28 jan Doenças raras: saiba se os planos de saúde podem negar o tratamento
Uma situação cada vez mais comum é a negativa de planos de saúde de custearem medicamentos e tratamentos prescritos a seus segurados. Em geral, eles alegam só ser obrigados a fornecer remédios e procedimentos que constam no rol da Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS), que estipulou uma lista do que deve ser necessariamente coberto. Quando o paciente tem uma doença rara, que exige fármacos importados, muitas vezes com valores que chegam a centenas de milhares de dólares, o quadro torna-se ainda mais complexo.
O QUE DIZ A LEI 9.656/98
Isso acontece porque a Lei 9.656/98, que obriga a cobertura dos tratamentos destinados à cura das doenças listadas na Classificação Internacional das Doenças da Organização Mundial de Saúde (CID-10), prevê uma exceção. O artigo 10º, inc. V, autoriza as operadoras a excluir alguns serviços, entre eles os “medicamentos importados não nacionalizados”. Ou seja, os tratamentos mais recentes ou inovadores, que não tiverem ainda registro em solo brasileiro por qualquer motivo, ficam a léguas de distância dos pacientes que deles necessitam, especialmente os que têm condições de saúde fora do comum e nem sempre despertam o interesse da indústria farmacêutica. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma doença pode ser considerada rara quando afeta 65 pessoas a cada 100 mil, ou seja, 1,3 a cada duas mil pessoas.
A POLÊMICA DO TEMA 990
Por conta do descompasso entre a lei e a necessidade dos pacientes, o tema tem sido de intensa judicialização tanto nas Cortes Estaduais quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em 2018, a 2ª Seção do STJ decidiu, devido aos recursos repetitivos, que as operadoras não têm a obrigação de cobrir medicamentos importados não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O Tema 990, como ficou conhecido, não acabou, no entanto, com a polêmica. ”A interpretação literal e engessada da referida decisão pode levar a enormes injustiças, dentre elas a de deixar os tratamentos de doentes raros e ultra raros fora da cobertura da saúde suplementar”, diz Marcos Patullo, sócio da Vilhena Silva Advogados.
A NECESSIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO
O Supremo Tribunal Federal parece ter entendido que há remédios ainda sem registro que podem salvar vidas. Embora ainda não tenha flexibilizado o Tema 990 para a Saúde Complementar, a Corte já fixou critérios, no Tema 500, para as decisões judiciais que versam sobre o dever do Estado de fornecer medicamentos não inscritos na Anvisa. Atualmente, há três condições para que a regra prevista pelo STJ seja posta de lado: a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultra raras); a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior, como a Food and Drug Administration; e a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
“O posicionamento que o STF firmou no Tema 500, que é destinado ao Sistema Público de Saúde, demonstra a necessidade de a jurisprudência refletir sobre aKineret flexibilização da aplicação do Tema 990 do STJ para a Saúde Suplementar, especialmente com relação ao caso dos pacientes raros e ultrarraros”, diz Patullo.
VITÓRIAS CONTRA OS PLANOS
Enquanto isso não ocorre, os portadores de doenças incomuns, ou que, embora com problemas mais recorrentes, precisem de tratamentos não existentes no Brasil, já tiveram algumas vitórias. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem obrigado planos de saúde a fornecerem medicamentos sem registro na Anvisa, apesar de haver o entendimento contrário no Tema 990. Há pelo menos quatro recentes decisões favoráveis – três da 3ª Turma e uma da 4ª Turma, nas quais os ministros flexibilizaram a questão.
Recentemente, a 3ª Turma do STJ obrigou uma operadora a fornecer o medicamento Kineret (Anankira), destinado a uma doença muito rara chamada Síndrome de Schnitzler. Com apenas 50 casos relatados em todo o mundo, ela caracteriza-se por uma urticária crônica e uma quantidade de proteínas anormais no sangue, e provoca, além de desconforto, febre e dores articulares ou dos ossos, prejudicando a qualidade de vida dos pacientes.
O relator do caso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afirmou que, em se tratando de caso de doença muito rara, “há substancial diferença material entre o caso em julgamento e os paradigmas, suficiente a amparar a necessidade de não aplicação da ‘ratio decidendi’ dos precedentes que deram ensejo ao Tema 990/STJ (distinguishing)”.
Em outro processo, a 3ª Turma também concedeu medicamento a paciente com um tipo de câncer raro (Síndrome de Sesary). No caso, o produto (Targretin, princípio ativo Bexaroteno) chegou a ter registro na Anvisa, que teria sido cancelado por mero desinteresse comercial, não por razões sanitárias, o que justificaria, segundo o relator, também Paulo de Tarso Sanseverino, uma distinção com o Tema 990.
“Todos os casos evidenciam uma questão: a falta de registro no órgão responsável não implica, necessariamente, na proibição de fornecimento do medicamento. Logo, impedir que os pacientes tenham acesso a tratamentos médicos consolidados pela comunidade científica é uma afronta e um descaso com a vida digna do cidadão, além de desnortear a finalidade dos serviços prestados pelo SUS e pelos convênios médicos”, diz Tatiana Kota, advogada do Vilhena Silva.
Assim, amparados por decisões judiciais, pacientes com doenças raras têm conseguido dar continuidade aos seus tratamentos.
Fique atento aos seus direitos. Se houver qualquer negativa abusiva por parte do seu plano de saúde, não deixe de buscar informações sobre direito à saúde.