03 fev Plano de saúde sobe até 49,8% com cobrança retroativa de reajuste
O Globo | Pollyanna Brêtas | 03.02.2021
Cálculo do Idec mostra que boletos com acréscimos relativos a aumentos suspensos pela ANS em 2020 pesam agora no bolso dos usuários.
RIO – Reajustes de mensalidades de planos de saúde este ano com o acréscimo do início da cobrança retroativa dos aumentos suspensos em 2020 por causa da pandemia resultaram num forte impacto no orçamento de muitas famílias.
Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o reajuste acumulado aplicado neste início de ano chegou a 49,8%.
O cálculo foi feito a partir de simulações para avaliar o impacto para os consumidores da autorização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para que planos de saúde iniciassem, em janeiro, a cobrança em parcelas do aumentos anual e por mudança de faixa etária de 2020.
Esses reajustes haviam sido suspensos temporariamente no ano passado pelo próprio regulador entre setembro e dezembro.
O objetivo da medida era dar um alívio no bolso do consumidor em um momento de crise de saúde e na economia. Mas agora a conta pesa sem melhora significativa do cenário.
Os contratos que tiveram reajustes suspensos terão a recomposição desses quatro meses em 2021, em 12 parcelas iguais acrescidas à mensalidade já reajustada este ano. Já aparecem nos boletos que os usuários estão recebendo.
Segundo dados da ANS, a cobrança de valores retroativos alcança 20,2 milhões (51%) dos mais de 47,6 milhões de usuários de planos de saúde no país. Já os casos de sobreposição do reajuste por faixa etária e mais reajuste anual retroativo chegam a 5,3 milhões de usuários.
— Os consumidores estão enfrentando dificuldades para pagar o reajuste retroativo, e as empresas e usuários de planos individuais estão tentando mudar de cobertura. Os usuários estão muito endividados com redução de renda e fazendo sacrifício para se manterem adimplentes — destaca Teresa Liporace, diretora executiva do Idec.
Impacto entre 12% e quase 50%
As diferentes modalidades de contratos apresentaram variação de 12,21% e 49,81% de aumento, entre janeiro do ano passado e o mesmo mês de 2021. O percentual mais alto, de quase 50%, foi verificado nos contratos coletivos de adesão e os empresariais, que sofreram reajuste anual e por faixa etária em 2020.
Os menores percentuais foram verificados nos planos individuais, cujo percentual de aumento é definido pela ANS. No ano passado, o índice foi de 8,14%. O pagamento retroativo referente ao período da suspensão somado ao aumento anual resultou na variação de 12,21% no valor da mensalidade.
Fisioterapeuta tem aumento de mais de 30%
A fisioterapeuta Maria Eugênia Ortiz, de 61 anos, pagava R$ 1.200 pela cobertura do plano de saúde. Em janeiro de 2021, a mensalidade pulou para R$ 1.600. Ela pede há um mês explicações ao plano para um aumento de 33%, somando o reajuste anual de plano individual e o por faixa etária, mas ainda não conseguiu obter justificativas do plano.
Ortiz, que já pensa em se aposentar, se diz frustrada com o valor da cobrança. Ela faz tratamento há 10 anos contra a depressão e já cogita mudar de plano, porque não tem condições financeiras para pagar:
— Eu acho abusivo, ainda mais porque virão mais reajustes pela frente. A pessoa trabalha a vida inteira e depois tem que enfrentar uma velhice de dificuldades. Eu pago plano de saúde desde os 26 anos de idade, e na hora que você mais precisa, quando tem que se cuidar de forma preventiva, fazer exames e uma série de cuidados fica desassistido. Queria pedir uma justificativa sobre o percentual e não consegui falar com eles — considera Maria Eugênia, que faz tratamento contra a depressão há mais de 10 anos.
Aumento de mais de 40% em plano coletivo por adesão
O Idec também analisou o caso de um consumidor que recebeu o boleto com a recomposição para um plano de saúde coletivo por adesão com aniversário do contrato em julho de 2020.
O valor comercial da mensalidade em dezembro de 2020 foi de R$ 636,47, sobre o qual incidiu um reajuste anual de 19,82% e um reajuste por faixa etária de 9%. Em janeiro, de acordo com o cálculo, o valor da mensalidade seria de R$ 898,90 — um aumento de 40,92%.
Mas, o consumidor reclamou porque recebeu um boleto ligeiramente mais caro, com uma diferença de R$ 12.
A variação sentida pelo consumidor de plano individual, de dezembro de 2020 para janeiro de 2021, foi de 12,21% se ele recebeu apenas o reajuste anual. Nos casos de reajustes acumulados (individual e faixa etária), essa variação foi de 34,99%.
Planos empresariais ficaram 26,67% mais caros
Para os planos coletivos empresariais, o aumento foi de 26,67%. Nos reajustes acumulados (anual e faixa etária), essa variabilidade chegou a ser de quase 50% (49,71%).
Para os planos coletivos de adesão, a variação de mensalidade sentida pelo consumidor que recebeu apenas o reajuste anual foi de 26,67%. Para reajustes acumulados, foi de 49,81%.
As simulações utilizaram como base o Painel de Precificação da ANS de 2020, que possui valores médios de mensalidades e reajuste por faixa etária.
O Idec explicou ainda que para o cálculo do percentual de reajuste médio de planos coletivos foram usados dados de uma pesquisa da própria entidade com mais de 500 usuários de planos coletivos. Segundo o instituto, neste caso, não foram incluídos os dados da ANS que só disponibiliza os dados de planos coletivos com até 29 vidas.
ANS diz acompanhar reajustes
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou, por meio de nota, vem acompanhando com atenção o cumprimento pelas operadoras de planos de saúde das regras estabelecidas pela reguladora para a recomposição dos reajustes suspensos em 2020 em razão da pandemia de Covid.
A agência acrescentou que a suspensão dos reajustes foi adotada diante de um cenário de dificuldade para o beneficiário, em função da retração econômica acarretada pela pandemia e de redução da utilização dos serviços de saúde no período.
Segundo a ANS, o percentual de reajuste autorizado para o período de maio de 2020 a abril de 2021 observou a variação de despesas assistenciais entre 2018 e 2019, período anterior à pandemia e que, portanto, não apresentou redução de utilização de serviços de saúde. Os efeitos da redução serão percebidos no reajuste referente a 2021.
Migração e portabilidade
Para Rafael Robba, advogado especializado em direito à saúde do escritório Vilhena Advogados, diante de uma crise econômica e de aumentos tão elevados, os consumidores individuais e as empresas têm optado por migrar de operadora ou contratar um plano com menos benefícios.
Outra opção que tem sido uma alternativa para alguns usuários é pedir a portabilidade do plano. Ele lembra que em 2021 ainda haverá o reajuste anual dos planos, que deve penalizar ainda mais os usuários:
— Com a decisão de suspender temporariamente o reajuste, a ANS não resolveu o problema do consumidor, e a conta chegou agora. A agência precisa criar parâmetros e fiscalizar os reajustes dos planos coletivos.
Já Rodrigo Araújo, do escritório Araújo Conforti e Jonhsson, lembra que em 2020 as operadoras registraram aumento no número de beneficiários e tiveram redução de utilização dos serviços médicos, com adiamento de consultas, exames, cirurgias eletivas e ocupação de leitos de UTI:
— Foi um ano muito rentável para as operadoras. E agora o valor da mensalidade ficou muito acima da média e ninguém consegue pagar. Precisar haver fiscalização sobre o reajuste — avalia Araújo.
O que dizem os planos
A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa 15 grupos de operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde, informou que os reajustes atuais são a recomposição de custos que os beneficiários tiveram com os procedimentos ocorridos entre maio de 2018 e abril de 2019 – e que não refletem o comportamento durante a pandemia:
— As operadoras estão cumprindo rigorosamente a regra definida pela ANS, que consideramos positiva por permitir diluir o impacto da recomposição e aliviar o orçamento dos contratantes, seja empresas ou famílias — ressalta João Alceu Amoroso Lima, presidente da FenaSaude.
A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) argumentou que o reajuste vai resguardar o equilíbrio e a sustentabilidade dos contratos do planos.
Ainda segundo a associação, a data-base para aplicação do reajuste anual é o aniversário do contrato; e por mudança de faixa etária é de conhecimento do beneficiário desde a data da contratação do plano de saúde.
Acrescentou ainda que a cobrança parcelada em 12 meses tem objetivo de reduzir os impactos aos contratantes de planos de saúde.
Impacto nas empresas
O plano de saúde dos funcionários representa o segundo maior gasto das empresas, e só perde para a folha de pagamentos.
Um levantamento da consultoria Mercer Marsh Benefícios com 324 empresas sobre negociações com operadoras de planos de saúde mostra que 44% das empresas adotaram coparticipação de serviços médicos e 12% fizeram downgrade de nível de plano:
— Todas as empresas e seguradoras tiveram que renegociar e rever os modelos. As grandes empresas preferiram não adiar o pagamento, o que foi feito por algumas pequenas e médias e pela maioria das pequenas — observa Marcelo Borges, diretor executivo da Mercer Marsh Benefícios.
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