“É ilusório imaginar que os planos de saúde desafogam a demanda na saúde pública, uma vez que eles já negam atendimento para procedimentos mais caros, mesmo previstos em lei.”
Por: Renata Vilhena Silva
Não é necessário dizer o quanto a função de quem ocupa o posto de ministro da Saúde é importante para o povo brasileiro, já que não existe vida plena nem dignidade humana sem acesso à saúde. Ao assumir o cargo, o ministro já alertou que será impossível cumprir o que está na Constituição Federal (a saúde é um bem universal) e repactuar com a sociedade. Não acha que antes de acordar um novo pacto social e atropelar a Carta Maior, mostra-se mais prudente arrumar internamente a casa e verificar por onde escapam os 110 bilhões destinados à saúde, que não chega aos que mais necessitam?
Ao invés disso, sugeriu, como forma de amenizar os efeitos da crise na saúde, que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) adote medidas mais flexíveis para criar um plano de saúde mais acessível aos brasileiros. O ministro pressupõe equivocadamente que quanto mais pessoas têm acesso aos planos de saúde, menor será a demanda por serviços públicos.
A delirante ideia levaria a um aumento dos abusos já cometidos pelas operadoras de saúde. Outra consequência inversa ao esperado pelo ministro seria a elevação dos gastos do SUS. Isso porque é ilusório imaginar que os planos de saúde desafogam a demanda na saúde pública, uma vez que eles já negam atendimento para procedimentos mais caros, mesmo previstos em lei. Sem o atendimento esperado, a população recorre ao SUS, mais ainda do que já ocorre hoje.
O que elevaria os recursos para a saúde pública seria justamente o movimento inverso, com regras mais rígidas, mais punição e fiscalização eficientes na cobertura de serviços.
A saúde privada também se encaixa na mesma regra. Com gigantes do mercado suplementar quebrando e outras sob alienação fiscal, as operadoras ainda não perceberam que mudanças administrativo-financeiras precisam de urgência. Com o desemprego e a crescente debandada de beneficiários dos planos, é necessário que o setor priorize o paciente e melhore a transparência. Quanto mais tortuoso for o caminho para se chegar a um bom termo e a contratos equilibrados, maiores problemas as operadoras terão com as finanças, os consumidores e a Justiça. O emaranhado de questões sinaliza que o mercado está na UTI e necessita de medidas para se livrar da sua doença: as altas contas. O avanço da medicina e da tecnologia para diagnósticos encareceu demais a prestação de serviços.
E antes que o Brasil adoeça, a frase de Mario de Andrade se encaixa bem nesse momento: “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”. Avançamos pouco, quase um século depois, e como é difícil combater as saúvas que vivem subterraneamente e destroem plantações da noite para o dia, seria plausível confabular com os homens, que padecem da mesma dor quando o assunto é saúde.
*Artigo publicado na Revista ConecteInfo, Edição 14, Out/Nov/Dez 2016.