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Plano de vacinação de SP pode levar resto do Brasil à Justiça, diz advogado

UOL | 07.12.2020

O anúncio de que o estado de São Paulo terá um plano próprio de vacinação contra a covid-19 é boa notícia para os paulistas e má notícia para o restante do Brasil. Para especialistas consultados pelo UOL, a falta de articulação da União obrigará o restante do país a esperar até dois meses pela vacina, o que deve levar à Justiça brasileiros de outras regiões do Brasil.

“Do ponto de vista científico, o ideal seria uma coordenação nacional para a distribuição das diversas vacinas que a gente talvez receba”, afirma Natália Pasternak, pesquisadora do Instituto de Biociências da USP e presidente do IQC (Instituto Questão de Ciência). “Mas está uma zona. A gente não sabe se a população de São Paulo vai ter acesso a uma vacina e o restante do Brasil, não.”

De acordo com o programa apresentado hoje pelo governador João Doria (PSDB), as primeiras doses da CoronaVac —vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan— começarão a ser aplicadas em território paulista no dia 25 de janeiro, enquanto a versão preliminar do plano nacional divulgado pelo Ministério da Saúde prevê o início da imunização a partir de março.

Rafael Robba – Advogado

A pesquisadora critica a União por ter costurado apenas um acordo para aquisição de vacina, a opção desenvolvida pelo laboratório AstraZeneca com a Universidade de Oxford, na Inglaterra, e que será produzida no Brasil pela FioCruz —ligada ao governo federal.

“O governo federal ignora a CoronaVac, que poderia ser uma vacina para o Brasil inteiro, já que o Ministério da Saúde sempre foi cliente do Instituto Butantan para a compra de imunizantes”, diz a especialista.

Para que qualquer uma das vacinas seja aplicada, é preciso autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Até agora, entretanto, nenhum imunizante tem o registro oficial.

Judicialização Sobre as implicações jurídicas de haver dois planos de vacinação em território nacional, o advogado e diretor executivo do IQC, Paulo Vitor Gomes Almeida, aposta em judicialização do tema. “Não é a melhor solução ter atendimento inicial primeiro em determinado estado, mas dado o caos político em que a gente se encontra, acabou sendo a saída”, diz o advogado.

O que pode haver é a judicialização disso. Pessoas entrarem na Justiça solicitando receber a vacina oferecida em São Paulo. Paulo Vitor Gomes Almeida, advogado e diretor do IQC “E pode haver judicialização de vacinas com eficácias diferentes”, diz Almeida sobre a possibilidade de um brasileiro exigir do Ministério da Saúde que banque um imunizante de eficácia superior oferecido em outra região do Brasil. Enquanto a vacina desenvolvida pela AstraZeneca tem eficácia média de 70% —90% com uma dose menor—, o desempenho da CoronaVac será divulgado pelo Butantan até o dia 15 de dezembro.

Na coletiva desta segunda, Doria afirmou que vai disponibilizar 4 milhões de doses da CoronaVac para estados e municípios que tiverem interesse. “As pessoas podem receber uma vacina específica e desejar outra”, diz o especialista. “É preciso uma campanha de conscientização sobre a possibilidade da imunização de rebanho mesmo com vacinas diferentes.”

Ao UOL, o advogado especialista em direito administrativo e regulatório Marcus Vinicius Macedo Pessanha já havia classificado esta situação de “caos federativo” e “caos social”. “O direito à saúde é garantido constitucionalmente como direito fundamental. Como um brasileiro de São Paulo vai poder ter acesso a um bem de saúde e outra pessoa de outro estado não? Temos aí um rompimento do princípio da isonomia”, avalia.

Estrutura do SUS Segundo Almeida, o governo paulista segue as indicações da lei 13.979, aprovada em fevereiro deste ano para auxiliar a emergência da pandemia. Ela dá a estados e municípios poder de decisão sobre medidas de combate à covid-19. “Se o governo federal não está se organizando, talvez essa seja a via mais rápida para ter vacina a curto prazo, embora não seja o ideal”, diz o especialista, que critica a ênfase do Ministério da Saúde no tratamento precoce da doença, o que não é comprovado cientificamente.

Se a estratégia do governo fosse a preocupação com o transporte refrigerado das vacinas e licitação para comprar agulha, a gente hoje estaria em situação mais confortável e poderia utilizar as duas vacinas”, afirma. “Mesmo sem volume para todos, seria possível imunizar as grandes metrópoles, principal difusor da covid-19.”

A boa notícia, diz, é que o Brasil dispõe de toda a estrutura do SUS (Sistema Único de Saúde), experiente em grandes campanhas de vacinação.

 

Mesmo São Paulo não tem a capacidade logística e expertise do SUS para fazer essa organização. O SUS tem capilaridade e vacina o ano todo. Essa estrutura seria muito mais bem utilizada se os governos estaduais estivessem atuando em uníssono Paulo Vitor Gomes Almeida, advogado e diretor do IQC.

Para o advogado especializado em direito à saúde, Rafael Robba, do Vilhena Silva Advogados, a Justiça só poderá avaliar o papel da União depois que o primeiro imunizante estiver disponível no Brasil. “De repente a União tem uma boa justificativa para começar a vacinar em março e não em janeiro, uma vez que a quantidade populacional, logística e de compra é maior e mais complexa”, diz. “Mas se a União estiver sendo omissa, a resposta do Judiciário deverá ser o de obrigá-la a disponibilizar a vacinação para toda a população.”

Pasternak insiste que, além de um plano de ação, o governo federal precisa garantir outras vacinas além da oferecida pela Oxford porque “mesmo a CoronaVac não vai dar conta de vacinar o Brasil todo”.

“O governo federal precisa fazer outros acordos bilaterais com outras empresas para garantir que a gente consiga vacinar toda a população ao longo do ano que vem”, afirma.

*Colaboração de Ana Carla Bermúdez e Felipe Pereira.



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