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Artigo: Sim para químio oral

Correio Braziliense |  31.08.2021

O câncer está entre as quatro principais causas de mortes prematuras (aquelas acontecidas antes dos 70 anos) no mundo. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), são estimados, para cada ano do triênio 2020-2022, 625 mil novos casos no Brasil. O tratamento contra a doença pode ser desafiador tanto para os profissionais de saúde quanto para os pacientes e familiares. A pesquisa clínica está sempre em busca de tratamentos mais modernos que possibilitem melhor qualidade de vida e bem-estar.

Os pacientes oncológicos estavam esperançosos de ter acesso aos antineoplásicos orais, mais modernos e inovadores do que os medicamentos injetáveis, após a aprovação pelo Congresso Nacional do Projeto de Lei 6.330/2019. O texto torna obrigatória a cobertura pelos planos de saúde dos tratamentos domiciliares de uso oral contra o câncer em até 48 horas após a prescrição médica, dispensando a necessidade de realização de processo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Ele iguala os oncológicos orais com os medicamentos infusionais, que são incorporados automaticamente após registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

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O PL dependia apenas da sanção presidencial para entrar em vigor. Mas, no dia 26 de julho, o texto foi vetado. O veto presidencial alegou risco de comprometimento da sustentabilidade do mercado de planos privados de assistência à saúde, desconsiderando as vantagens que os tratamentos orais podem trazer para os pacientes e seus familiares.

Mais confortável ao paciente, em muitos casos, os oncológicos orais apresentam menores efeitos colaterais do que os medicamentos tradicionais injetáveis. Em um momento de pandemia como o que vivemos, ao permitir que o paciente faça a administração em ambiente domiciliar, seguindo as instruções do médico responsável, eles diminuem as idas a clínicas e hospitais para receber tratamento. Isso reduz, consideravelmente, o risco de exposição ao coronavírus e a outras doenças, já que o sistema imunológico desses pacientes é mais frágil. Além disso, naqueles casos em que há medicação disponível, teria ajudado a que muitos pacientes continuassem seus tratamentos, alguns abandonados justamente por medo de contraírem a covid-19.

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Também é preciso destacar que os quimioterápicos orais são um tipo de terapia-alvo e devem ser usados principalmente nos casos em que o câncer apresente alguma mutação genética. Vários tipos de câncer são atualmente tratados com medicamentos inovadores orais como pulmão, tireoide, rim, fígado, mama, melanoma e ovário, quando esses estão ligados a alguma mutação genética. Isso significa que eles não serão prescritos para todos os cerca de 50 mil pacientes oncológicos usuários de planos de saúde. É importante lembrar que a equipe de Oncologia responsável avalia as características de cada paciente e indica sempre o tratamento mais adequado para cada caso, baseado nas melhores evidências científicas.

O Projeto de Lei 6.330/2019 foi votado por unanimidade no Senado e por 398 deputados federais que disseram “sim” à quimioterapia oral. São 50 mil pacientes que podem ser beneficiados por este tipo de medicação para terem direito à qualidade de vida e chances de cura. Também é preciso destacar que o impacto da covid-19 no adiamento dos diagnósticos e tratamentos de pacientes oncológicos resultará numa epidemia de câncer nos próximos anos, já amplamente divulgada por autoridades internacionais no tema.

Um paciente que não tem o tratamento que poderia ter com avaliação de um médico especialista tem menores chances de sobreviver e maior impacto ao onerar o sistema de saúde como um todo, pois demandará mais internações, mais procedimentos de altíssima complexidade e inúmeras intervenções que custarão mais ainda aos planos de saúde. Somos campeões de ações judiciais no campo da saúde, com uma enorme quantidade de medidas judiciais que são instaladas contra os planos e a União. Estima-se que, por ano, elas custem mais de R$ 6 bilhões ao sistema como um todo. Embora a saúde suplementar cubra atualmente 24,2% da população, a judicialização é considerável, representando 40% das demandas judiciais em saúde. Atualmente, muitos pacientes recorrem à Justiça para ter acesso aos oncológicos orais.

A avaliação da ANS tem sido burocrática e ineficiente para incorporar medicamentos que já foram avaliados no mundo inteiro e já passaram pela análise da Anvisa. A inclusão de um novo medicamento no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde pela ANS pode demorar até quatro anos. Isto certamente contraria o interesse público e não condiz com o sistema de atualização da medicação endovenosa, que tem incorporação automática pelos planos de saúde, após avaliação da Anvisa. Sabemos que o câncer pode ter uma progressão rápida, então, cada minuto pode ser decisivo para o sucesso do tratamento.

Naturalmente que a discussão sobre o real comprometimento da sustentabilidade do sistema de saúde é importante e deve ser estimulada. Mas os medicamentos orais não deveriam ser discriminados, e sim analisados sob os mesmos critérios que sempre utilizamos para os injetáveis. Não existe projeto de lei perfeito, mas após dois anos de tramitação, de profunda análise e de debate no Congresso Nacional, a derrubada do veto presidencial pelos parlamentares resolverá esse impasse e trará esperança e mais qualidade de vida para os pacientes que dependem dos oncológicos orais na sua luta diária contra esse terrível mal que é o câncer.

*Médico oncologista e presidente da Aliança Pesquisa Clínica Brasil

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