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Nova Agenda Regulatória da ANS passa ao largo dos reais problemas do setor

Nova Agenda Regulatória da ANS passa ao largo dos reais problemas do setor

Jota | Sérgio Meredyk Filho | 01/11/2022

Proposta para o período de 2023 a 2025 deveria considerar a crescente judicialização de determinados temas

Recentemente, a Agência Nacional de Saúde (ANS) apresentou uma proposta de Agenda Regulatória para atuação no período de 2023-2025. Em sua quinta edição, é vista como um importante instrumento da autarquia para o planejamento regulatório que orienta e estabelece os assuntos prioritários da sua atuação, criando um cronograma para estudo de temas problemáticos da regulação em saúde suplementar, avaliando os resultados regulatórios e o desenvolvimento de estudos preliminares.

Para o próximo período, na questão regulatória, estes são os temas que até então foram escolhidos: melhoria do relacionamento entre operadoras e beneficiários; simplificação da situação do produto; mecanismo de regulação financeira; proporcionalidade na regulação de solvência e nas regras de ativo garantidor; empoderamento do beneficiário/consumidor para contratação ou troca de plano; estímulo ao desenvolvimento setorial; integração da saúde suplementar e o SUS; e transparência e qualidade de dados e informações do setor.

Apesar de serem temas relevantes, nesse cronograma é possível observar que, para os próximos três anos, a agência pretende aprimorar a regulamentação de apenas dois temas que afetam diretamente o beneficiário/consumidor, ao passo que todos os demais interessam às operadoras de saúde.

De acordo com o artigo 3º da Lei 9.961/2000, que criou a ANS, a finalidade institucional da autarquia é a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulamentação das operadoras e o desenvolvimento das ações de saúde do país. Nos próximos anos, será possível observar que, da mesma forma como ocorreu nas quatro agendas anteriores, os objetivos da ANS estão longe de serem atingidos.

Nota-se que os temas regulatórios que serão abordados não contribuirão de forma impactante no interesse público e no desenvolvimento das ações de saúde do setor, posto que os grandes problemas enfrentados pelos beneficiários/consumidores frente às operadoras continuam à margem da agência. Infelizmente, terão de ser solucionados pelo Poder Judiciário.

Conforme recente estudo do Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde (GEPS) do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, desde 2011, época em que foi criada a primeira Agenda Regulatória da ANS, até 2021, a taxa de judicialização quadruplicou no estado de São Paulo, maior Tribunal do país, sendo que as negativas de cobertura são o tema de maior relevância, representando 48,2% dos processos judiciais, seguido de reajustes de mensalidade (25,9%), continuidade do contrato para aposentados e demitidos (14,6%) e rescisão unilateral do contrato pela operadora (7,1%). Esses assuntos passam ao largo dos interesses da próxima Agenda Regulatória.

O conflito de interesses dos atores do subsistema de saúde suplementar

Quanto às negativas de cobertura por planos de saúde, tem-se que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (o rol da ANS), responsável por balizar grande parte destas, apenas recentemente foi objeto tangencial de pauta na autarquia. Ocorreu por necessidade decorrente do impulso do Judiciário e, posteriormente, do Legislativo, que publicou a Lei 14.454/22, que por sua vez altera a Lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde) e estabelece novos critérios para a solicitação de procedimentos que antes faziam parte do chamado rol taxativo da ANS, facilitando o acesso de tratamentos e procedimentos pelos consumidores.

Já quanto aos reajustes de mensalidade, tema que também ficou de fora da próxima agenda, o gargalo regulatório se concentra principalmente em duas situações: reajustes anuais dos contratos coletivos e nos reajustes por faixa etária de todos os tipos de contratos.

Quanto ao primeiro tópico, é preciso de novo regramento regulatório para a sustentabilidade dos pagamentos a longo prazo, sem a onerosidade que atualmente o beneficiário está sujeito. Além disso, há necessidade de cobrar maior transparência das operadoras e administradoras de planos de saúde quanto aos métodos e dados apurados para a fixação dos índices percentuais de reajustes anuais, que nos últimos anos têm se distanciado dos reajustes anuais aplicados aos planos individuais, estes sim com maior controle pela ANS.

Na segunda questão, o atual regramento (RN 63/03 da ANS) é ultrapassado e facilmente subjugado pelos contratos de planos de saúde, já que não impede a aplicação de altos percentuais de reajuste por faixa etária para os consumidores que estão à margem de se tornarem pessoas idosas e com iminente redução em sua capacidade laboral e geração de renda. Outrossim, o atual regramento não atende ao princípio do mutualismo atinente aos contratos de seguro em geral, onde os que menos utilizam o serviço auxiliam o pagamento dos que mais usam, tornando o alto reajuste na última faixa etária uma ferramenta indireta de expulsão do beneficiário idoso do contrato, justamente quando mais precisam.

O direito de aposentados e demitidos continuarem nos contratos de planos de saúde empresariais (artigos 30 e 31 da Lei 9.656/98), matéria que representa grande parcela das discussões judiciais, também ficou de fora da próxima Agenda Regulatória da ANS. O motivo possivelmente é o fato da antiga legislação normativa (RN 279/2011 da ANS) ter sido recentemente revogada pela RN 488/2022. Ocorre que nova resolução não colocou um fim nas principais discussões judiciais abordadas pelos consumidores sobre o tema (separação de carteiras entre funcionários ativos e inativos e a consequente diferenciação de preço e reajustes), já que o artigo 19 da nova resolução chancela a possibilidade de distinção entre funcionários ativos e inativos, algo que o STJ, em julgamento repetitivo (Tema 1.034), já afasta, conforme entendimento firmado no final do ano 2020, ou seja, bem antes do início da vigência da RN 488/2022.

A rescisão unilateral e imotivada nos contratos coletivos, matéria também em destaque no Judiciário e fora da próxima Agenda Regulatória, em regra acontece sem critérios objetivos, já que o atual regramento (RN 159/2009 da ANS) possibilita que a operadora exclua o beneficiário em qualquer momento, o que ocorre geralmente quando grandes custos são necessários, eliminando o risco de sua atividade e atribuindo o custo do tratamento desse beneficiário ao sistema público de saúde. Este regramento também necessita de atualização urgente para que a agência crie critérios objetivos para essa rescisão, de forma a desestimular o abandono do consumidor em momento de necessidade.

Também é possível fazer uma menção honrosa para a necessidade de uma nova regulamentação, por parte da ANS, para as situações de descredenciamento da rede de prestadores de serviço das operadoras de saúde. Recentemente, com as noticiadas vendas e aquisições de carteiras de clientes de planos de saúde, tem se notado uma grave alteração nos prestadores de serviço, muitas vezes com interrupção nos serviços de clínicas e laboratórios que há anos acompanhavam determinado paciente.

Por certo, a questão que hoje é abordada no artigo 17 da Lei 9.656/98 se mostra insuficiente e demanda uma melhor regulamentação para se evitar os abusos que estão sendo observados atualmente. A troca de qualquer prestador de serviços não pode refletir qualquer defasagem do plano de saúde, muito menos prejudicar o tratamento de consumidores que esteja em curso, sendo necessário que a ANS defina critérios de qualidade e de equivalência da rede assistencial, garantindo a substituição de estabelecimentos sem a perda da qualidade dos serviços prestados.

Para buscar a sua finalidade, a ANS deveria, por meio de sua atuação regulatória específica, desestimular disposições contratuais e práticas de operadoras de saúde que possam restringir direitos e obrigações do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual.

A sua Agenda Regulatória deveria analisar e considerar a crescente judicialização de determinados temas adstritos à sua jurisdição para assim os dirimir, não podendo se ater somente de forma superficial aos problemas enfrentados pelos consumidores ou somente quando incitada a regular após movimentações dos Poderes Legislativo e Judiciário.

A sua atuação deve promover, como defesa do interesse público, também a proteção do consumidor que, além de ser um dos pilares da ordem econômica, é garantia fundamental prevista na Constituição Federal. As disposições do Código de Defesa do Consumidor precisam ser observadas como parâmetro regulatório, fiscalizatório e punitivo pela autarquia, que deve exigir o cumprimento dos princípios e normas da legislação consumerista pelas operadoras de planos de saúde, inclusive por meio da incorporação de disposições consumeristas às suas Resoluções Normativas, situação que, por ora, não está ocorrendo e, ao que consta, não ocorrerá até o final de 2025.

 

SÉRGIO MEREDYK FILHO – Advogado especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados

 

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