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Para médicos e cirurgiões-dentistas em São Paulo e em todo o Brasil, a rotina é repleta de decisões críticas. Em meio a diagnósticos e tratamentos, um documento muitas vezes subestimado se torna o protagonista silencioso da prática profissional: o prontuário do paciente.
Longe de ser uma mera formalidade, o prontuário é a narrativa técnica e legal de todo o cuidado prestado. Em um cenário de crescente judicialização na saúde, ele deixa de ser apenas um registro clínico para se tornar a principal peça de defesa do profissional contra acusações de erro médico ou odontológico.
Muitos processos judiciais e ético-profissionais no CRM ou CRO não são perdidos por uma suposta falha técnica no tratamento, mas por falhas na documentação. Um prontuário incompleto, ilegível ou ambíguo abre margem para interpretações que podem custar a carreira, o patrimônio e a reputação que um profissional levou anos para construir.
Como advogados especialistas em Direito Médico, vemos diariamente como a qualidade deste documento define o resultado de um processo. Mas, afinal, o que transforma um simples registro em um “prontuário perfeito” sob a ótica jurídica?
Um prontuário robusto, capaz de proteger o profissional em uma demanda judicial, se sustenta em três pilares essenciais: ser completo, claro e cronológico.
O princípio de ouro no Direito Médico é: “o que não está documentado no prontuário, não aconteceu aos olhos da Justiça”. A memória do profissional, por melhor que seja, não serve como prova. O registro deve ser exaustivo e detalhado.
Anamnese Detalhada: Registre o histórico médico e odontológico completo, hábitos de vida, alergias e medicamentos em uso.
Hipóteses Diagnósticas: Descreva os achados do exame físico e liste as hipóteses consideradas, mesmo as descartadas. Isso demonstra raciocínio clínico e diligência.
Exames e Comunicação: Anote todos os exames solicitados, os resultados e, crucialmente, a data em que o paciente foi comunicado sobre eles. Se um paciente se recusar a realizar um exame, isso deve ser registrado.
Plano de Tratamento e Alternativas: Descreva o tratamento proposto e as alternativas apresentadas ao paciente, com seus respectivos riscos e benefícios.
Evolução Clínica: Em casos de acompanhamento contínuo, o registro da evolução deve ser periódico, detalhando o estado do paciente, intercorrências e ajustes terapêuticos.
Orientações e recomendações: Anote todas as orientações fornecidas (cuidados pós-operatórios, repouso, etc.). A recusa do paciente em seguir uma orientação é uma informação valiosa para a defesa e precisa ser documentada.
Seu prontuário será analisado por peritos judiciais, advogados e juízes. A clareza é fundamental para evitar interpretações equivocadas.
Legibilidade: Em prontuários físicos, a caligrafia ilegível pode invalidar a defesa. A adoção de Prontuários Eletrônicos do Paciente (PEP) é altamente recomendada para garantir a clareza.
Linguagem Técnica e Objetiva: Evite siglas não padronizadas e termos ambíguos. Descreva fatos, não impressões subjetivas. Em vez de “paciente nervoso”, prefira “paciente relata ansiedade e apresenta taquicardia”.
Identificação Completa: Todas as anotações devem conter a identificação do paciente, a data, a hora e a assinatura com identificação (carimbo ou certificação digital) do profissional responsável.
A sequência dos eventos é fundamental para reconstruir a lógica do atendimento e demonstrar a correção dos atos praticados.
Data e hora para tudo: Cada anotação, procedimento ou orientação deve ter data e hora exatas.
Sem rasuras: Nunca rasure uma informação. Se precisar corrigir, utilize a forma legalmente aceita (“digo”) ou trace uma linha simples sobre o erro, mantendo-o legível, e escreva a informação correta ao lado, com data e assinatura. Jamais use corretivos.
Ordem lógica: As informações devem seguir a sequência temporal do atendimento, da primeira consulta à alta, sem lacunas que possam ser questionadas.
O Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) não é um documento avulso, mas uma parte integrante e vital do prontuário. Ele é a prova material de que o dever de informação foi cumprido e que o paciente exerceu sua autonomia. Um TCLE genérico tem pouco valor legal. Ele precisa ser específico, claro e detalhado.
Investir tempo no preenchimento correto do prontuário é um ato de cuidado com o paciente e de proteção para sua carreira. Um prontuário bem elaborado não apenas organiza o raciocínio clínico, mas constrói uma fortaleza jurídica ao seu redor.