16 abr Com custos crescentes, os planos de saúde devem ficar cada vez mais limitados
Valor Econômico | Beth Koike – São Paulo
Operadoras registram prejuízo operacional de R$ 18 bilhões entre 2021 e setembro do ano passado
Os planos de saúde passam por uma deterioração, com rede credenciada menor, maior cobrança de coparticipação, queda no valor do reembolso, além de reajustes recordes. O índice de queixas na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mais do que dobrou nos últimos três anos. Esse cenário é reflexo da crise das operadoras, que acumulam prejuízo operacional de R$ 18 bilhões, entre 2021 e 2023 (até setembro).
A desaceleração acentuada no setor começou em 2021 com a retomada dos procedimentos médicos não realizados durante o primeiro ano da pandemia. Em 2020, quando houve o isolamento social e os pacientes cancelaram procedimentos médicos, as operadoras tiverem um resultado recorde, com um lucro operacional de R$ 18,7 bilhões, três vezes mais do que o apurado em 2019, de R$ 5,7 bilhões.
Neste ano, há uma expectativa de melhora financeira e um reajuste menor. No entanto, os convênios médicos não devem voltar àquela realidade de antes da pandemia. No “novo normal”, os planos de saúde tendem a ser ainda mais restritivos, principalmente, nas modalidades adesão e PME (pequenas e médias empresas), produtos geralmente adquiridos pela pessoa física.
No convênio médico empresarial, que representa 60% do mercado, ainda há espaço para mais ‘downgrade’ e benefícios, como reembolso cobrindo boa parte do valor do procedimento médico e extensa lista de hospitais credenciados, devem se limitar a grandes contratos corporativos ou para um público de alta renda. “Esse modelo de produto com rede muito ampla, reembolsos elevados e sem coparticipação, não vai ser de longo prazo para o varejo [adesão e PME]. Você vai ter isso, sim, nos contratos corporativos de grande porte, onde há uma diluição da mutualidade [do risco] no mesmo contrato”, disse Maurício Lopes, presidente da Qualicorp, durante teleconferência para investidores.
As operadoras já estão desenhando e comercializando planos de saúde mais enxutos. No ano passado, a SulAmérica, que atende à classes média e alta, lançou 23 tipos de seguros saúde com reembolso limitado ao perfil do produto. Na Hapvida, voltada à base da pirâmide, uma das prioridades é aumentar a verticalização, em especial, em praças como São Paulo e Rio, onde a rede própria de hospitais é menor. “Esses produtos estão sendo ofertados porque essa é a demanda atual. Planos de saúde com todos aqueles benefícios ficaram muito caros e não há como pagar, não há demanda. Hoje, o setor de saúde tem outro patamar de custos”, disse Marcos Novais, superintendente executivo da Abramge, entidade representante do setor.
Desde 2020, a mensalidade do plano de saúde empresarial acumula alta de quase 55% – praticamente o dobro do IPCA, segundo dados da consultoria Arquitetos da Saúde. Ainda assim, os convênios médicos vêm sofrendo ‘downgrade’ para amenizar o reajuste que poderia ser ainda maior, destacam representantes do setor. Esse aumento expressivo é explicado por alguns fatores atípicos que ocorreram após a pandemia, além da própria inflação médica que, historicamente, é muito superior ao IPCA.
Entre eles, mudanças regulatórias que permitiram a inclusão de novas coberturas médicas em intervalos menores e um número ilimitado de sessões de terapias. O custo para TEA (Terapia do Espectro Autista) nas operadoras já é maior do que sessões de oncologia devido ao alto volume de atendimentos.
Outra mudança foi o aumento na venda de planos PME com até cinco usuários, que disparou 75% entre 2020 e 2023. Esse produto, conhecido como falso individual, é comercializado com preços inferiores ao adesão (ambos disputam o mesmo público), com fortes incentivos comerciais para corretores venderem essa modalidade. No entanto, “as pessoas adquiriam o plano para cobrir determinados tratamentos. Não havia diluição do risco”, disse o superintendente da Abramge.
A fim de tentar corrigir essa distorção, as operadoras passaram a aplicar altos reajustes, sendo que, no ano passado, a média foi de 25%. “Essa estratégia de incentivar o plano PME com um custo menor foi um tiro no pé”, disse Luiz Feitoza, sócio da Arquitetos da Saúde, um dos primeiros a criticar essa política das operadoras. Elas tinham interesse em trocar o adesão pelo PME porque abrem mão do custo da taxa de carregamento das administradoras de benefícios.
Com a depreciação dos planos de saúde, o número de queixas disparou. Em 2020, o IGR (índice geral de reclamações) junto à ANS era de 21,8. No ano passado, saltou para 55,3 e agora está em 58,2. Muitas das queixas dizem respeito à rede credenciada e ao valor reembolso – ambos cada vez menores.
No último ano, o benefício mais afetado foi o pedido de ressarcimento de atendimentos médicos pagos pelos usuários diante do aumento descredenciamento de médicos, hospitais e laboratórios descredenciados. No entanto, surgiram denúncias de fraudes. No intervalo de 2019 e 2022, o volume de reembolsos aumentou 90% para R$ 11,4 bilhões. Considerando que, neste mesmo período, os procedimentos médicos subiram 19,5% e que, portanto, os reembolsos deveriam aumentar numa proporção parecida, há um “gap” de cerca de R$ 7,4 bilhões que são reportados pelas operadoras como fraudes.
Diante desse cenário, Paulo Rebello, presidente da ANS, acredita que a atual tendência de planos de saúde com benefícios restritos veio para ficar e dificilmente volta ao formato anterior à pandemia. “As mudanças realmente ocorreram em prazos muitos curtos e, portanto, é compreensível que o usuário reclame. As operadoras, por sua vez, estão redimensionando a rede para buscar redução de custos, mas esse movimento precisa ser feito respeitando as normas”, disse. “O modelo do setor precisa ser revisto, com acompanhamento do desfecho clínico, melhora no relacionamento entre operadoras e hospitais”, complementou o presidente da agência reguladora.
No ano passado, 60% dos planos de saúde tinham algum tipo de coparticipação ou franquia, o que representa um aumento de 4,58 pontos percentuais quando comparado a 2019. Há ainda um aumento gradual dos convênios com cobertura regional (grupo de cidades) que são mais baratos e hoje já representam a 43,5% do mercado.
O produto com atendimento nacional, por sua vez, vem caindo. “Os planos de saúde já passaram por um grande downgrade, o mercado de MEI está praticamente todo explorado, não dá mais para fazer ajustes justificando a pandemia. Já temos uma parcela relevante de planos com coparticipação, reembolso cada vez menor, aumento dos produtos regionais em detrimento do nacional. Até onde vamos?”, questiona Feitoza.
A discussão sobre a sustentabilidade do setor é recorrente devido aos altos reajustes praticados. Há questionamentos sobre até quando haverá demanda por um produto que representa o segundo maior gasto numa empresa, atrás apenas da folha de pagamento, e tem se tornado inacessível à pessoa física. “O desempenho do mercado de plano de saúde é muito atrelado ao Caged, se aumenta o emprego, cresce. Mas o atual modelo passa por grandes desafios, com margens apertadas, com reajustes elevados. Não é sustentável”, disse Leandro Bastos, analista do Citi.
Antônio Britto, presidente da Anahp, associação dos principais hospitais do país, também reclama que o caminho tem sido o descredenciamento, a pressão por ampliação de prazos de pagamento e não uma mudança efetiva no atual modelo de saúde.
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