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Com o propósito de regulamentar o setor, a chamada lei dos planos de saúde surgiu depois de muita discussão entre as instituições representantes dos consumidores, das operadoras, do governo e entidades da área num momento em que o mercado vivia uma ebulição: de um lado a novidade de um negócio promissor e, de outro, problemas igualmente novos. 

A AIDS, identificada no início dos anos 80, tinha acarretado uma avalanche de processos judiciais decorrentes da falta de cobertura para a assistência às doenças infectocontagiosas e medicamentos retrovirais.

Até então, também não havia regras claras para o diagnóstico e tratamento de pacientes oncológicos e nem um rol satisfatório de coberturas obrigatórias. 

Embora o Código de Defesa do Consumidor já vigorasse desde o início de 91,  com previsão legal sobre abusividade e harmonização de interesses das partes nas relações de consumo, a lei 9656/98 passou a vigorar em janeiro de 99, com a promessa de solucionar conflitos jurídicos no estabelecimento de contratos entre operadoras e beneficiários.

Ironicamente, ao ser implantada, ao invés de saná-los, carregou consigo outros conflitos, especialmente os relacionados aos contratos firmados antes de sua vigência.

Diante do cenário de confusão e incertezas, as operadoras driblaram a lei e deixaram de comercializar os planos individuais que atendiam a classe média. Aos poucos, foram transferindo suas atividades para administradoras que passaram a vender unicamente os empresariais. Assim, foi criada uma espécie de mercado paralelo onde os reajustes são livres e os abusos, com decisões unilaterais, são muitos. 

Em 2000, para fazer cumprir a lei e vigiar a atividade do mercado, o Ministério da Saúde, instituiu a ANS, agência Resultado de imagem para defesa ao consumidorregulatória, que marcou sua atuação com inoperância e descasos com a fiscalização aos abusos cometidos pelas operadoras no que concerne a negativas de cobertura e aumentos estratosféricos.

A recorrente desassistência ao consumidor levou à crescente judicialização, que atingiu, em 2015, a marca de mais de 400 mil processos dos que lutavam pelo direito à saúde. 

Depois de muitas críticas, a Agência tenta corrigir sua atuação com algumas medidas e o Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde, que prevê as coberturas, vem sendo atualizado num período de dois a quatro anos; mas ainda falta uma atenção especial aos prazos dessa atualização.

E, enquanto não há agilidade e prontidão do governo, os portadores de doenças raras muitas vezes não recebem a assistência necessária e vão a óbito, sem que o tratamento chegue a tempo.

Em 8/11/17, a Agência promoveu a inclusão de 18 procedimentos (exames, terapias e cirurgias) para atender especialidades distintas e ampliou a cobertura para outros sete procedimentos, com medicamentos orais contra o câncer e exame PET-CT para diagnóstico de tumores neuroendócrinos. Também foi revista a questão da portabilidade, que prejudicava os beneficiários na hora da troca de plano.

A partir de junho de 2019 os que têm planos coletivos empresarias poderão mudar de operadora ou plano, sem ter de cumprir o período de carência. Mas isto não basta para solucionar alguns problemas crônicos da delicada relação beneficiário-operadora. 

É inegável que a lei também beneficiou os portadores de doenças graves que têm plano de saúde, já que prevê o tratamento de todas as patologias que possuem o CID (Código de Internacional de Doenças).

Pacientes com câncer têm acesso à quimioterapia oral e os que sofrem com a hepatite C podem fazer uso de medicamentos que reduzem a doença em quase 98%.

Entretanto, na contramão de alguns direitos que a 9656 assegura ao consumidor, ela se tornou uma colcha de retalhos: sua primeira versão já aparece bastante rasurada no site do Planalto, com emendas da medida provisória 2.177-44, de 2001 e  lei 12.880, de 2013.

Espelho do mercado mostra imagem distorcida com empobrecimento do acesso à saúde e alta lucratividade das operadoras.

Há 20 anos, a regulamentação do mercado dos planos de saúde ainda engatinhava e não sabia o tamanho dos desafios que teria de enfrentar, como os doentes de alto custo, que demandam longa internação hospitalar e leitos de UTI; a elevada sinistralidade; a assistência aos portadores de doenças raras e, ainda, a cara inovação tecnológica para diagnósticos e terapias.

A expressão “A conta que não fecha!”, utilizada pelas operadoras recorrentemente nos debates da área, foi se impondo e os valores foram repassados sem dó ao consumidor que, penalizado pelas altas mensalidades, não consegue mais pagar e onera o sistema público de saúde. 

Hoje, enquanto o consumidor experimenta um empobrecimento do acesso à saúde, os balanços da operadoras e das administradoras, que contabilizaram quase 48 milhões de clientes até 2018, pontuam alta lucratividade, mesmo tendo perdido 3 milhões de usuários nos últimos três anos. Portanto, o que se vê no espelho do mercado é uma imagem distorcida que não corresponde à realidade. 

As leis precisam ser adequadas e estar em sintonia com os cidadãos e em consonância com o mercado e seu tempo, fazendo valer direitos e deveres dos implicados. Se a conta dos planos de saúde não fecha, ela não é uma boa conta, especialmente para os consumidores.

Uma meta razoável e justa para os próximos 20 anos da 9656 seria a volta da comercialização dos planos individuais (um projeto de lei que tramitava na Câmara dos Deputados foi arquivado no ano passado).

Se o mercado fosse menos ganancioso e tratasse seus clientes com respeito, saberia reinventar a fórmula e as operações, deixando a subtração de lado para promover a soma ou multiplicação de clientes em sua carteira. Só assim a lei poderia atingir a maturidade com saúde e em plena forma.

Fonte: Migalhas

lei

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Com o propósito de regulamentar o setor, a chamada lei dos planos de saúde surgiu depois de muita discussão entre as instituições representantes dos consumidores, das operadoras, do governo e entidades da área.

Por: Renata Vilhena Silva


Com o propósito de regulamentar o setor, a chamada lei dos planos de saúde surgiu depois de muita discussão entre as instituições representantes dos consumidores, das operadoras, do governo e entidades da área num momento em que o mercado vivia uma ebulição: de um lado a novidade de um negócio promissor e, de outro, problemas igualmente novos. 

A AIDS, identificada no início dos anos 80, tinha acarretado uma avalanche de processos judiciais decorrentes da falta de cobertura para a assistência às doenças infectocontagiosas e medicamentos retrovirais.

Até então, também não havia regras claras para o diagnóstico e tratamento de pacientes oncológicos e nem um rol satisfatório de coberturas obrigatórias. 

Embora o Código de Defesa do Consumidor já vigorasse desde o início de 91,  com previsão legal sobre abusividade e harmonização de interesses das partes nas relações de consumo, a lei 9656/98 passou a vigorar em janeiro de 99, com a promessa de solucionar conflitos jurídicos no estabelecimento de contratos entre operadoras e beneficiários. Ironicamente, ao ser implantada, ao invés de saná-los, carregou consigo outros conflitos, especialmente os relacionados aos contratos firmados antes de sua vigência.

Diante do cenário de confusão e incertezas, as operadoras driblaram a lei e deixaram de comercializar os planos individuais que atendiam a classe média. Aos poucos, foram transferindo suas atividades para administradoras que passaram a vender unicamente os empresariais. Assim, foi criada uma espécie de mercado paralelo onde os reajustes são livres e os abusos, com decisões unilaterais, são muitos. 

Em 2000, para fazer cumprir a lei e vigiar a atividade do mercado, o Ministério da Saúde, instituiu a ANS, agência regulatória, que marcou sua atuação com inoperância e descasos com a fiscalização aos abusos cometidos pelas operadoras no que concerne a negativas de cobertura e aumentos estratosféricos. A recorrente desassistência ao consumidor levou à crescente judicialização, que atingiu, em 2015, a marca de mais de 400 mil processos dos que lutavam pelo direito à saúde. 

Depois de muitas críticas, a Agência tenta corrigir sua atuação com algumas medidas e o Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde, que prevê as coberturas, vem sendo atualizado num período de dois a quatro anos; mas ainda falta uma atenção especial aos prazos dessa atualização. E, enquanto não há agilidade e prontidão do governo, os portadores de doenças raras muitas vezes não recebem a assistência necessária e vão a óbito, sem que o tratamento chegue a tempo.

Em 08/11/2017, a Agência promoveu a inclusão de 18 procedimentos (exames, terapias e cirurgias) para atender especialidades distintas e ampliou a cobertura para outros sete procedimentos, com medicamentos orais contra o câncer e exame PET-CT para diagnóstico de tumores neuroendócrinos. Também foi revista a questão da portabilidade, que prejudicava os beneficiários na hora da troca de plano.

A partir de junho de 2019 os que têm planos coletivos empresarias poderão mudar de operadora ou plano, sem ter de cumprir o período de carência. Mas isto não basta para solucionar alguns problemas crônicos da delicada relação beneficiário-operadora. 

É inegável que a lei também beneficiou os portadores de doenças graves que têm plano de saúde, já que prevê o tratamento de todas as patologias que possuem o CID (Código de Internacional de Doenças).

Pacientes com câncer têm acesso à quimioterapia oral e os que sofrem com a hepatite C podem fazer uso de medicamentos que reduzem a doença em quase 98%. Entretanto, na contramão de alguns direitos que a 9656 assegura ao consumidor, ela se tornou uma colcha de retalhos: sua primeira versão já aparece bastante rasurada no site do Planalto, com emendas da Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) e  Lei nº 12.880, de 2013).

Espelho do mercado mostra imagem distorcida com empobrecimento do acesso à saúde e alta lucratividade das operadoras 

Consumidor-operadoras-plano-de-saude-artigo-Renata-Vilhena-Silva

Há 20 anos, o mercado emergente dos planos de saúde ainda engatinhava e não sabia o tamanho dos desafios que teria de enfrentar, como os doentes de alto custo, que demandam longa internação hospitalar e leitos de UTI; a elevada sinistralidade; a assistência aos portadores de doenças raras e, ainda, a cara inovação tecnológica para diagnósticos e terapias.

A expressão “A conta que não fecha!”, utilizada pelas operadoras recorrentemente nos debates da área, foi se impondo e os valores foram repassados sem dó ao consumidor que, penalizado pelas altas mensalidades, não consegue mais pagar e onera o sistema público de saúde. 

Hoje, enquanto o consumidor experimenta um empobrecimento do acesso à saúde, os balanços da operadoras e das administradoras, que contabilizaram quase 48 milhões de clientes até 2018, pontuam alta lucratividade, mesmo tendo perdido 3 milhões de usuários nos últimos três anos. Portanto, o que se vê no espelho do mercado é uma imagem distorcida que não corresponde à realidade. 

As leis precisam ser adequadas e estar em sintonia com os cidadãos e em consonância com o mercado e seu tempo, fazendo valer direitos e deveres dos implicados. Se a conta dos planos de saúde não fecha, ela não é uma boa conta, especialmente para os consumidores.

Uma meta razoável e justa para os próximos 20 anos da 9656 seria a volta da comercialização dos planos individuais (um Projeto de Lei que tramitava na Câmara dos Deputados foi arquivado no ano passado).

Se o mercado fosse menos ganancioso e tratasse seus clientes com respeito, saberia reinventar a fórmula e as operações, deixando a subtração de lado para promover a soma ou multiplicação de clientes em sua carteira. Só assim a lei poderia atingir a maturidade com saúde e em plena forma.

Saiba mais >>> Famílias recorrem à Justiça para que planos de saúde paguem terapia específica para autismo