Os planos de saúde não podem se valer de cláusulas contratuais que afrontam a legislação vigente para negar cobertura a um tratamento que foi prescrito pelo médico, uma vez que, se o contrato prevê cobertura para a doença, não pode restringir a cobertura do tratamento daquela doença, sob pena de afrontar a boa-fé contratual.
Por: Barbara Areias Rezende
O dia 27 de julho é reconhecido como o Dia Mundial do Câncer de Cabeça e Pescoço. Em virtude disso, ao longo de todo o mês, foi divulgada a Campanha Julho Verde, cujo objetivo é conscientizar a população sobre a prevenção e o combate a esta doença, haja vista que, segundo estimativa do INCA (Instituto Nacional do Câncer), o câncer de cavidade oral, que integra os tumores que afetam a cabeça e o pescoço, é um dos mais frequentes entre os brasileiros.
É inegável que o combate à doença deve ser uma realidade a toda a população. Contudo, faz-se necessário evidenciar a situação daqueles que já sofrem com este mal, que, além da angústia do diagnóstico, muitas vezes se veem impedidos de iniciar o tratamento médico em virtude da negativa de cobertura de seu plano de saúde.
Pode parecer uma incoerência, mas as Operadoras de Saúde, atualmente, desconsideram completamente a prescrição médica de seus beneficiários e pautam suas condutas por meio de cláusulas contratuais abusivas, que impõem ao consumidor uma desvantagem exagerada, conduta totalmente vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.
Há que se destacar, ainda, que a Lei 9.656/98, que regulamenta os planos de saúde, possui um rol de coberturas mínimas obrigatórias, dentre as quais se inclui o tratamento oncológico. No entanto, basta fazer uma pesquisa rápida entre os diversos pacientes portadores de câncer para concluir que, ainda assim, as Operadoras negam cobertura para o tratamento de tais doenças.
A título de exemplo, verifica-se que, no caso dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço, a negativa de cobertura se mostrou muito recorrente com a radioterapia IMRT. Isso porque, de acordo com as justificativas apresentadas pelas Operadoras de Saúde, este tratamento não constava no rol de procedimentos formulado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, o que permitia, em tese, a recusa no custeio dessa terapêutica.
Em razão de tantas negativas, os pacientes não tiveram outra saída senão recorrer ao Poder Judiciário, que, na grande maioria de suas decisões, reconheceu a abusividade das Operadoras de Saúde.
No caso do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, especificamente, foi editada a súmula n.º 102, na qual evidenciou a abusividade de negativa de cobertura pautada na ausência de previsão no rol de procedimentos da ANS, vejamos:
Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.
É certo dizer que o número crescente de prescrições médicas de radioterapia IMRT para os pacientes com neoplasia de cabeça e pescoço impulsionou certamente a discussão sobre a comprovada eficácia deste tratamento, sendo que, no ano de 2014, após análise de um grupo técnico, a ANS incluiu este procedimento em seu rol de coberturas obrigatórias para os planos de saúde.
Frisa-se que, muito embora esta terapêutica tenha sido reconhecida pela comunidade médica como eficaz ao tratamento do câncer de cabeça e pescoço, muitos pacientes ainda sofrem com negativas abusivas, pautadas, principalmente, em cláusulas contratuais firmadas antes da vigência da Lei 9.656/98.
Isso porque, conforme redação do próprio site da ANS, e justificativas adotadas pelas Operadoras de Saúde, a cobertura de um procedimento constante no rol desta Agência Reguladora é obrigatória apenas para os beneficiários de planos de saúde contratados a partir do ano de 1999, data em que a Lei que regulamenta este benefício entrou em vigência.
Mas o que dizer àqueles pacientes idosos, que contribuem com o plano de saúde de saúde há mais de 20 (vinte) anos e, quando se veem diagnosticados por uma doença tão grave, tomam conhecimento que sua assistência médico-hospitalar não cobrirá o tratamento que foi prescrito por seu médico?
Ora, resta evidente que as negativas contratuais pautadas neste argumento são deveras abusivas, e prova disso é a postura que vem sendo adotada pelos Tribunais Brasileiros, que, ao analisarem a situação fático-normativa destes casos, reconhecem a obrigação das Operadoras de Saúde custearem o tratamento dos beneficiários.
Além disso, as Operadoras de Saúde não podem se valer de cláusulas contratuais que afrontam a legislação vigente para negar cobertura a um tratamento prescrito pelo médico assistente do paciente, uma vez que, se o contrato de plano de saúde prevê cobertura para a doença, não pode restringir a cobertura do tratamento daquela doença, sob pena de afrontar a boa-fé contratual.
Portanto, conclui-se que o acesso ao tratamento médico, seja ele previsto no rol de procedimentos da ANS ou não, deve ser garantido ao beneficiário, com fulcro no Princípio da Dignidade Humana e no acesso ao Direito à Saúde, atrelada às Disposições do Código de Defesa do Consumidor, Lei 9.656/98 e Resoluções Normativas editadas pela própria Agência Reguladora de Saúde Suplementar.