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Entenda por que planos de saúde não podem interromper o tratamento de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), mesmo após a rescisão contratual.

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09/10/2025
Foto Entenda por que planos de saúde não podem interromper o tratamento de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), mesmo após a rescisão contratual.

Rescisão unilateral de plano de saúde e tratamento contínuo de pacientes com TEA

A questão da rescisão unilateral de planos de saúde, especialmente quando envolve pacientes em tratamento contínuo, tem sido objeto de intensa discussão no cenário jurídico brasileiro. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou seu entendimento sobre a ilicitude dessa prática em casos que envolvem beneficiários com Transtorno do Espectro Autista (TEA), reafirmando a proteção à dignidade da pessoa humana e o direito à saúde. Esta análise jurídica abordará a decisão da 3ª Turma do STJ, o Tema 1.082/STJ, a Jurisprudência em Teses – Edição 259, e os aspectos legais e regulamentares da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da Lei n.º 9.656/1998.

 

A Decisão da 3ª Turma do STJ e o Tema 1.082/STJ

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que é ilícita a rescisão unilateral de contrato de plano de saúde durante tratamento multidisciplinar contínuo de paciente diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A interrupção abrupta dos cuidados pode gerar danos irreparáveis ao desenvolvimento físico e psíquico do beneficiário. Esta decisão reafirma a aplicabilidade do Tema 1.082/STJ, julgado em 2022 pela 2ª Seção, que estabelece a seguinte tese:

 

TATIANA KOTA

Tatiana Kota, advogada do Vilhena Silva Advogados

A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência, ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação devida.

 

No caso específico analisado pela 3ª Turma, foi determinada a manutenção do contrato de uma criança de seis anos com TEA, garantindo a continuidade do tratamento multidisciplinar na modalidade ABA. O relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou que o tratamento multidisciplinar para pessoas com TEA é essencial, por sua abordagem especializada, contínua e integrada, indispensável à preservação da integridade física e psíquica do paciente e ao seu adequado desenvolvimento neuropsicomotor e social. A prerrogativa da operadora de rescindir unilateralmente o contrato não pode se sobrepor à salvaguarda da saúde do beneficiário em situação de extrema vulnerabilidade, especialmente crianças, sob pena de violação aos princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva e da dignidade da pessoa humana.

 

Jurisprudência em Teses – Edição 259: Direitos da Pessoa com TEA

A Edição 259 da Jurisprudência em Teses do STJ, publicada em 19/05/2025, consolida diversos entendimentos sobre a proteção dos direitos da pessoa com TEA. Entre as principais teses, destaca-se que é abusiva a recusa de cobertura e a limitação do número de sessões de terapias multidisciplinares indicadas para beneficiários com TEA, alinhando-se ao Tema 1.295 dos REsps repetitivos (ainda em fase de afetação). A Resolução Normativa 465/21 da ANS, alterada pela RN 539/22, consolidou a obrigatoriedade de cobertura por qualquer método ou técnica prescrita pelos profissionais de saúde. As operadoras de plano de saúde devem cobrir tratamentos fundamentais como ABA, equoterapia, musicoterapia, hidroterapia e psicopedagogia, quando integradas às terapias psicológicas, sem limitação quantitativa para as sessões de terapia ABA, reconhecidamente essencial no tratamento do TEA. Além disso, o tratamento multidisciplinar deve ser garantido no município de residência do beneficiário, com custeio e ressarcimento integral assegurados na ausência de profissionais credenciados. Contudo, o custeio não se estende ao acompanhamento realizado no ambiente escolar ou domiciliar por profissionais da educação.

Outras teses relevantes da Edição 259 abrangem o direito tributário, assegurando a isenção na aquisição de veículos para pessoas com TEA, mesmo que conduzidos por terceiros, e o direito penal, permitindo a substituição da pena privativa de liberdade por prisão domiciliar para genitores de pessoas com TEA, desde que comprovada a imprescindibilidade dos cuidados parentais. No direito de família, o princípio do melhor interesse do menor pode justificar, em casos excepcionais, a supressão do direito de visitação entre avós e neto diagnosticado com TEA.

 

Aspectos legais e regulamentares da ANS

 

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estabelece regras claras para a contratação, cancelamento e rescisão de planos de saúde, visando proteger os beneficiários. É expressamente vedada a seleção de riscos pelas operadoras, o que impede que beneficiários sejam impedidos de adquirir um plano ou tenham sua cobertura negada devido à condição de saúde, ou idade. Essa vedação se aplica a todas as modalidades de planos, conforme a Súmula Normativa 27/2015 da ANS e o Art. 14 da Lei n.º 9.656/98.

Um ponto crucial é a proibição de rescisão ou suspensão unilateral do contrato durante a internação de titular, ou dependente, independentemente do motivo. Nesses casos, a operadora deve arcar com todo o atendimento até a alta hospitalar. Em planos coletivos, mesmo que a rescisão do contrato seja lícita, a operadora deve garantir o atendimento até a alta hospitalar se houver beneficiário ou dependente internado. Procedimentos autorizados na vigência do contrato também devem ser cobertos.

Especificamente para o TEA, a ANS possui regulamentações que reforçam a obrigatoriedade de cobertura. A Resolução Normativa 539/2022, por exemplo, ampliou as regras de cobertura para tratamentos de transtornos globais do desenvolvimento, tornando obrigatória a cobertura para qualquer método ou técnica indicada pelo médico, ou profissional de saúde habilitado, sem limitação de sessões.

A jurisprudência do STJ e as regulamentações da ANS convergem para uma sólida proteção dos direitos dos pacientes com TEA. A decisão da 3ª Turma do STJ, ao considerar ilícita a rescisão unilateral de planos de saúde durante tratamento contínuo de TEA, e a reafirmação do Tema 1.082/STJ, estabelecem um marco importante. Complementadas pela Edição 259 da Jurisprudência em Teses e pelas normas da ANS, essas diretrizes garantem a continuidade dos tratamentos essenciais, coíbem práticas abusivas das operadoras e reforçam a aplicação de princípios fundamentais como a dignidade da pessoa humana e a função social do contrato. O impacto nas operadoras de planos de saúde é significativo, exigindo adaptação para garantir a sustentabilidade do sistema sem comprometer o direito à saúde dos beneficiários.

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