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Clientes de planos de saúde têm sido orientados a apresentar uma série de documentos para conseguir reembolsos médicos, entre eles laudos diários, extratos bancários e fatura completa de cartão de crédito. Saiba como evitar negativa de reembolso do plano de saúde.
Para a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), a nova documentação visa evitar prejuízos e conter fraudes cada vez mais frequentes.
Nos últimos seis anos, a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) e suas associadas registraram 4.502 notícias-crime e ações cíveis relacionadas a fraudes, com aumento de 66% nos últimos dois anos.
Do lado do associado, o volume de comprovações adia e, muitas vezes, impede o acesso ao ressarcimento, razão pela qual explodiu o número de reclamações sobre reembolsos na ANS (A
Rafael Robba, do escritório Vilhena Silva Advogados
gência Nacional de Saúde Suplementar).
Os pedidos afetam diretamente quem lida com doenças crônicas, tratamentos caros e uma rede credenciada cada vez menor.
“Há uma redução no credenciamento de profissionais nas operadoras. Muitas vezes o consumidor tem direito ao hospital, mas não ao médico, por exemplo. E isso vai gerar pedidos de reembolso, não tem jeito. O beneficiário fica sem opção”, diz Rafael Robba, do escritório Vilhena Silva Advogados.
O diretor-executivo da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), Marcos Novais, afirma que a entidade, junto aos planos de saúde, tem denunciado esquemas de fraude milionários envolvendo notas de serviços inexistentes ou superfaturados.
A SulAmérica, por exemplo, calcula ter sido lesada em mais de R$ 27 milhões apenas em um processo, envolvendo uma rede de clínicas.
Além de notas frias, a polícia civil de várias partes do país investiga diagnósticos falsos, clínicas-fantasmas, cobrança por procedimentos de estética (não cobertos pelos planos) e internações não realizadas.
Em novembro de 2022, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) definiu, em um caso específico, a exigência de apresentação de um comprovante de pagamento, junto à nota fiscal, para acesso ao reembolso.
O julgamento, que não tinha repercussão geral, virou praxe. A partir disso, as operadoras passaram a usar a decisão para aumentar o número de documentos exigidos.
“Exigir fatura do cartão de crédito ou o extrato bancário é abusivo. Fere o direito à privacidade. É oportunismo para adiar ou negar o reembolso”, diz.
A ANS afirma em nota que “as operadoras devem observar a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) no que se refere a dados particulares, de modo a não se configurar uma prática abusiva”.
Marcos Novais, no entanto, sustenta as condições impostas pelas operadoras até em situações nas quais a ANS já se manifestou contrária —como no caso da exigência do CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde) pelo prestador de serviço.
Em muitos casos, a negativa do reembolso pode significar a interrupção de um tratamento, com risco à saúde do paciente
É o caso de Davi Ferreira, 6 anos e 17 kg, diagnosticado com seletividade alimentar severa.
“Ele só come pão puro, bolacha, bolo e, às vezes, banana e pera. Ele precisa de vitaminas para complementar a dieta”, conta a mãe, a policial penal Ivania de Andrade.
Ela luta para que a Unimed Nacional pague quatro sessões mensais de terapia, no valor de R$ 200 cada uma, com a única nutricionista especialista no caso de Davi na região do Vale do Paraíba, onde moram.
A operadora não dispõe do serviço e, desde junho de 2024, suspendeu o reembolso integral do tratamento, alegando que os atendimentos haviam extrapolado o limite contratual.
Procurada, a operadora informou que foram autorizadas sessões com um prestador não vinculado à rede contratada e que já entrou em contato com a família para explicar os termos e requisitos.
Mas Ivania afirmou que a promessa não se confirmou. Pela segunda vez, a Unimed orientou a família a passar com uma nutricionista não especializada no caso, e Davi segue sem o atendimento que precisa.
Em 2024, a Unimed informou ter atendido 70% dos pedidos de reembolso recebidos, após comprovação documental adequada.
Amil, SulAmérica, Hapvida e Bradesco Saúde não forneceram estatísticas a respeito.
Segundo a Lei dos Planos de Saúde, o reembolso é obrigatório em casos de urgência e emergência e quando não for possível a utilização dos serviços próprios ou referenciados pelas operadoras.
“O consumidor deve usar a rede credenciada do plano contratado. Quando isso não é possível, a legislação assegura o atendimento particular e com reembolso integral.”
O volume reembolsado pelos planos passou de R$ 6 bilhões, em 2019, para R$ 11,9 bilhões, em 2023, de acordo com a Abramge.
A entidade, que responde por 35% do setor (Amil, Notredame, Hapvida, SulAmérica e Alice), estima que metade dessa alta seja resultado de fraudes.
Isso porque, segundo a associação, não houve uma alta proporcional no registro de atendimentos de saúde no período.
“Os produtos ficaram totalmente insustentáveis. Tivemos de implementar uma série de procedimentos para tentar filtrar o que é fraude”, diz Novais.
Apesar disso, o setor lucrou R$ 10,2 bilhões em 2024 segundo a ANS —alta de 429,2% na comparação com 2023 (R$ 1,9 bilhão). Foi o melhor resultado para o segmento desde a pandemia.
A fisioterapeuta Louise Degrande passou a atender só no particular porque a maioria das operadoras pagam apenas R$ 30 por sessão e ainda limitam o tempo de atendimento para, no máximo, 30 minutos.
Ainda assim, é solicitada por pacientes para fornecer relatórios de reembolso.
“E eles são bem detalhados. Contêm resultados da anamnese [a entrevista médica durante a consulta] e dos exames físicos realizados, além dos objetivos almejados e condutas fisioterapêuticas”, explica.
O fornecimento de laudos especializados como esse virou demanda quase obrigatória entre pacientes autistas.
A médica Fabiana Feijão Nogueira enfrenta há quatro anos uma via-crúcis para conseguir manter seu filho, Davi Feijão, 23, internado em uma moradia assistida especializada.
Diagnosticado com a forma mais severa de autismo, o jovem requer atenção 24 horas por dia.
A família, que paga mais de R$ 15 mil mensais por mês à SulAmérica pelo seguro-saúde de quatro pessoas, incluindo Davi, não consegue receber de forma regular o reembolso assegurado pela Justiça.
O plano pede os mais diversos documentos para protelar o pagamento de cerca de R$ 8.000.
A dívida atual, segundo a família, está em R$ 662 mil, levando-se em conta também valores relativos a multas.
A operadora afirmou em nota que tem cumprido integralmente a determinação judicial referente ao custeio mensal de metade do tratamento de Davi, desde outubro de 2014.
“O valor adicional referente a serviços prestados no passado ainda está em discussão judicial, motivo pelo qual não há débito lançado”, completou.
O caso, no entanto, já tem decisão transitada em julgado, ou seja, sem possibilidade de novos recursos.
O caso de Davi está longe de ser isolado —isso porque a judicialização não significa mais garantia de acesso à saúde. Nem em urgências.
Regina Próspero, 58, aguardou por dois meses que a Bradesco Saúde cumprisse decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo para tratar um câncer na região pélvica com metástases nos pulmões, na coluna e no rim direito.
Nesse período, o plano de saúde se recusou até mesmo a reembolsar sessões de acupuntura semanais para aliviar as dores de Regina. “O tumor está esmagando o meu nervo ciático”, diz.
Regina conta que a operadora chegou a sugerir que ela comprasse o remédio necessário para o início da quimioterapia, no valor de R$ 44 mil a cada 21 dias, e depois pedisse o reembolso.
“Quem tem esse dinheiro? E se não reembolsam a acupuntura, como vou acreditar que reembolsariam o quimioterápico?”, questiona. A primeira dose foi entregue no dia 12, e após segunda ordem judicial.
A Bradesco afirmou que não comenta casos levados à Justiça e que não reembolsa tratamentos feitos em casa, como as sessões de acupuntura solicitadas pela consumidora.
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