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Reajuste dos planos de saúde coletivos: advogados criticam falta de regras

O Tempo | Gabriel Ronan | 9/5/2022 | Marcos Patullo

Especialistas em direito do consumidor e da saúde afirmam que negociação entre empresas e operadoras resultam em aumentos abusivos das mensalidades

 

reajuste plano de saúde

Enquanto o consumidor convive com a expectativa pelo anúncio do reajuste dos planos de saúde individuais, que deverá ser o maior da história, especialistas chamam a atenção para um outro tipo de aumento, que promete ser bem mais pesado que a inflação: o dos planos coletivos.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) regula o crescimento da mensalidade nas contratações individuais, mas, no caso dos coletivos empresariais ou por adesão, a lógica adotada coloca o cliente fora da mesa de negociação: tudo depende da definição do setor privado e das entidades representativas com as operadoras, o que muitas vezes eleva o preço muito além do razoável diante da falta de regulamentação.

Para se ter uma ideia, no ano passado, quando a ANS anunciou o primeiro reajuste negativo da história dos planos individuais (-8,19%), as negociações entre operadoras e empresas elevaram o preço médio dos coletivos em 5,55%.

Nos últimos seis anos, o reajuste médio dos planos individuais sempre foi abaixo do aumento dos planos coletivos, com exceção de 2020.

Hoje, a ANS só estabelece o máximo de reajuste para os individuais. A conta segue critérios definidos ao longo dos anos. A conta considera, principalmente, a sinistralidade (relação entre o valor pago pelo beneficiário e a quantidade de procedimentos realizados por ele) e a inflação.

Sem qualquer limitação, as empresas e as operadoras de saúde conduzem uma negociação às cegas do consumidor, que quase sempre sai perdendo, como explica a advogada do programa de saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Marina Paullelli.

“As próprias empresas fazem auditoria dos valores. Elas afirmam que existe uma margem de negociação entre a pessoa jurídica que contratou o plano e as operadoras. Mas, o que o Idec verifica na prática é que existe uma margem muito baixa de poder de barganha entre essas pessoas jurídicas contratantes e as próprias operadoras. Então, a negociação não surte muito efeito, e os aumentos dos planos coletivos sempre estão muito acima da inflação”, diz a profissional do direito.

 

Coletivos dominam clientela

 

 

Marcos Patullo

Marcos Patullo – Advogado e sócio do Vilhena Silva Advogados.

Em Minas Gerais, números da ANS mostram a representatividade dos planos coletivos no pool de contratos assinados junto às operadoras de saúde. Os dados evidenciam que 98% dos negócios fechados se referem a esse modelo de serviço, enquanto os individuais, regulados pela agência, representam apenas 2% dos beneficiados.

No Brasil, 74% dos contratos são fechados entre operadoras e empresas e 23% individuais.

O advogado Marcos Patullo, especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados, também vê a relação entre empresas contratantes e operadoras como problemática.

“A questão da negociação sempre é um problema. Primeiro porque a gente está falando de realidades distintas. Por exemplo, nos empresariais existe uma diferença, até em poder de barganha, de empresas muito grandes que têm planos para muitas mil vidas, e empresas pequenas, às vezes planos que sequer são empresariais de fato”, diz o especialista.

 

Maior regulamentação é necessária

 

O problema está claro, mas qual a solução para proteger o consumidor e as empresas neste cenário? Para Marcos Patullo, advogado especialista em direito à saúde, é preciso regulamentar esses contratos.

“O que eu entendo é que passou da hora de a ANS atuar de uma forma mais presente no controle e fiscalização dos reajustes dos planos coletivos. Essa é a grande lacuna que nós temos hoje na saúde suplementar. Nos coletivos, ela (a agência) apenas pressupõe a existência dessa negociação”, diz Patullo.

A única vez que a ANS realmente interveio na questão aconteceu em agosto de 2020. À época, houve um grande debate na sociedade sobre os reajustes dos planos coletivos, que poderiam chegar a marca dos 25%.

Em um contexto de pandemia da Covid-19 ainda em ascensão, e até mesmo sem muitas informações sobre os impactos do coronavírus, a agência só regulou a questão após pressões da Câmara dos Deputados, por meio do então presidente da Casa, Rodrigo Maia. Na ocasião, Maia chegou a articular um Projeto de Lei para suspender esses aumentos por 120 dias.

 

Poucas denúncias

 

Números do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) mostram que o Procon recebeu apenas 38 denúncias de reajustes abusivos em planos coletivos desde janeiro do ano passado. Para efeito de comparação, as queixas do mesmo tipo dos individuais chegam a 694.

 

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Para o promotor de Justiça Ruy Alexandre Neves, isso acontece porque a maioria das pessoas procuram o Poder Judiciário por conta própria, sem passar pelo Procon. “O Procon Estadual trata mais do direito coletivo, mas as pessoas tendem a contratar um advogado por conta própria e acionar a Justiça. Historicamente, sempre foi assim”, diz.

O promotor do MPMG é mais uma a defender uma mudança de metodologia no cálculo do aumento dos planos coletivos.

“É uma questão que temos acompanhado de perto, até porque o aumento dos individuais deve ser recorde. Era preciso estabelecer um teto também para os coletivos, porque são as operadoras que sabem os custos que têm com os planos”, afirma.

 

ANS garante regulamentação

 

Apesar das alegações dos especialistas e dos números mostrarem que os reajustes são maiores, a Agência Nacional de Saúde Suplementar garante que “regula tanto os planos privados de saúde individuais/familiares quanto os coletivos (empresariais e por adesão)”.

De acordo com a ANS, os coletivos com mais de 30 beneficiários, “é fundamental a participação do contratante na negociação do percentual (de reajuste)”.

A agência garante que as operadoras são obrigadas a comunicar o índice de aumento no boleto de pagamento e a aplicar esses reajustes com uma periodicidade, com “impossibilidade de discriminação de preços e reajustes entre beneficiários de um mesmo contrato e produto”.

A agência também esclarece que as operadoras têm a obrigação de disponibilizar a memória de cálculo e a metodologia para aplicação do reajuste à entidade ou empresa contratante.

O prazo para isso é de 30 dias antes da aplicação do aumento. Após a oficialização, os consumidores também podem solicitar esses documentos, caso as explicações apresentadas não sejam suficientes. A partir daí, o prazo é de 10 dias.

No caso dos reajustes dos coletivos com até 29 beneficiários, a ANS estabelece uma regra específica de agrupamento de contratos.

Dessa forma, todos os esses planos de uma mesma operadora devem receber o mesmo percentual de reajuste anual. O objetivo é diluir o risco desses contratos, oferecendo maior equilíbrio no cálculo do reajuste.

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