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‘Tenho câncer e não posso tratar’: clientes da Amil criticam troca de plano

UOL | Henrique Santiago | 06/02/2022 | Marcos Patullo e Rafael Robba

A aposentada Shirley Pinto, 61, descobriu um câncer no pulmão e diz que não está conseguindo tratar adequadamente a doença no plano de saúde da Amil por causa da saída de um hospital referência no setor. Assim como ela, outros clientes reclamam de descredenciamentos de hospitais, confusão na orientação de pacientes e dificuldade de realizar até exames rotineiros.

Segundo eles, os problemas acontecem desde o fim do ano passado, e os clientes associam tudo à transferência da carteira de planos individuais e familiares da Amil para outras empresas.

A Amil repassou mais de 330 mil planos de usuários de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná para duas empresas: A APS (Assistência Personalizada à Saúde) e o fundo de investimentos Fiord Capital.

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A APS pertence ao grupo United Health Brasil, que também é dono da Amil, e a Fiord é uma empresa fundada em novembro de 2021, um mês antes da troca de negócios.

Especialistas afirmam que o descredenciamento da rede só é possível em casos excepcionais, desde que haja substituição por opções equivalentes. A Amil negou irregularidades e disse que segue as normas da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Leia a nota da empresa mais abaixo.

 

Sem hospital, pagou exame do bolso

 

Em novembro de 2021, a aposentada Shirley Pinto, 61, descobriu que estava com células cancerosas no pulmão. Após se recuperar do baque, ela ouviu do médico que teria de retornar ao Hospital Paulistano para passar por uma biopsia guiada por tomografia.

 

Ao tentar marcar o exame por telefone, soube que seu plano da Amil havia sido excluído do hospital. Sem encontrar opções disponíveis no convênio, Shirley pagou cerca de R$ 6.000 do próprio bolso para descobrir que seu pulmão esquerdo está com adenocarcinoma, um tumor maligno, em estágio inicial.

Ela abriu uma reclamação no site da ANS. Em seguida, a Amil solicitou o envio do pedido médico, mas demorou cinco dias para responder, segundo a paciente.

Com a confirmação, Shirley deveria ser submetida a dois exames adicionais para saber se o câncer seria extraído por meio de cirurgia ou quimioterapia. Mais uma vez, tentou agendar os procedimentos na página da Amil. Sem sucesso.

A aposentada iniciou 2022 sem saber como irá tratar o câncer. É cliente da operadora há mais de 10 anos e paga mensalidade de quase R$ 1.400.

Ela foi informada da chegada da APS em 27 de dezembro, dia da biopsia, e recebeu uma carta em casa com o mesmo conteúdo em 6 de janeiro.

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Além da perda do Hospital Paulistano, outros hospitais e laboratórios foram eliminados do seu plano, como o Samaritano Paulista e o CDB (Centro de Diagnósticos Brasil).

“Estou revoltada por ser impedida de enfrentar uma uma doença contra a qual poucos têm força para brigar. Como vou guerrear se nem os exames consigo fazer?”, diz Shirley, que desembolsou mais R$ 800 para passar novamente no médico.

O Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo) recebeu 131 reclamações contra a Amil entre 1º e 18 de janeiro, nove a menos do que em dezembro de 2021. O órgão prometeu analisar a transferência de contratos para a APS.

A ANS registrou 2614 reclamações contra a Amil em janeiro, 13% a mais do que em dezembro de 2021. As críticas são voltadas para o atendimento, reembolso e gerenciamento de atividades como autorizações prévias, por exemplo.

 

Atendimento negado

 

A representante comercial autônoma Letícia Fantinatti, 55, soube que seu convênio havia sido repassado para a APS enquanto pesquisava um novo plano de saúde na internet. Um dia antes, em 20 de dezembro, ela buscou internação no Hospital Samaritano, que foi negada.

Letícia paga cerca de R$ 1.100 na mensalidade do plano da Amil Imagem: Arquivo pessoal

Letícia convive desde 2015 com falta de potássio, cuja origem não foi identificada, mas causa uma série de problemas, como cãibras, fraqueza muscular, alteração dos batimentos cardíacos e da respiração. Em uma dessas crises ela foi até o hospital, como sempre faz em situações mais graves, de três a quatro vezes ao mês.

Quando já estava na sala de triagem, foi informada que seu plano havia sido descredenciado do hospital. Ao ligar para a central de atendimento da Amil, ouviu que deveria procurar assistência no Hospital Paulistano.

Entrou em seu carro e dirigiu até lá para descobrir que também não havia atendimento disponível. “Eu queria chorar, estava em crise e não tinha potássio. Eu temia pela minha vida.”
“O aplicativo da Amil informa que posso ser atendida nos hospitais que estava acostumada a ir, mas se vou até o local me negam atendimento.”

Letícia não sabe mensurar quantos hospitais e laboratórios deixaram de fazer parte da sua rede. Não foi notificada da entrada de estabelecimentos substitutos à altura. Ela já buscou teleconsulta, só que a espera de até oito horas a desanimou. Seu convênio custa cerca de R$ 1.100 por mês.

Nas últimas semanas, entrou em contato com escritórios de advocacia para saber o que pode ser feito no seu caso. Ela pretende entrar na Justiça. “Eu não aceito essa transferência arbitrária.”

 

Exames básicos são recusados

 

 

Ana Karine de Almeida afirma que não consegue mais fazer exames de rotina Imagem: Arquivo pessoal

Ana Karine de Almeida, 41, não consegue mais fazer exames de rotina. Ela começou a suspeitar que havia “uma movimentação estranha” em novembro, quando a autorização para um procedimento demorou 20 dias. Até então, era só elogios à Amil.

Cliente da empresa há mais de 15 anos, a gerente de uma escola de idiomas optou por um plano robusto que cobre uma rede hospitalar e laboratorial de ponta na cidade de São Paulo. Mora em Barueri, na região metropolitana, e geralmente se desloca até a capital para receber atendimento médico.

“Eu pago muito caro, e meu uso é muito baixo”, resume.

Ela desembolsa aproximadamente R$ 1.800 para bancar o seu plano e o da mãe, uma idosa de 66 anos. Até agora, perdeu atendimento em sete hospitais, inclusive o único disponível em Barueri.

 

 

Reprodução de tela do app da Amil com tempo de espera acima de 45 minutos para atendimento em teleconsulta Imagem: Reprodução

 

 

Amil nega problemas

 

 

Procurada pelo UOL, a Amil disse em nota que só pôde informar seus clientes sobre a transferência à APS após a aprovação pela ANS, em 22 de dezembro. Disse também que não há irregularidades no serviço prestado aos clientes desde que passou o bastão para a operadora que faz parte do grupo United Health Brasil.

A Amil afirma ainda que as movimentações na rede credenciada seguem as normas da agência reguladora.

“A empresa reitera que não houve nenhuma modificação de rede credenciada e de contrato vigente com os beneficiários em função da transferência de carteira ocorrida no dia 1º de janeiro de 2022.”

 

O que dizem os advogados

 

O UOL conversou com os advogados especialistas em direito à saúde Rafael Robba e Marcos Patullo, do escritório Vilhena Silva, e Melissa Kanda, do escritório Farah Kanda, para responder a perguntas sobre o que os conveniados da Amil devem fazer se notarem alterações no plano de saúde. Confira as respostas abaixo:

 

Com a transferência da carteira de planos da Amil para a APS, o descredenciamento da rede da Amil pode acontecer?

 

Marcos Patullo e Rafael Robba, advogados especialistas em direito à saúde do Vilhena Silva Advogados.

A APS pratica uma conduta ilegal e abusiva ao descredenciar os hospitais. Quando o plano de saúde inclui na rede credenciada um prestador de serviço, ele cria no consumidor uma expectativa de que essa empresa que está listada ficará à disposição durante toda a vigência do contrato.

Se acontecer a substituição de um prestador de serviço, a empresa é obrigada a incluir um substituto que se equipare ao que foi excluído, ou seja, deve estar na mesma região e ter a mesma qualidade de serviço. No entanto, essa é uma medida excepcional.

Se o cliente paga para fazer exames, a Amil tem de reembolsar?

Se os exames estão previstos como de cobertura obrigatória no rol da ANS e o plano de saúde não garantiu, o beneficiário pode ser ressarcido. Isso pode ser feito por meio judicial, solicitando o ressarcimento pelos valores pagos e a manutenção da rede credenciada.

Quanto tempo a operadora tem para responder aos clientes?

Depende. Situações de urgência e emergência precisam de autorização de imediato. Cada procedimento dispõe de um prazo máximo de acordo com o atendimento que o paciente necessita. Eles podem ser vistos na Resolução Normativa 259 da ANS.

Pacientes com doenças graves têm prioridade?

Sim, porque o tratamento não pode ser interrompido e a nova operadora de saúde tem de garantir a continuidade, inclusive, no mesmo hospital. A reclamação deve ser registrada no site da ANS.

Quais outros canais devo consultar para fazer reclamações?

O consumidor pode acessar a ouvidoria da Amil e também os órgãos de defesa do consumidor. No caso dos clientes da Amil, é recomendável acessar as páginas do Procon de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Se o problema não for resolvido, é recomendável entrar com ação judicial.

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