13 maio Queixa contra retirada de serviços por planos de saúde salta 170% em 3 anos, diz ANS
Infomoney | Por Gilmara Santos | 11.05.24
As solicitações de usuários contra os planos de saúde não param de crescer no Brasil. De acordo com dados do Procon-SP, durante o ano de 2022 foram registradas 9.537 reclamações no órgão. No ano passado este número saltou para 13.230, alta de 38% no período. Só nos primeiros 2 meses deste ano, o órgão já contabilizou 2.416 reclamações. As reclamações são muitas, mas uma em especial tem chamado a atenção dos profissionais que atuam neste setor: o descredenciamento de rede.
Levantamento da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) mostra que o número de reclamações contra descredenciamento de rede saltou mais de 170% entre 2020 e 2023, saindo de 923 reclamações para 2.505. Neste ano, até abril, já foram computadas 971 reclamações, montante maior do que o registrado durante todo o ano de 2020.
“Temos visto um aumento de reclamações de descredenciamento. É difícil precisar como isso aconteceu, mas há um movimento forte no mercado de precarização dos serviços e vínculos das operadoras”, avalia Marina Magalhães, pesquisadora do programa de saúde do Idec. De acordo com ela, a ANS regula todos os descredenciamentos, tanto de planos individuais quanto de coletivos, mas a seleção é mais rígida para a rede hospitalar. Neste caso, a operadora tem, por exemplo, que notifica a agência, que tem que autorizar o descredenciamento. No entanto, o mesmo não ocorre quando se trata de clínicas e laboratórios, que têm regras mais flexíveis.
As regras para o descredenciamento da rede devem seguir 2 critérios:
- notificação prévia de 30 dias ao usuário
- substituir por outro equivalente – mesma região, área de abrangência, qualidade
“A Lei dos Planos de Saúde define que a operadora não é obrigada a manter a rede credenciada para sempre, mas tem que seguir regras e não é porque não é obrigada que vai mudar o perfil dos serviços que o cliente contratou”, ressalta Fábio Santos , sócio do Vilhena silva advogados e especialista em direito à saúde.
A advogada Desirreé Franco, do escritório Goulart Penteado, comenta que é importante, de início, destacar que o ato de descredenciamento praticado pelas operadoras não implica em nenhuma violação legal. “Os planos de saúde podem fazer o descredenciamento de laboratórios e hospitais quando necessário, devendo comunicar os clientes sobre a mudança com 30 dias de antecedência”, diz.
Desirreé Franco lembra, no entanto, que a mudança fica condicionada à manutenção do nível de serviço que os laboratórios e hospitais descredenciados apresentavam, ou seja, os novos credenciados devem conter a mesma qualidade daqueles que foram substituídos. “Promover a manutenção da qualidade da rede anteriormente credenciada é uma forma de garantir que nenhum prejuízo seja suportado pelos consumidores”, salienta. Além disso, destaca a advogada, é necessário que a nova rede seja credenciada no mesmo município da anterior ou, em caso de indisponibilidade na região, deverá o substituto estar localizado em um município próximo. “Caso a operadora queira reduzir a rede credenciada, será necessário direcionar um pedido à ANS, que deverá analisar os motivos expostos para conceder ou não a autorização”, explica a advogada.
Na prática, no entanto, não é bem isso que está ocorrendo. Especialistas ouvidos pelo InfoMoney relatam que usuários de planos de saúde têm encontrado dificuldades para agendar exames fora da rede própria dos convênios. “Essa tem sido uma estratégia dos planos para economizar despesas e que tem sido cada vez mais recorrente”, comenta o advogado Columbano Feijó, sócio do escritório Falcon, Gail, Feijó e Sluiuzas Advogados. Santos concorda que a rede própria custa mais barato e que isso tem levado muitas operadoras a tirarem laboratórios que não são da rede própria de sua lista. “Tira os credenciados e deixa só a rede própria para atender sem redução de valor. Isso é, no mínimo, muito injusto”, pontua.
O que fazer?
De acordo com especialistas, resolver este problema não é tarefa simples, mas eles dão alguns passos para os usuários que passarem por situação semelhante seguirem. Veja:
- 1º – quando perceber que houve um descredenciamento é importante entender quando ocorreu a mudança e por que aconteceu, se foi notificado previamente e se foi colocado outro estabelecimento equivalente no lugar;
- 2º – se perceber que houve um descredenciamento abusivo, o próximo passo é abrir um chamado na ANS e, paralelamente, comunicar aos órgãos de defesa do consumidor, que também podem ajudar na cobrança de explicações à operadora;
- 3º – se nada disso funcionar, o passo seguinte é recorrer à Justiça. Segundo os advogados, o Judiciário tem sido bem criterioso em exigir que operadoras comprovem que obedeceram as regras. “Dependendo da situação, pode até determinar para recredenciar”, diz Santos.
Morador de Santos (SP), o aposentando José Roberto da Costa Pinto, 71, não encontrou alternativa senão recorrer à Justiça depois que o seu plano descredenciou o hospital que a mulher dele faz tratamento contra um câncer raro.
“Desde 2019, minha esposa faz tratamento em um hospital de referência em São Paulo, que era credenciado pelo plano de saúde. Em janeiro deste ano, recebemos a informação de que não poderia mais levá-la para fazer o tratamento lá”, conta Costa. “O encerramento do plano de saúde não atentou ao fato de que minha esposa não recebeu ‘alta médica’ conforme declarou o médico em seu relatório e, nesse caso, jamais poderia a operadora do plano afastá-la do tratamento”, enfatiza Costa.
Na ação analisada pela Justiça, o magistrado determinou que o plano de saúde siga custeando o tratamento da paciente no hospital em que ela já estava se tratando até 2026, quando está prevista a alta médica.
O que diz o setor?
Procurada, a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) informou, por meio da sua assessoria de imprensa, que os critérios para alteração de rede são previstos na lei 9656/98 e em regulação da ANS. “A substituição de prestadores pode ocorrer desde que haja comunicação com 30 dias de antecedência aos consumidores. No caso de hospitais é necessário, ainda, comunicação à ANS e aprovação em caso de exclusão. Para exclusão de prestadores não hospitalares da rede devem ser observadas as condições previstas em regulação”, diz a nota da entidade, ao ressaltar que as negociações entre prestadores de serviços e operadoras são feitas de forma individual, cabendo às empresas a organização de redes assistenciais que atendam as necessidades de seus beneficiários e aos prazos máximos de atendimento, conforme produtos contratados.
A Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), por sua vez, informou que para garantir a qualidade na prestação dos serviços de saúde e a sustentabilidade dos contratos, as operadoras avaliam continuamente cada um dos seus produtos comercializados em conformidade com as regras da ANS. “Essa avaliação pode indicar a necessidade de readequar a estrutura dos produtos [planos de saúde] e descontinuar outros. Vale ressaltar, entretanto, que pode haver a rescisão do contrato entre as pessoas jurídicas [a empresa contratante e a operadora] a pedido de uma ou outra parte, devendo ser sempre precedida de notificação prévia, observando-se as disposições contratuais”, diz a nota.
A Abramge destaca que, se houver rescisão do contrato de plano coletivo (por qualquer motivo) e existir algum beneficiário ou dependente em internação, a operadora de origem deve manter todo o atendimento até a alta hospitalar. Da mesma maneira os procedimentos autorizados na vigência do contrato são cobertos pela operadora, uma vez que foram solicitadas quando o vínculo do beneficiário com o plano ainda estava ativo. “É fundamental lembrar do direito à portabilidade, ou seja, o beneficiário elegível pode trocar de plano de saúde sem a necessidade de cumprir novos prazos de carências ou cobertura parcial temporária.”
O que diz a ANS?
A ANS esclarece que a Lei 9656/1998 permite o descredenciamento de prestadores de serviços de saúde da rede da operadora, havendo regras diferentes para prestadores hospitalares e para os não hospitalares.
De acordo com a agência, os prestadores hospitalares podem ser substituídos por outro equivalente, mediante comunicação prévia ao consumidor e à ANS com 30 dias de antecedência. Essa comunicação não precisa ser individualizada (carta, e-mail), mas a operadora deve garantir que o beneficiário fique ciente da informação. A lei também permite a exclusão de prestadores hospitalares com redução da rede. Nesse caso, os atendimentos serão realizados por prestadores que já fazem parte da rede, porém, a ANS precisa autorizar previamente esse tipo de exclusão.
“Vale destacar, contudo, que, a partir de 1º de setembro, entrarão em vigor novas regras para alteração da rede hospitalar, a partir da Resolução Normativa 598/2024, que serão válidas tanto para a retirada de um hospital da rede de uma operadora, como para a troca de um hospital por outro.”
Já os prestadores não hospitalares (consultórios, clínicas, laboratórios) só podem ser descredenciados se forem substituídos por outro equivalente. Não há necessidade de autorização, nem de comunicação à ANS, mas a operadora deve comunicar aos beneficiários através do seu site e da Central de Atendimento, com 30 dias de antecedência, e manter a informação disponível para consulta, por 180 dias.
“A operadora que fizer um descredenciamento em desacordo com a legislação da saúde suplementar pode ser multada em valores, a partir de R$ 30 mil, no caso de rede não hospitalar, e a partir de R$ 50 mil, em se tratando de rede hospitalar.”
Importante destacar que a ANS atua na intermediação de conflitos entre beneficiários e operadoras, por meio da Notificação de Intermediação Preliminar (NIP), ferramenta criada pela ANS para agilizar a solução de problemas relatados pelos consumidores. Pela NIP, a reclamação registrada nos canais de atendimento da Agência é automaticamente enviada à operadora responsável, que tem até cinco dias úteis para resolver o problema do beneficiário, nos casos de cobertura assistencial, e até 10 dias úteis para demandas não assistenciais. “Se o problema não for resolvido pela NIP e se constatada infração à legislação do setor, será instaurado processo administrativo sancionador, que pode resultar na imposição de sanções à operadora, destacando-se, dentre elas, a aplicação de multa”, diz a nota.
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