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Quando tinha 19 anos, Nínive Loriane Ferreira engravidou do namorado. Na época, ela já trabalhava na Unas Heliópolis – organização que reúne associações de moradores do bairro – e, com a carteira assinada, veio o benefício do convênio médico empresarial. Apesar da pouca idade, Nínive, já a responsável financeira pela casa onde morava com a mãe, conta que levou adiante a gravidez com muito amor e cuidado, fazendo o pré-natal no SUS, porque o plano de saúde era novo e o prazo de carência não venceria até a hora do parto. “Eu usava o convênio muito de vez em quando e só para emergências, porque sabia que para isso não havia carência”, lembra a moça, hoje com 28 anos. Por isso, não hesitou em descer do ônibus que passava próximo ao Hospital Bosque da Saúde quando, aos sete meses de gestação, começou a sentir dores muito fortes na barriga.

“Eu não sabia o que era, só sentia muita dor e sabia que não estava na hora de o bebê nascer. Então desci e fui para a emergência do hospital que estava mais próximo e que sabia que era coberto pelo meu plano”, conta. Ao examiná-la, a médica constatou que seria preciso internar imediatamente para um parto prematuro. “Ela disse que não dava tempo de transferir a gente de hospital e que nós dois corríamos risco de vida.” Nínive diz que, ao mesmo tempo, o plano não autorizou o procedimento e o administrativo do hospital informou que só internaria a gestante se ela assinasse um contrato comprometendo-se a arcar com a dívida hospitalar. “Eu não estava em condições de assinar, a essa altura minha bolsa já tinha rompido, tinha passado muito tempo; e o pai do bebê, desesperado e também sem saber o que fazer, acabou assinando por mim.

 O parto foi feito às pressas e o bebê prematuro, colocado em uma incubadora, na UTI do hospital. “Me disseram que o pulmãozinho dele não estava pronto, mas que ele ficaria bem”, lembra Nínive, que foi mandada para casa algum tempo após a cirurgia, enquanto seu filho permaneceu internado. “Eu tirava leite e ia levar pra ele todo dia, mas fui muito maltratada no hospital o tempo todo.

Ninguém falava comigo direito, não me diziam o que ele tinha. No terceiro dia, quando cheguei com o leite, fiquei sabendo que ele estava sendo transferido para o Hospital das Clínicas porque eu não tinha pago ainda nem metade dos R$ 10 mil que eles estavam cobrando até então. Eles expulsaram meu filho, tiraram da UTI e mandaram pro HC sem me avisar.”

Ela conta que o bebê foi internado no hospital público em estado grave e que após sete dias a médica a chamou e deixou segurar seu filho no colo pela primeira vez. “No dia 7 de setembro, logo depois disso, me ligaram dizendo que ele precisaria de uma cirurgia porque estava com uma infecção generalizada e que tudo aquilo estava acontecendo porque ele não poderia ter sido transferido da UTI, sem oxigênio, sem cuidado nenhum, como fizeram. Ele acabou falecendo. Era muito pequenininho, não resistiu.” Nínive conta que o choque foi tão grande e ficou tão abalada que, em luto, não pensou em tomar alguma providência contra o hospital. “Só caiu a ficha quando recebi o processo do hospital, dizendo que eu tinha que pagar a conta”, lembra.

“Aí entrei com um processo contra eles também. Eu ganhei o processo, mas eles ganharam a causa contra mim porque na época eu ainda não tinha advogado. Por causa disso, eu tenho um bloqueio na minha conta e no meu nome, não posso alugar apartamento, não posso comprar nada até meu advogado conseguir reverter a decisão. Na época eu fiquei doida, minha revolta e tristeza foram muito grandes. Eles são os culpados pelo meu filho ter morrido e ainda me processam. Esses convênios tratam a gente que nem lixo.”

Histórias como a de Nínive não são raras no universo dos convênios médicos no Brasil. Um indicador disso é que em 2017 foram julgadas mais de 30 mil ações contra planos de saúde somente no estado de São Paulo, segundo o Observatório da Judicialização da Saúde Suplementar do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. De acordo com o levantamento, o volume de decisões é o maior já registrado na história. Em 2011 foram julgadas 7.019 ações, ou seja, houve um crescimento de 329% em sete anos. O Observatório apurou também que entre 2011 e 2017 o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) julgou, em segunda instância, mais causas envolvendo planos de saúde (70.666 decisões) do que demandas relacionadas ao SUS – Sistema Único de Saúde (53.553 decisões).

A maioria das reclamações, segundo o advogado e um dos autores do estudo Rafael Robba, se refere à exclusão de coberturas ou negativas de atendimentos (40% das decisões) e o segundo motivo (24% das decisões) envolve reclamações sobre reajustes de mensalidades. No Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), por exemplo, os convênios médicos lideram o ranking de reclamações há seis anos consecutivos. O Idec não identifica as empresas nesse ranking, mas destaca que a maior parte das queixas (44,5%) está relacionada aos reajustes abusivos nas mensalidades.

 

 

O caso do arquiteto Giancarlo Morettoni Jr. se enquadra em um dos motivos citados pela pesquisa do Observatório da Judicialização. Em 2015, ele foi diagnosticado com mieloma múltiplo – um tipo de câncer de medula que afeta as células plasmáticas. Como seu plano de saúde era relativamente novo e ainda havia carência para internação, ele iniciou o tratamento quimioterápico pelo SUS. No final de 2016, necessitando de transplante de medula óssea e com as carências vencidas, buscou o procedimento pelo convênio.

“Em vez da autorização recebemos uma notificação, em maio de 2017, dizendo que o contrato estava cancelado”, conta sua companheira, Alexandra Morettoni. “Nós ficamos muito assustados, fomos buscar respostas no convênio, que nos tratou com muito descaso, dava informações vagas, quando dava, e perdemos algum tempo nisso – tempo que é muito precioso para alguém com câncer. Então, procuramos a ANS que nos informou que em casos de planos empresariais o contrato poderia mesmo ser cancelado por parte da operadora mas que ela deveria nos oferecer um plano particular sem carências. Quando alegamos isso, a operadora disse que estava com a migração suspensa e que isso se caracterizaria nova venda”. Alexandra conta que enfim a família resolveu contratar advogados, ainda que em dificuldades financeiras, e que apenas com uma liminar do juiz o tratamento continuou e o transplante aconteceu.

“Protocolamos uma queixa na ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar] e a resposta veio meses depois, apoiando o convênio. Se ficássemos aguardando, mais meses teriam prejudicado o tratamento dele. Desde o início fomos enganados, o tratamento foi protelado, meses preciosos foram perdidos por causa de respostas confusas e espera. É muito difícil para o paciente e para o responsável entenderem o processo necessário para um tratamento de mieloma múltiplo. Eu acreditava nas respostas que recebia do convênio. Quando você está há meses num hospital entre a vida e a morte, inconsciente, ou acompanhando alguém nessa situação, não tem a menor chance de verificar tecnicamente se o que estão fazendo é certo ou errado, não é tão simples. A atuação dos advogados foi fundamental. Nós não conhecemos nossos direitos, mas os convênios conhecem e os driblam muito bem.”

O advogado Leandro Souto da Silva, que atuou no processo de Giancarlo e tem experiência em casos parecidos, diz que a judicialização é tão forte que já existem entendimentos formados sobre diversas matérias relacionadas aos planos de saúde. “O Tribunal de Justiça de São Paulo tem súmulas de entendimento sobre convênios, o STJ também. Quando a gente parte para o tribunal, já vai geralmente com algum precedente porque já existem entendimentos-padrão para as reclamações. Em alguns casos, o convênio até tenta fazer um acordo, mas geralmente eles levam até o fim. É curioso porque, se você pensar em telefonia, TV a cabo, celular, se você pede para fazer portabilidade para outra operadora, a sua operadora entra num desespero enorme para te manter. O convênio não. Se você pede para mudar para outra operadora, ele nem te procura, tanto faz, ele sempre vai ter alguém. Porque é muita gente, porque é um mercado que movimenta muito dinheiro, mas principalmente porque eles têm um respaldo que vêm de cima.”

 

Para compreender melhor essa sensação de que “convênio pode tudo” e de onde vem esse “respaldo”, é preciso falar em números grandiosos. Hoje, no Brasil, mais de 47 milhões de pessoas utilizam planos de saúde empresariais ou particulares.

Isso corresponde a quase um quarto da população. São 779 operadoras no país que movimentaram mais de R$ 170 bilhões em 2017, segundo a ANS. Só para ter uma ideia, no mesmo período, o governo federal brasileiro disponibilizou R$ 125,3 bilhões para o Ministério da Saúde, R$ 44,7 bilhões a menos – lembrando que 70% da população brasileira depende exclusivamente do SUS. Ainda de acordo com o IBGE, em 2015, 9,1% do PIB foram gastos com saúde no país. Desse valor, 3,9% foram gastos públicos e 5,2%, privados. Ou seja: atualmente a saúde suplementar no Brasil, responsável por cerca de 30% dos atendimentos, movimenta mais verbas do que a saúde pública gratuita e universal, responsável pelo atendimento a 70% da população e, ainda, por uma atenção básica que envolve vacinas e prevenção que atende também os usuários de planos. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalmente decidiu que os planos de saúde devem pagar ressarcimento ao SUS quando encaminham pacientes à rede pública – uma briga antiga que já acumula mais de R$ 5,6 bilhões em dívidas. Para além disso, é válido lembrar que uma das primeiras medidas de Michel Temer ao assumir a Presidência em 2016 foi propor e aprovar a PEC 241, conhecida como a PEC do Teto de Gastos, que entre outras coisas limita os investimentos em saúde durante os próximos 20 anos.

Além do grande volume de dinheiro que o mercado dos planos de saúde movimenta, sua proximidade com as esferas de poder através de redes de influência e lobbies é muito forte e existe desde a criação da primeira lei, que completa 20 anos este ano, como explica o professor e pesquisador da Faculdade de Medicina da USP Mário Scheffer, que também faz parte da diretoria da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco): “Os planos ficaram muito tempo sem regulamentação. Dez anos depois da lei do SUS, só em 1998 é que se fez a primeira regulamentação, que foi a Lei 9.656. Era uma terra de ninguém, um livre mercado, e houve uma grande conjunção de interesses naquele momento, entidades de defesa do consumidor, pacientes com patologias que eram excluídas dos planos, como aids, doenças renais crônicas, os médicos insatisfeitos com a baixa remuneração, o SUS querendo ressarcimento. Então, na década de 1990 foi possível uma coalizão de interesses por uma regulamentação, mas ela chegou muito ruim, é cheia de falhas. De alguma forma definiu padrões de cobertura, critérios, garantias, estipulou ressarcimento ao SUS – que nunca foi de fato cumprido – e posteriormente criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar, em 2000. Essa legislação sofreu muito com o lobby das operadoras.”

ANS, agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde responsável pela “criação de normas, o controle e a fiscalização de segmentos de mercado explorados por empresas para assegurar o interesse público” – como explica seu site –, tem sido criticada por órgãos como o Idec e a Abrasco desde sua criação. “A ANS vai fazer 18 anos e é uma agência que desde sua primeira gestão é contaminada, capturada por interesses desse mercado que deveria regular. Esse é um grande problema que explica essa insatisfação generalizada e práticas abusivas que não são solucionadas. Me parece que a regulação é fraca e a ANS tem demonstrado uma posição muito mais favorável ao mercado do que a dos usuários e consumidores”, explica Scheffer. “E isso desde o começo. A Solange Beatriz Palheiro Mendes, que foi diretora de 2000 a 2004, havia passado antes pela Superintendência de Seguros Privados [Susep], onde foi diretora de 1995 a 2000; hoje é a presidente da Fenasaúde, entidade representativa de planos de saúde. Teve o Maurício Ceschin, que exerceu a Superintendência Corporativa do Hospital Sírio-Libanês e foi presidente executivo da Qualicorp e, em seguida, foi diretor presidente da ANS de 2009 a 2012. Em 2014 ele retornou como CEO da Qualicorp.

Hoje ele preside a Mantris, empresa de gestão em saúde corporativa. No governo Dilma, o José Carlos de Souza Abrahão foi presidente da ANS de 2014 a 2017. Antes, foi presidente da Confederação Nacional de Saúde [CNS], que representa hospitais e planos de saúde e autor da Adin contra o ressarcimento ao SUS pelos planos de saúde que agora finalmente o Supremo resolveu e disse que o ressarcimento ao SUS é constitucional. Isso falando apenas do primeiro escalão.

Se pegar a porta giratória no segundo escalão, a lista é interminável. Essa é uma história que vem de longa data, passa por vários governos”, afirma. A advogada e pesquisadora do Idec Ana Carolina Navarrete segue no mesmo tom: “O Idec tem uma publicação de 2007 em que já apontava vários problemas na agência, sobre os planos individuais sumirem [hoje representam cerca de 20% do mercado], sobre os reajustes abusivos nas mensalidades. Tudo isso já estava apontado, e a gente não viu uma tomada de decisões que afastasse essas ameaças, muito pelo contrário. A gente percebe um silêncio da ANS que agora está lidando com um acórdão do TCU indicando a possibilidade de extorsões e abusos. Planos individuais estão rareando, e a ANS está permitindo que pessoas físicas contratem planos como se fossem coletivos. A pauta regulatória tem ido na direção oposta da proteção ao consumidor.” Ana Carolina se refere ao relatório divulgado recentemente pelo Tribunal de Contas da União (TCU) que mostra que a ANS não tem mecanismos eficientes para evitar aumentos abusivos nas mensalidades dos planos de saúde. Desde sua criação até 2017, as mensalidades dos planos foram reajustadas em 40% acima da inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços Ao Consumidor).

No ano passado, os contratos individuais foram reajustados em 13%, enquanto a inflação foi de cerca de 3%. A ANS estabelece um teto de reajuste de 13,55% apenas para planos individuais, que hoje são raridade no mercado e correspondem a 20% dos planos. Os outros 80% estão em planos empresariais, coletivos ou por adesão, que podem ser reajustados de forma livre. Após a divulgação do relatório do TCU, o Idec entrou com uma ação civil pública (ACP) no dia 7 de maio para pedir a suspensão do aumento anual das mensalidades dos planos e a revisão da fórmula de cálculo. No site do Idec se diz: “Caso a revisão dos valores aconteça em 2018, mais de 9 milhões de usuários de planos individuais e familiares serão afetados, ou seja, cerca de 20% dos consumidores do serviço assistencial terão que pagar valores abusivos calculados de forma inapropriada”.

E a ACP pede que “A agência só aplique a metodologia este ano quando corrigir o que está em duplicidade; o Judiciário reconheça a ilegalidade dos reajustes autorizados pela agência reguladora de 2009 em diante; a ANS divulgue em seu site e em jornais de grande circulação o reajuste como deveria efetivamente ter sido aplicado, para que os consumidores saibam o que pagaram a mais; a agência compense os reajustes a mais com descontos nos percentuais de aumento dos próximos três anos; o órgão regulador pague uma indenização por danos coletivos ao Fundo de Direitos Difusos”. Em resposta ao relatório do TCU, a ANS enviou nota por e-mail dizendo: “O acórdão do TCU citado não apontou nenhuma ilegalidade relacionada ao reajuste máximo dos planos individuais ou familiares definido em anos anteriores. As recomendações emanadas pelo órgão buscam aprimoramentos metodológicos e de procedimentos, estando em linha com o desejo da própria ANS de melhorar seu processo regulatório, conforme ampla discussão social iniciada no Comitê de Regulação da Estrutura dos Produtos. Por esses motivos, a ANS vem trabalhando para aprimorar a metodologia de cálculo do reajuste dos planos individuais ou familiares”(Leia aqui a nota na íntegra)

 

Há poucos dias, o TCU rejeitou recurso da ANS contra decisões da Corte relacionadas à fiscalização dos mecanismos de reajuste dos planos de saúde. A agência opôs embargos de declaração pedindo a anulação das determinações sob alegação de obscuridade e contradição nas decisões dirigidas à autarquia. Como o pleito não foi aprovado, ela deverá atender às determinações do Tribunal em 180 dias.

Marcello Fragano Baird, cientista político da Universidade de São Paulo, pesquisador e autor da tese “Redes de influência, burocracia, política e negócios na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)”, explica que a partir de 2010 a ANS começa a ter em sua composição pessoas mais ligadas ao mercado, empresários e liberais: “Essa tendência vai se reforçando e tem muito a ver com a crescente força do PMDB no governo. O PMDB começa a ganhar força no governo Dilma e a presidente começa a ceder as indicações, principalmente para o PMDB no Senado, liderado pelo Renan Calheiros, que começam a dominar as indicações para a agência”. Apesar disso, Baird diz que, olhando para os dados e decisões tomadas dentro da ANS, não conseguiu identificar uma mudança muito grande de comportamento. Ele defende que a força maior do mercado de planos de saúde tem mais a ver com uma legislação malfeita e com os lobbies no Congresso: “Eu acho que tem a ver com duas coisas: por um lado, a legislação de 1998, que não previu que o mercado, para evitar a regulação mais forte sobre os planos particulares, começaria a incentivar os planos coletivos, que não têm o mesmo grau de proteção ao consumidor – e aí, hoje, você praticamente não consegue fazer um plano individual, e, se você não faz parte de nenhuma empresa, abriu uma nova frente de crescimento que são as administradoras de benefícios como a Qualicorp, que deixam o consumidor mais desprotegido porque podem ser cancelados e reajustados de forma mais livre. E também com os lobbies dentro do Congresso. O mercado tem sido beneficiado por muitas medidas no Congresso.

Só no governo Dilma teve mudança na base de cálculo de PIS e Cofins que gerou em torno de R$ 4 bilhões para as empresas e se possibilitou o investimento do setor estrangeiro no setor de saúde no Brasil, com participação direta, controle de empresas de capital estrangeiro na saúde. Isso a despeito do veto parcial da AGU [Advocacia-Geral da União] por considerá-lo inconstitucional”. Ainda assim, o pesquisador se diz crítico à ANS: “Não fiscaliza como deveria, não consegue arrecadar os recursos que deveria. Se você for olhar os números de multas não pagas, os reais dados de dívida ativa de empresas junto à ANS, é impressionante. Está longe de ser uma agência regulatória que proteja o consumidor”.

 

Sobre os financiamentos de campanha, o levantamento “Representação política e interesses particulares na saúde – A participação de empresas de planos de saúde no financiamento de campanhas eleitorais em 2014”, de Mário Scheffer e Lígia Bahia, traz dados impressionantes: em 2002, o mercado de planos de saúde deu R$ 1,7 milhão aos candidatos e, já em 2014, esses valores chegaram a quase R$ 55 milhões. O estudo revela que o apoio financeiro dos planos de saúde contribuiu para eleger a presidente da República, três governadores, três senadores, 29 deputados federais e 24 deputados estaduais e mostra que outros 71 candidatos a cargos eletivos receberam doações, mas não se elegeram.

“As maiores doadoras em 2014 foram a Amil (R$ 26.327.511,22), seguida da Bradesco Saúde (R$ 14.065.000,00), da Qualicorp (R$ 6.000.000,00) e do grupo Unimed (R$ 5.480.500,00)”. Mostra ainda que o grande destaque nas doações a candidatos nas eleições de 2014 foi a Amil, do ramo da medicina de grupo, doadora de R$ 26.327.511,22, o que representa 48% do total das doações dos planos saúde. Nas campanhas a governador em 2014, o maior beneficiado teria sido Geraldo Alckmin, com doação de R$ 1.633.400,69 da Amil. O maior doador individual da campanha do ex-ministro da Saúde de Temer Ricardo Barros a deputado federal pelo Paraná em 2014 também veio do mercado de planos de saúde, através da doação de Elon Gomes de Almeida, que é sócio do Grupo Aliança, uma administradora de planos de saúde.

“No governo Temer, o que a gente tem é um assanhamento, uma maior intimidade desses interesses primeiro com o Executivo. O ministro Ricardo Barros parecia mais um consultor de negócios dos planos de saúde do que ministro. Montou um grupo de trabalho para propor planos acessíveis, que era uma reivindicação do mercado, criar produtos mais baratos, piores e com menor cobertura – e que o novo ministro, Gilberto Occhi, já disse concordar. O que aconteceu nesse caso foi que, com a crise, esse mercado perdeu muitos clientes, principalmente de funcionários que perderam o plano junto com o emprego, e houve essa reivindicação por parte das operadoras de planos de saúde. E o Ministério de Saúde encampou isso. O grupo de trabalho foi totalmente composto por seguradoras. E essa proposta foi para a ANS, que meio que validou, fez um relatório bastante favorável”, diz Scheffer.

Mas a situação dos usuários de planos de saúde ainda pode piorar, explica Ana Carolina Navarrete. “No ano passado, nós ficamos atentos a um projeto de lei que é um verdadeiro pacote de vulnerabilidade, desde criar entraves para o consumidor levar os processos para a Justiça até reduzir cobertura, limitar atendimentos de urgência e emergência para planos hospitalares ou de referência… Ele está parado atualmente, creio que por ser ano de eleições, mas é preciso ficarmos atentos”, alerta. Scheffer acrescenta: “É uma lei com inúmeros retrocessos e que piora muito tudo isso, todas as brechas que já existem. Foi uma comissão montada em 2017 em caráter de urgência com poucas audiências públicas, a maioria com a participação das operadoras, e isso culminou, no fim do ano, com um relatório. O relator é o mesmo da reforma trabalhista, que é o Rogério Marinho. Como houve uma grande mobilização, ela parou, mas ainda há um fantasma rondando. É uma lei que do começo ao fim pende aos interesses das empresas. A previsão da aprovação em plenário não deve acontecer em ano eleitoral, mas, se colocarem em votação, a chance é alta. Se existe uma sensação de que convênio pode tudo, se essa lei for aprovada, pode piorar muito.”

Fonte: Agência Pública

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Imagine que você vive num mundo ideal onde a educação e a saúde da população são prioridades dos governantes e a gestão dessas áreas é controlada e tem distribuição adequada de recursos para que todos encontrem a plenitude. Sim, esse mundo existe numa república muito, muito distante: a Finlândia. Read more »

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Entidades de defesa dos direitos do consumidor criticam as mudanças estudadas pelo governo para cobrar franquia e coparticipação em consultas e exames. Elas dizem que as empresas estão culpando injustamente os clientes pelos problemas do setor, que o desperdício de recursos precisa ser resolvido pelas próprias operadoras e que as cobranças podem prejudicar a prevenção e o diagnóstico precoce de doenças.

O governo estuda criar regras sobre a oferta de planos de saúde com franquia, de forma semelhante a um seguro de carro. Para usar o plano, o cliente teria que pagar um valor adicional, além das mensalidades. Também seria regulada a coparticipação, que significa pagar uma parte de consultas e exames (vários planos já fazem isso, mas não existe uma regulação formal).

 

Todas as mudanças só valeriam para novos contratos. Os atuais planos não teriam alterações.

 

 

A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), agência reguladora do setor, e as operadoras de saúde dizem que as regras vão suprir lacunas na legislação, reduzir o valor das mensalidades e diminuir o desperdício de recursos com consultas e exames feitos sem necessidade. As empresas são contra limitar o valor das cobranças e oferecer um pacote mínimo de serviços grátis.

 

Ninguém faz exame só porque quer, diz Idec 

 

Para o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), é importante que o consumidor tenha consciência dos custos do serviço de saúde, mas ele não é culpado pelo desperdício. O poder do consumidor de acionar os serviços de saúde por iniciativa própria, diz o instituto, é restrito a consultas e a alguns exames. Procedimentos mais caros e internações em hospitais são sempre feitos a pedido do médico.

Ninguém faz um exame, uma tomografia, por exemplo, porque quer. Faz porque o médico pediu, diz Ana Carolina Navarrete, advogada do Idec especializada no setor.

“Quem procura o médico está numa situação de vulnerabilidade porque tem algum problema de saúde e precisa dele. Se o profissional diz que você deve fazer determinado exame, como você pode responder que não? Que conhecimento técnico você tem para recusar?” Ana Carolina Navarrete, advogada do Idec.

Rodrigo Serra Pereira, coordenador do Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do estado de São Paulo, diz que podem existir casos de clientes que fazem exames e consultas sem precisar, mas essa não é a regra. Segundo ele, o “argumento das empresas é só retórico”

“É fácil jogar a culpa na parte mais fraca”, diz. “Mas o problema é outro, pode ser a má gestão das operadoras, por exemplo, ou as relações entre elas, os médicos e os hospitais, que são complexas. Não é o consumidor.”

A necessidade de as operadoras terem uma melhor gestão também é citada pelo advogado Rafael Robba, especialista em direito à saúde. “A utilização indevida dos serviços é um risco ao qual as operadoras estão sujeitas, mas existem outros mecanismos eficazes para diminuir esse gasto, sem ser a cobrança de franquia, como as auditorias, por exemplo”.

 

Prejuízo à prevenção de doenças

 

O Idec e o núcleo da Defensoria afirmam que as cobranças podem ter um efeito negativo na saúde dos beneficiários dos planos de saúde porque eles não deixariam de usar só serviços desnecessários – deixariam de usar tudo. “Isso acaba retardando o diagnóstico de doenças e prejudicando a prevenção”, afirma Pereira.

A ANS diz que as normas vão contemplar um pacote mínimo de consultas e exames isentos de franquia e coparticipação, o que pode evitar ou amenizar o risco para a prevenção. Também deve ser estabelecido um limite mensal e anual no valor da franquia, para “proteger a exposição financeira do beneficiário”, segundo a agência.

As operadoras são contrárias ao limite e ao pacote mínimo por entenderem que o mercado de planos de saúde é capaz de se regular sozinho, com a competição entre as empresas.

Navarrete, do Idec, diz que essa ideia de autorregulação funciona em alguns mercados, mas não no de saúde, devido ao fosso entre o acesso das empresas e dos consumidores à informação. “A assimetria entre o consumidor e o plano de saúde é muito grande. A empresa sabe tudo. Sabe o que está vendendo e sabe quais são os preços de cada procedimento”, diz. “O consumidor não tem o mesmo nível de informação técnica.”

 

Planos podem ser negativos para idosos e doentes crônicos

 

Um ponto positivo das normas em estudo, segundo Pereira e Rafael Robba, é que elas vão criar regras mais claras para práticas que já existem no mercado. Tanto a franquia quanto a coparticipação estão previstas em resolução da ANS desde 1998, mas nunca haviam sido regulamentadas. Embora a franquia, em geral, não seja adotada, a cobrança da coparticipação já acontece em diversos planos.

Caso as novas regras sejam confirmadas, os especialistas orientam o consumidor a obter o máximo de informação possível sobre os custos envolvidos em cada plano oferecido pelas operadoras.

Para idosos e pessoas com doenças crônicas, o cuidado deve ser redobrado, já que a cobrança da franquia e da coparticipação com o uso frequente do plano de saúde pode compensar eventuais quedas nas mensalidades, jogando para cima os gastos totais.

 

Fonte: Portal Uol | Economia

Sistema de franquias parte de uma distorção e pode provocar um êxodo no mercado de planos de saúde

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Se aprovada a resolução, mais uma vez, as operadoras serão beneficiadas em detrimento do consumidor.

Por: Renata Vilhena Silva

Imagine que você vive num mundo ideal onde a educação e a saúde da população são prioridades dos governantes e a gestão dessas áreas é controlada e tem distribuição adequada de recursos para que todos encontrem a plenitude. Sim, esse mundo existe numa república muito, muito distante: a Finlândia.

Assim como no Brasil, o sistema público de saúde (80% financiado pelo governo), é universal e qualquer pessoa que tiver o seu seguro social pode usufruir dele. Nem tudo é gratuito, alguns serviços são cobrados e têm preços acessíveis, mas ninguém deixa de ser atendido por não ter dinheiro. Além disso, o país tem um dos mais altos IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – do mundo, com ótima renda per capita. O sistema descentralizado de saúde finlandês, em que cada município possui autonomia para decisões, funciona tão bem que a aprovação da população é alta e só 10% dos médicos optam por só trabalhar na rede privada, o inverso do que acontece aqui.

Voltando a atenção para o Brasil, temos no âmbito público o SUS, Sistema Único de Saúde, e um conglomerado de operadoras, no âmbito privado, que passou a ser regido pela lei 9656/98, criada para regulamentar o setor de assistência à saúde. Como o SUS não atendia adequadamente a população, o consumidor com algum poder aquisitivo teve a liberdade de escolher qual o plano ou seguro mais adequado ao seu perfil. De lá para cá, com a ineficiência da ANS, Agência regulatória, os empresários nadaram de peito, enriqueceram com práticas abusivas e o beneficiário foi ficando refém do sistema, tendo que brigar na Justiça para fazer valer seus direitos.

A franquia é filha da crise e suas repercussões

A crise das instituições brasileiras acirrou o problema e o desemprego gerou uma debandada dos que não podiam mais pagar por seus planos. Quase três milhões de pessoas voltaram a utilizar o SUS nos últimos três anos. Diante disso, as operadoras, que se recusam a vender planos individuais, lançaram outra ofensiva: a comercialização dos planos com franquia e coparticipação. Embora guardem semelhanças, a franquia funcionaria como a do seguro de um carro, em que o cliente paga até um valor estipulado, caso necessite de procedimentos, e a operadora paga a conta restante. Já no sistema de coparticipação, haveria uma distribuição dos gastos entre a operadora e beneficiário, que arcaria com até 40% das despesas.

Mesmo que tratamentos com radioterapia, quimioterapia, hemodiálise e doenças crônicas e, ainda, a realização de alguns exames preventivos e o pré-natal estejam, em tese, isentos; todo o risco do negócio ficaria a cargo do consumidor, já que é impossível prever, por exemplo, o risco de uma internação hospitalar. Não nos esqueçamos que o direito à saúde é fundamental e que não é possível escolher se vamos usar ou não o plano. Como ficaria o caso de uma mulher, com menos de 30 e histórico de câncer de mama na família, se o protocolo recomenda a mamografia após os 40? Ela teria de esperar dez anos?

A saúde é um bem indisponível e vem sendo tratada como se fosse um carro, no caso dos contratos com franquia. Além disso, o plano ficaria isento da responsabilidade do custeio no primeiro ano e o beneficiário pagaria as mensalidades para só ter direito à cobertura no segundo ano. 

Nesse tipo de contrato de adesão, também está prevista uma simulação dos custos e isto é impensável no Brasil, a menos que estivéssemos mais evoluídos, como acontece em outros países onde o consumidor paga pelo pacote que a doença abarca.

Muitos itens da proposta de resolução merecem atenção máxima porque ela sugere o reajuste das mensalidades, percentuais do teto e tipos de procedimentos, mas o reembolso e a tabela de honorários médicos permanecem congelados.

Cogitações à parte, a aprovação das novidades deve acontecer ainda este ano e, o mais grave: os órgãos de defesa do consumidor foram alijados da discussão e não tiveram acesso ao texto que está em aprovação na ANS. Embora a nova medida não afete os contratos antigos, há o risco de os planos coletivos serem atingidos.

Representantes das entidades de classe, como a ABRAMGE, Associação Brasileira de Planos de Saúde, e a FenaSaúde, Federação Nacional de Saúde Suplementar, são contrárias à criação de pacotes mínimos de exames e consultas gratuitos, defendem absurdos e falam impropérios como: “as pessoas deixarão de usar o plano perdulariamente” (José Chechin) e “queremos que o cliente participe do processo e questione o médico” (Marcos Novais).

Quem, em sã consciência, usa um plano por diversão ou como se estivesse fazendo compra em um shopping? Dizer isto é desrespeitar o cliente, chamando-o de esbanjador, e, também, desrespeitar o médico, sugerindo que ele esteja pedindo exames em demasia e que o paciente duvide da sua conduta. Se há corrupção e esta desconfiança ronda o mercado, há formas investigativas e punitivas de combatê-la, inclusive na Justiça.

Com certeza, a saída não é criar novos planos para, mais uma vez, sacrificar o consumidor e favorecer as operadoras. A medida deve provocar mais um grande êxodo por impossibilidade de pagamento da franquia. Distorções como esta criaram raízes desde que o governo financiou o surgimento das operadoras, negligenciado a saúde e, de certa forma, para se eximir de responsabilidades com seus cidadãos.

O que os bancos e os planos de saúde têm em comum?

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Enquanto muitos são duramente penalizados em tempos de crise, alguns poucos lucram com ela e se mostram vitoriosos com a desgraça ou dor alheia.

Por: Renata Vilhena Silva

Ouvindo uma análise da jornalista Maria Cristina Fernandes sobre a alta lucratividade dos bancos brasileiros, na rádio CBN, pude estabelecer um paralelo com a área da saúde. Na entrevista, a jornalista apontava a falta de agências regulatórias e controle das atividades das cinco maiores instituições financeiras nacionais que agem ao bel-prazer há décadas, cobrando taxas absurdas de manutenção de contas, operações e, especialmente, empréstimos dos endividados e desempregados.

Parece que a falta de normatização e fiscalização é a raiz de muitos problemas que assolam o País e favorecem a judicialização. Pensemos na aplicação indiscriminada de juros bancários altos, acima da inflação, sem que o governo tome providências em defesa do consumidor. E o que isto tem a ver com os aumentos abusivos dos planos de saúde?

A regra do vale tudo também se estende ao setor da saúde e as operadoras aplicam os aumentos que desejam, mesmo que cheguem a porcentagens estratosféricas, como quase 50%, especialmente quando o beneficiário tem mais de 59 anos (já são 6,3 milhões de pessoas nessa faixa etária). Quem, se ainda estiver trabalhando aos 60, tem aumento salarial proporcionais? Nem mesmo os mais jovens dariam conta de pagar por um reajuste tão alto. Onde está a agência reguladora, criada para estabelecer regras e coibir abusos?

Os índices brasileiros de inflação no mês de março de 2018 apontam uma queda significativa em vários setores, como o da alimentação. O único que não para de crescer é o da saúde e cuidados pessoais. Parece ironia, mas a doença e a crise, promovem lucros aos donos de operadoras que, ignorando o desempregado, a dificuldade de seus clientes em pagar as mensalidades, não deixam de aplicar reajustes impensáveis. Isto acarretou a perda de 2 milhões de pessoas e, mesmo assim, não houve acordos ou jogo de cintura para baixar os preços.

Em agosto de 2017, o STJ, Superior Tribunal de Justiça, julgou os embargos que pleiteavam o mutualismo ou a responsabilidade compartilhada entre as partes, entendendo que “O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.”

Os três requisitos cumulativos contemplam, ainda, a legislação consumerista e o Código de Defesa do Consumidor, o respeito às normas dos órgãos governamentais reguladores e o Estatuto do Idoso. “É por isso que a abusividade dos percentuais pode ser controlada”, reza a sentença, que também citou o Instituto de Estudos em Saúde Suplementar, IESS: “… não pode ser onerado em demasia o consumidor, nem discriminado o idoso pelos reajustes por mudança de faixa etária…”.

Embora não seja este o entendimento dos órgãos de defesa do consumidor, o STJ destacou que os requisitos precisam estar claros e ser cumulativos, para a caracterização de abusividade, sem estabelecer qual seria a porcentagem razoável de aumento ou um teto para ele. É por isso que a abusividade DEVE ser controlada e que a sociedade civil tem de vigiar seus governantes e instituições. 

O Tribunal de Justiça de São Paulo também já julgou vários recursos repetitivos. O debate sobre o tema exige mais exaustão e ideal seria que a jurisprudência fosse unificada para que os consumidores e juízes fossem poupados dos mesmos descalabros. Só assim, os beneficiários não seriam “onerados em demasia”, como reza a sentença.