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Segurados do INSS relatam a peregrinação para conseguir agendar perícia médica para benefício

O Dia | Maria Claro Matturo | 30.08.2021 | Daniela Castro

Em meio às dificuldades para conseguir benefícios, segurados do instituto relatam descaso e até maus tratos durante perícia

“Tenho vontade de desistir de tudo”, é assim que se sente a bancária de 49 anos, Edilene Menezes. Entre idas e vindas, após uma cirurgia de peito aberto e agravamento do quadro psiquiátrico, ela já está há sete anos lutando por seus direitos com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Apesar de comovente, o caso de Edilene não é isolado. Diariamente inúmeros brasileiros se deparam com atraso nas análises para concessão de benefícios, pagamentos suspensos e até mesmo maus tratos e inconsistência nas perícias médicas.

A advogada Daniela Castro, especialista em direito previdenciário do escritório Vilhena Silva Advogados, relata que todos os dias se depara com casos desse tipo: “Atualmente, está quase impossível fazer o agendamento da perícia, em grande parte por causa de erros no sistema. Quando conseguem, o prazo estipulado para a realização da perícia é de quase dois meses. As pessoas não podem esperar tanto tempo por um benefício que é de caráter alimentar. Quem pede um benefício por incapacidade é porque não tem condições de trabalho e como essa pessoa vai viver durante o tempo que aguarda a perícia?”.

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No caso de Edilene, a dificuldade é ainda maior. Além de ter precisado recorrer ao sindicato de sua categoria várias vezes, ela relata que viveu um trauma em sua última perícia. Segundo ela, o médico responsável alegou que ela estaria ‘fingindo’ problemas de saúde sem sequer ter olhado seus exames.

 

Em grande parte dos casos, procurar um advogado é a única saída
Divulgação.

“Eu operei a mão esquerda enquanto estava de licença e, quando encerrou o limite de prorrogações do meu benefício, marcaram uma perícia automaticamente para mim, longe demais, em Campo Grande, em uma agência que nunca tinha ido e não conheço ninguém. Além de não deixarem meu marido entrar para me ajudar, o perito foi muito grosso comigo. Eu entreguei meus atestados e exames e ele sequer olhou e mandou eu fazer alguns movimentos que são impossíveis pra mim hoje, por conta das dores. Ele olhou na minha cara e perguntou “você tá tanto tempo afastada, como ainda não melhorou?”. Ficou rindo da minha cara o tempo todo e disse “pode ir embora, olha sua perícia no site ou liga pro 135, pode sair, você não tem nada, está fingindo”, foi o que ele me disse”, contou.

Apesar deste ter sido o último episódio da bancária com o INSS, a luta por seus direitos não é novidade. “Em 2014 descobri que estava com 98% das artérias coronárias entupidas e, no dia seguinte que descobri isso, já fiquei internada para operar e passei seis meses afastada. Além disso eu tinha uma pneumonia incubada, que eu nem sabia que tinha, causada pelo excesso de ar condicionado.

Depois desses seis meses o INSS me deu alta. No tempo que eu fiquei afastada, pela cirurgia ter sido muito violenta pra mim, precisei fazer o acompanhamento psiquiátrico e psicológico e, mesmo assim, eles disseram que eu estava apta para trabalhar. Até tentei recorrer mas o INSS não aceitou de jeito nenhum, mesmo eu não reconhecendo as pessoas, tendo síndrome do pânico e tomando remédios fortíssimos”.

Depois de um tempo sem receber nem do banco, nem do INSS, segui fazendo todos os tratamentos e melhorei parcialmente, fui fazer a perícia e recebi mais uma negativa do instituto. Procurei ajuda no sindicato e consegui ganhar a causa, aí o INSS me pagou por um tempo e depois voltei ao trabalho. Já estava sentindo dores nos braços e dormências nas mãos, que sinto até hoje. Agora não só minhas pernas incham, como minhas mãos e braços porque tenho síndrome do policarpo nos dois”, desabafou.

Agora, Edilene afirma que tem medo de voltar ao instituto: “Eu não tenho necessidade de mentir, não tenho necessidade de fingir em lugar nenhum. Sou uma pessoa trabalhadora, quero correr atrás do meu ganha pão, quero ter minhas coisas direitinho. Sai de lá tão humilhada, acho que nem o cachorro dele deve ser tratado assim. Chorei por dias seguidos, fiquei traumatizada. Apesar de não ter melhorado e conviver com dores diariamente, voltei a trabalhar com os braços inchados, tenho medo de fazer perícias, minha pressão sobe, estou sempre cansada e tomo remédios para dormir. Tenho vontade de desistir de tudo. Tenho medo de ser tratada como lixo novamente”.

 

Sofrimento compartilhado

 

Aos 28 anos, Leandro de Oliveira também já sabe bem o que é a batalha para conseguir atendimento no INSS. Após sofrer um AVC e perder o movimento dos braços, além de ficar de cadeira de rodas por um período, o jovem tem lutado pela concessão do Benefício da Prestação Continuada (BPC).

“Em 2020 eu sofri um AVC e tive um lado do corpo prejudicado, fiquei de cadeira de rodas um tempo e hoje em dia estou andando, mas com dificuldade pois não tenho movimento no pé e estou sem movimento no braço. Fui na perícia que estava marcada pra 8h40, cheguei às 8h15 e fiquei esperando até 10h, quando vi que tava demorando muito tinha gente chegando e sendo atendida. A moça que foi comigo foi perguntar o porquê da demora e responderam que eu seria atendido, que deveria esperar. Deu 12h, ainda não tinha sido atendido e outra vez pediram pra esperar. Após alguns minutos veio um rapaz avisar que o sistema do médico tinha caído e eu não seria atendido, que era pra ligar no 135 e pedir um reagendamento”, contou.

Acontece que pelas regras estabelecidas pela portaria nº 914, publicada no dia 9 de agosto de 2020, em caso de queda do sistema, o instituto é quem deveria fazer a remarcação para o cidadão e não o contrário. Agora, Leandro relata que tem tentado remarcar a perícia, mas sem sucesso, já que a situação é atípica.

 

O que fazer

 

Diante das dificuldades que os segurados estão enfrentando com o órgão, especialistas reforçam que procurar um advogado acaba sendo o melhor caminho.

“É um descaso tremendo do INSS, os servidores não estão nem aí para o que estão acontecendo com essas pessoas. Muitas delas estão sem receber, passando necessidades. No caso de atraso ou concessão, se o INSS está demorando muito para pagar algo que é um direito seu, sugiro buscar um advogado para entrar com um mandado de segurança, assim o instituto será obrigado a fazer o que é seu por direito. Já em caso de maus tratos na perícia, chame a polícia! Delegacia direto”, orientou o advogado César Muniz.

Para a advogada Daniela Castro, o bom tratamento com os segurados nunca foi uma prioridade:

“O INSS nunca se preocupou com o bom tratamento ao segurado. Com a pandemia, isso ficou ainda pior por causa da precariedade das perícias. Ocorrendo uma dessas situações é preciso verificar se ocorreu alguma ilegalidade. Caso o segurado entenda que teve o seu direito comprometido, ele pode procurar a ajuda da justiça para regularizar a situação”, concluiu.

Advogada Daniela Castro, especialista em direito previdenciário do escritório Vilhena Silva Advogados.

Procurado por O DIA, a Previdência Social e o INSS afirmaram que têm compromisso em prestar atendimento de qualidade aos segurados. Todos os servidores do instituto, antes de começarem a atender ao público, passam por programa de ambientação e treinamento. Por meio da Escola da Previdência, são oferecidos diversos cursos de capacitação, como Ética no Atendimento, buscando sempre garantir o melhor suporte possível aos usuários.
Segundo o instituo, do mesmo modo, são os peritos médicos federais instruídos a humanizar o atendimento e realizar o exame pericial dentro dos limites éticos da medicina. Cabe reforçar que o foco da avaliação médico-pericial não é a doença em si, mas sua repercussão no desempenho das atividades ocupacionais – o que justificaria a incapacidade laborativa.

Os cidadãos que desejarem registrar uma reclamação sobre o atendimento recebido devem ligar para a Central 135, que funciona de 7h às 22h, de segunda a sábado, para formalizar a ocorrência.

Sobre o caso específico trazido pela reportagem, a perícia médica informou que o último pedido, em maio deste ano, de Edilene tratava de prorrogação de um benefício por incapacidade temporária judicial. A segurada foi exaustivamente examinada do ponto de vista ortopédico e reumatológico e considerada apta a exercer suas atividades laborais.

A documentação médica apresentada pela paciente está adequadamente registrada em nossos sistemas. Os laudos apresentados por ela e os resultados de seus exames estão minuciosamente detalhados em seu prontuário junto à Previdência, respaldando inclusive a decisão da perícia. Por fim, o instituto informou que o relato com relação ao atendimento recebido será averiguado.

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