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Planos de saúde não precisam cobrir procedimentos fora da lista da ANS, decide STJ

G1 | Márcio Falcão, TV Globo | 08/06/2002

Seis dos nove ministros da Segunda Seção votaram para definir que lista da ANS contém toda a cobertura obrigatória. Decisão também define critérios para abrir exceção a esse entendimento.

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) formou maioria nesta quarta-feira (8) para fixar que as operadoras dos planos de saúde não precisam cobrir procedimentos que não constem na lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A decisão abarca a cobertura de exames, terapias, cirurgias e fornecimento de medicamentos, por exemplo.

 

Seis dos nove ministros que votam na Segunda Seção entenderam que o chamado rol de procedimentos da ANS é taxativo – ou seja, que a lista não contém apenas exemplos, mas todas as obrigações de cobertura para os planos de saúde.

Adotaram esse entendimento os ministros Luis Felipe Salomão, Vilas Bôas Cueva, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze.

Votaram em sentido contrário os ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso e Moura Ribeiro. Para esses magistrados, a lista deveria ser “exemplificativa”, ou seja, representar a cobertura mínima dos convênios.

A decisão do STJ não obriga as demais instâncias a terem que seguir esse entendimento, mas o julgamento serve de orientação para a Justiça.

O entendimento do STJ representa uma mudança na jurisprudência que vinha sendo aplicada por boa parte dos tribunais do país, que entendiam que o rol era apenas exemplificativo.

 

Decisão prevê exceções

 

O entendimento de que a lista é taxativa deve ser modulado pelos ministros do STJ para admitir algumas exceções – por exemplo, terapias recomendadas expressamente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), tratamentos para câncer e medicações “off-label” (usadas com prescrição médica para tratamentos que não constam na bula daquela medicação).

A tese considerada correta pela maioria dos ministros foi proposta pelo ministro Villas Boas Cuêva e incorporada ao voto pelo relator, Luis Felipe Salomão. Em resumo, o entendimento do STJ é de que:

 

  • o rol da ANS é, em regra, taxativo;
  • a operadora não é obrigada a custear um procedimento se houver opção similar no rol da ANS;
  • é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de um aditivo contratual;
  • não havendo substituto terapêutico, ou após esgotados os procedimentos incluídos na lista da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente.

Para que essa exceção prevista no quarto tópico seja aplicada, é preciso que:

 

  • a incorporação do tratamento desejado à lista da ANS não tenha sido indeferida expressamente;
  • haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências;
  • haja recomendação de órgãos técnicos de renome nacional, como a Conitec e a Natijus, e estrangeiros;
  • seja realizado, quando possível, diálogo entre magistrados e especialistas, incluindo a comissão responsável por atualizar a lista da ANS, para tratar da ausência desse tratamento no rol de procedimentos.

 

Rol é limitado, dizem especialistas

 

Especialistas avaliam que o rol de procedimentos da ANS é bem básico e não contempla muitos tratamentos importantes – por exemplo, alguns tipos de quimioterapia oral e radioterapia, medicamentos aprovados recentemente pela Anvisa e cirurgias com técnicas de robótica.

Além disso, a ANS limita o número de sessões de algumas terapias para pessoas com autismo e vários tipos de deficiência. Muitos pacientes precisam de mais sessões do que as estipuladas para conseguir resultado com essas terapias e por isso, no atual modelo, conseguem a aprovação de pagamento pelo plano de saúde.

O julgamento no STJ começou em setembro do ano passado, mas dois pedidos de vista (mais tempo para analisar os processos) suspenderam a deliberação pelos ministros.

O caso chegou à Segunda Seção após uma divergência entre duas turmas do STJ. Agora, o colegiado vai definir qual é o limite da obrigação das operadoras.

 

Votos

 

Relator dos processos, o ministro Luis Felipe Salomão defendeu que a lista da ANS é taxativa, mas admitiu exceções.

De acordo com o ministro, o caráter taxativo da lista é adotado em diversos países e representa uma proteção para os beneficiários. Isso porque, segundo ele, a medida evita aumentos excessivos dos preços dos planos.

 

O voto do relator propõe situações excepcionais em que a operadora de saúde seja obrigada a custear procedimentos não previstos expressamente pela ANS.

Entre essas brechas, estão terapias com recomendação expressa do Conselho Federal de Medicina (CFM) com comprovada eficiência para tratamentos específicos.

Também podem ser liberados medicamentos para o tratamento de câncer e de prescrição “off-label” (remédio usado para tratamento não previsto na bula).

A ministra Nancy Andrighi discordou do colega e considerou que a lista tem caráter exemplificativo. Para a ministra, a lei protege o consumidor.

 

“O rol de procedimentos e eventos constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde enquanto importante instrumento de orientação do que deve ser oferecido pelas operadoras. Mas não pode representar delimitação taxativa da cobertura assistencial, alijando o consumidor aderente do direito de se beneficiar de todos os procedimentos e eventos em saúde que se façam necessário para tratamento”, afirmou.

Para Nancy Andrighi, o rol de procedimentos da ANS “deve ter natureza meramente exemplificativa, servindo como importante referência para operadora e profissionais e tratamentos a serem indicados. Mas nunca com imposição genérica do tratamento que deve ser obrigatoriamente prescrito e coberto pelo plano de saúde para determinada doença”.

A ministra disse que o rol exemplificativo combate o que chamou de “exploração predatória”.

“Seja sob prisma do Código de Defesa do Consumidor ou prisma do Código Civil, o rol exemplificativo protege o consumidor aderente da exploração econômica predatória do serviço manifestada pela negativa de cobertura sem respaldo da lei visando satisfazer o intuito lucrativo das operadoras”.

A ministra argumentou que a evolução da medicina não pode ser tida como fator limitante da obrigação assumida pelas operadoras.

Autor do último pedido de vista, o ministro Vilas Bôas Cueva também votou para considerar que o rol é, em regra, taxativo, mas cabe exceções.

Segundo o ministro, a regra para atualização da lista foi atualizada, permitindo revisão do rol a cada seis meses e que qualquer pessoa possa propor a atualização da lista.

Para o ministro, entender que a lista é exemplificativa pode levar as operadoras de planos a quebrarem financeiramente, sendo que qualquer serviço de saúde precisa de previsibilidade de seus custos e também de sustentabilidade.

Cueva disse que o rol taxativo não é absoluto. “Como já ocorre na saúde pública, a ausência do nome de um medicamento nao implica da exclusão da cobertura contratual. Cabe controle judiciário”, disse.

Ele defendeu que “o modelo de saúde suplementar foi de rol taxativo a ser oferecido pela operadora, devendo o consumidor ser esclarecido da limitação em todas as fases para que possa fazer sua escolha e possa definir a cobertura mais adequada, como plano segmentado, referencia”.

Na sequência, a ministra Nancy Andrighi apresentou um complemento de voto. A ministra disse que “soa incoerente falar na taxatividade de um rol que é periodicamente alterado para inclusão e exclusão de tecnologia em saúde. diferente de outros países do mundo saúde suplementar é tratada na constituição”.

O ministro Raul Araújo ressaltou que não seria possível fixar o rol taxativo que, segundo ele, não tem compromissos com parâmetros científicos do rol da ANS, que ;e garantidor do equilibrio financeiro dos operadoras.

O ministro Paulo de Tarso Sanseverino disse que via com preocupação a mudança de entendimento do STJ para fixar o caráter taxativo. “Vejo com bastante preocupação desse novo critério. Penso que dá mais segurança jurídica aos usuários a posiçõa anterior do caráter exempleficativo”.

A ministra Isabel Gallotti afirmou que a necessidade de um rol taxativo permite que a operadora saiba qual tipo de procedimento vai ter que arcar.

O ministro Marco Aurélio Bellizze disse que as mudanças nas regras de atualização do rol mostram que o rol é taxativo. “Se havia alguma dúvida, o caráter taxativo ficou evidente”.

O ministro Moura Ribeiro disse que o novo entendimento fixado pelo STJ é preocupante. “Se há doença, há necessidade de tratamento. Quando vi o voto do ministro Salomão, achei que era irrespondível. Assim pensando, o voto do ministro Cueva foi meio de campo, então, essa taxatividade modulada, me parece preocupante”.

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