continuados ou terapias indispensáveis (como quimioterapia, radioterapia e fisioterapia). |
| Regulamentação e Transição
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Determina a criação de um regulamento para a manutenção do vínculo e um regime de transição para que as operadoras se adaptem às novas exigências, aplicando-se inclusive aos contratos em vigor.
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Após a aprovação na CDH, o Projeto de Lei segue para a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. Se aprovado, ele ainda precisará passar pela Câmara dos Deputados antes de seguir para a sanção presidencial.
Apesar de ainda não ser lei, a aprovação na CDH é um sinal forte da vontade do legislativo em coibir a prática, motivada pelas mais de 4,8 mil reclamações de cancelamentos unilaterais registradas na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) apenas no primeiro trimestre de 2024.
Enquanto o PL 2.036/2024 não entra em vigor, a legislação atual estabelece regras diferentes para cada tipo de contrato, o que gera grande confusão para os consumidores.
A Lei n.º 9.656/98 é clara: as operadoras não podem cancelar unilateralmente contratos individuais ou familiares, exceto em dois casos específicos:
É aqui que reside a maior vulnerabilidade. A legislação atual permite que as operadoras cancelem planos coletivos (que representam a maioria dos contratos no Brasil) após a vigência de 12 meses e mediante aviso prévio de 60 dias.
Importante: o Tema Repetitivo 1082, consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), já estabelece que a operadora de plano de saúde não pode rescindir unilateralmente o contrato de beneficiário que esteja em tratamento médico de doença grave, como câncer ou outra patologia que exija cuidados contínuos, mesmo em planos coletivos.
Para além da inadimplência e da fraude, o Judiciário e a ANS consolidaram entendimentos que protegem o consumidor em situações específicas:
| Situação | Fundamento Legal/Jurisprudencial
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| Idoso (60 anos ou mais)
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O Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741/2003) veda qualquer discriminação por idade, o que inclui a rescisão contratual motivada apenas pelo avanço da idade. O STJ reforça essa proteção, considerando a rescisão unilateral de idosos como abusiva. |
| Pessoa em Tratamento Continuado
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O STJ entende que o cancelamento de um plano enquanto o beneficiário está internado ou em tratamento essencial (quimioterapia, radioterapia, etc.) coloca sua vida em risco e é considerado uma prática abusiva. |
| Planos Individuais/Familiares
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Exceto em casos de fraude comprovada ou inadimplência superior a 60 dias com notificação prévia.
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Se você ou um familiar idoso, ou PCD receber uma notificação de cancelamento unilateral que pareça indevida, é fundamental agir rapidamente:
1. Documente tudo: guarde a notificação de cancelamento, comprovantes de pagamento e qualquer documento que ateste a condição de saúde ou o tratamento em curso.
2. Busque a ANS: registre uma reclamação formal na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A agência pode intermediar a situação e aplicar sanções à operadora.
3. Procure o Procon: o Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) pode atuar na defesa administrativa do consumidor.
4. Ação Judicial: a via judicial é o caminho mais eficaz para reverter o cancelamento, especialmente em casos de idosos, PCD ou pacientes em tratamento continuado. O Judiciário tem se mostrado favorável ao consumidor nesses casos, muitas vezes concedendo liminares para a imediata reativação do plano.
O PL 2.036/2024 representa um avanço significativo na proteção dos direitos de idosos e pessoas com deficiência, buscando estender a segurança dos planos individuais para os contratos coletivos. Enquanto a lei não é sancionada, é crucial que os consumidores conheçam seus direitos atuais, especialmente a proteção garantida pela jurisprudência do STJ contra o cancelamento durante tratamentos essenciais. A informação é a primeira linha de defesa contra práticas abusivas das operadoras de saúde.