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Jota | Lígia Formenti | 23/02/2022 | Rafael Robba

Rol é Exemplificativo ou taxativo? Resposta a esta pergunta terá reflexo para pessoas, empresas, indústrias e SUS

Exemplificativo ou taxativo? A resposta a essa pergunta, que à primeira vista parece etérea, terá reflexos na vida de usuários de planos de saúde, das empresas, das indústrias e também do Sistema Único de Saúde. A questão surgiu diante das divergências sobre a extensão do rol de procedimentos, uma lista preparada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) com terapias, medicamentos e cirurgias que planos de saúde são obrigados a fornecer a seus clientes.

Até o fim da década passada, o entendimento na Justiça era o de que o rol era apenas orientador. Com isso, beneficiários que tivessem, por exemplo, um pedido de cirurgia negado por planos, tinham grande chance de ter o direito reconhecido na Justiça.

As decisões eram baseadas no argumento de que o rol não se esgotava nele próprio. Era exemplificativo e apenas facilitava os usuários a identificar quais procedimentos mais comuns estavam garantidos.

Nos anos mais recentes, no entanto, ganhou força um entendimento diferente, de que o rol é taxativo. De acordo com este raciocínio, empresas estão obrigadas somente a dar cobertura para procedimentos ali descritos.

As divergências passaram, em parte, a ser replicadas nos tribunais e chegaram ao Superior Tribunal de Justiça. Na 3ª Turma, há um entendimento que o rol é exemplificativo. Já os integrantes da quarta turma consideram o rol taxativo.

“Essas avaliações distintas no STJ acabaram associando o desfecho da ação à sorte. Usuários de planos com julgamento na terceira turma tinham grandes chances de saírem vitoriosos. E na quarta turma, de saírem perdedores”, afirma a advogada do Instituto de Defesa do Consumidor, Ana Carolina Navarrete.

E é justamente isso que o Superior Tribunal de Justiça pretende resolver. A decisão da 2ª Seção tem como objetivo pacificar o assunto entre as turmas e trazer um entendimento uniforme. Não é um julgamento definitivo. No entanto, para todos que acompanham o setor, o desfecho é considerado quase como um “tudo ou nada”.

“Qualquer que seja a decisão, ela vai influenciar os demais julgamentos, criar jurisprudência. Se for considerado taxativo, usuários tendem a reduzir suas ações contra os planos de saúde”, avalia o especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados, Rafael Robba. A superintendente jurídica da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Nathalia Pompeu, também acredita que o desfecho do julgamento terá grande impacto para o setor.

Levantamento feito pelo JOTA e divulgado em fevereiro mostrou que a maioria dos Tribunais de Justiça dos Estados tem jurisprudência consolidada sobre o tema. O entendimento é de que o rol é exemplificativo.

O julgamento teve início em setembro de 2021. O primeiro voto foi na direção contrária do entendimento dos tribunais dos estados. O relator, Luis Felipe Salomão, considerou o rol taxativo. Para justificar o entendimento, antecipado pelo JOTA, o ministro afirmou ser preciso interpretar a lei de forma justa, equilibrada e sem sentimentalismos. Ele fundamentou sua decisão ainda na necessidade de um equilíbrio econômico. Se não há previsão sobre quais as responsabilidades de um plano, há grande risco de haver gastos muito além do que o que é arrecadado com mensalidades dos beneficiários.

A superintendente jurídica da Abramge avalia que as normas da regulação do setor já deixam claro que o rol é taxativo. Ela argumenta ainda que, com as regras da MP 1067, convertida em lei pelo Congresso, a atualização do rol de procedimentos é feita de forma célere, com incorporação de técnicas mais modernas, mas respeitando os preceitos de medicina baseada em evidências e também na efetividade dos procedimentos. Por esse raciocínio, usuários de planos estariam protegidos por um rol constantemente atualizado. Empresas de planos também. Isso porque, com a lista em mãos, elas teriam elementos suficientes para compor preços justos de mensalidades.

Mas o argumento não é unânime. Robba, por exemplo, sustenta que a Lei 9.656/98, que regula o setor de saúde suplementar, deixa claro que cabe aos planos a cobertura de todas as doenças que da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), da Organização Mundial da Saúde.

De acordo com o advogado, até agora julgamentos costumam usar como base a Lei 9656/98, além do Código de Defesa do Consumidor. “O rol é apenas uma referência. E isso já está estabelecido na lei que criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar.”

A advogada do Idec tem avaliação semelhante. Ela entende que, caso o rol seja considerado taxativo, usuários de planos de saúde ficarão expostos a uma lista que nem sempre é atualizada de forma adequada e, consequentemente, à negativa de atendimento.

“Em várias situações, a necessidade de tratamento é distinta. É o caso, por exemplo, do espectro autista. O rol pode impor limites de sessões, procedimentos específicos, o que impede acesso a terapias que comprovadamente dão bons resultados.” Ela cita também a cirurgia reparadora de mama, no caso de paciente que se submeteu a tratamento de câncer. “Essa não pode ser considerada uma cirurgia estética”, assegura. “O que as operadoras buscam é o direito de negar atendimentos.”

No voto, o relator afirmou que excepcionalidades poderão ser aceitas. A dúvida é como isso pode ser colocado em prática. Uma das alternativas, apontadas pelo próprio relator, é que parâmetros sejam estabelecidos pelo Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NatJUS), sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para subsidiar magistrados com informações técnicas.

Depois do voto do relator, a ministra Nancy Andrighi pediu vista. A retomada do julgamento está prevista para hoje. A expectativa é de que, em seu voto, Andrighi classifique o rol como exemplificativo.

Ao todo, são 10 ministros. O presidente não vota. Alguns magistrados já disseram que podem mudar o entendimento adotado em votações anteriores. “Qualquer que seja a decisão, ela não retroage”, afirma a superintendente da Abramge. Isso significa que os efeitos somente seriam sentidos para situações a partir da decisão do STJ.

Para a advogada do Idec, a tese do rol taxativo com o tempo reduziria o número de ações sobre negativas de atendimento para procedimentos que estão fora do rol. “Diante da jurisprudência, dificilmente um usuário teria incentivo para ingressar na Justiça reivindicando atendimento.” Robba, por sua vez, acredita que uma eventual vitória do rol taxativo poderia ocasionar um aumento de ações contra a ANS ou, ainda, um aumento expressivo das pessoas que recorrem ao Sistema Único de Saúde. Diante de tamanho impacto, a atenção de todos que integram o setor estará hoje voltada mais uma vez para o STJ.

ANS; planos de saúde; diretores substitutos; agência reguladora;

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O Estado de S.Paulo | Julia Affonso | 21/02/2022

 

Manobra concentra poderes na mão de presidente da agência, ligado a líder do governo na Câmara, e mantém dirigentes nomeados aguardando aprovação há 2 anos

 

BRASÍLIA – A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão responsável por fiscalizar o setor de planos de saúde no País, funciona há quase dois anos com diretores substitutos mantidos no cargo acima do prazo legal. O arranjo garantiu ao atual presidente da agência, Paulo Rebello, acumular superpoderes. Advogado e ex-chefe de gabinete do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), Rebello controla hoje, além da própria presidência, duas das mais importantes diretorias da ANS.

Ambas responsáveis por processos como a venda bilionária da carteira de planos individuais da Amil, que atingem milhares de clientes. Rebello é hoje o único diretor titular. Outras três diretorias são ocupadas há quase dois anos pelos mesmos três servidores.

A legislação das agências reguladoras estabelece, contudo, limite de 180 dias para a permanência de um servidor como diretor substituto. A área jurídica da ANS produziu um parecer para abonar a violação dessa trava. A interpretação é contestada pelo Sinagências, entidade que representa os servidores de carreira dos órgãos reguladores.

Apelidada de “escravos de Jó”, uma referência à conhecida brincadeira de criança, a manobra consiste em, a cada 180 dias, alterar os nomes dos ex-diretores que esses servidores estão substituindo como se estivessem sempre numa nova suplência.

Trata-se de uma mera formalidade. Nesse jogo os servidores não mudam de posto na direção, e o que muda é o nome do ex-diretor que cada servidor está substituindo.

Em dezembro, o Senado aprovou dois nomes para diretoria da ANS. O presidente Jair Bolsonaro, contudo, ainda não os nomeou. Com isso, permite que a agência siga comandada por servidores substitutos e mantém a concentração de poder nas mãos do atual presidente do órgão.

 

Mudança

A ANS tem cinco diretorias, além do cargo de diretor-presidente. Pelas regras, o chefe da agência acumulava o cargo com a Diretoria de Gestão (Diges), ligada à administração interna. Mas uma mudança no regimento interno feita dois dias após Paulo Rebello assumir o comando da ANS permitiu que ele trocasse o cargo burocrático pelo comando das duas diretorias mais poderosas do órgão regulador – Normas e Habilitação das Operadoras (Diope) e a outra, a de Normas e Habilitação dos Produtos (Dipro).

 

O que é a ANS?

A Agência Nacional de Saúde Suplementar é o órgão regulador vinculado ao Ministério da Saúde responsável por normas, controle e fiscalização do setor de planos de saúde no Brasil. A sede fica no Rio de Janeiro. Foi fundada no ano 2000

 

O País tem hoje dez agências reguladoras, incluindo a ANS. De acordo com os portais de cada órgão, em nenhuma delas o diretor-presidente ocupa outra diretoria além da sua própria.

Em geral, as agências reguladoras são comandadas por conselheiros ou diretores que não detêm controle sobre áreas técnicas específicas. A ANS tem uma particularidade: cada diretor cuida de temas, como a diretoria que trata da habilitação de operadoras de planos de saúde, sob o comando do atual presidente da agência. Uma concentração de poder numa pessoa. É a ANS, por exemplo, que define reajuste de planos de saúde e multa operadoras por maus serviços.

Cobiça

Os cargos na cúpula da ANS são alvo de disputa política. Um dos motivos é que os parlamentares se interessam em ter alguém de sua confiança no comando de órgãos responsáveis por decisões impactantes e que envolvem cifras bilionárias.

Entre o fim de 2020 e dezembro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) encaminhou 12 indicações ao Senado para compor a diretoria da ANS. Por pressão de senadores que apoiam seu governo, nomes entraram e saíram da lista nesse meio tempo.

O atual presidente Paulo Rebello é um exemplo. O nome dele foi retirado em 6 de julho do ano passado, no rastro das acusações de que o deputado Ricardo Barros estaria envolvido em um esquema de compra de vacinas para covid-19, feitas à CPI da Covid. No dia seguinte, porém, Bolsonaro recuou e mandou o nome de Rebello novamente. O deputado Barros nega o vínculo.

Das 12 tentativas de preencher as vagas na ANS, o atual governo nomeou apenas dois diretores-presidentes em sequência. Outros dois indicados foram aprovados pelo Senado, mas não foram nomeados por Bolsonaro. E dois nomes para diretoria aguardam análise dos senadores há quase três meses.

 

Nomeados

Em dezembro, o Senado aprovou os nomes da defensora pública estadual aposentada Eliane de Castro Medeiros e do diretor substituto de fiscalização da ANS, Mauricio Nunes da Silva, para assumir mandatos de cinco anos. Ela seria indicação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); ele, de Barros. Os dois negam o apadrinhamento.

A defensora pública disse que soube da vaga na direção da ANS “no boca a boca de amigos, e mandei currículo”, disse ao Estadão. “Eu busco uma adrenalina. Como eu não tenho coragem de pular de paraquedas, fazer viagem de cruzeiro, a minha adrenalina é me habilitar para alguns projetos.” Nome também aprovado pelo Senado em dezembro, Mauricio Nunes é diretor substituto desde maio de 2020.

Em nota, a ANS sustenta que o rodízio entre os integrantes da lista de substituição é determinado pela lei, “a qual também estabelece a impossibilidade de o mesmo diretor-substituto ocupar o mesmo cargo por um período de 180 dias”.

 

Burla

Para o economista Arthur Barrionuevo Filho, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) nas áreas de concorrência e regulação, ter uma diretoria formada por substitutos no comando de uma agência reguladora, por tanto tempo, “burla o espírito da legislação, que era evitar que a mesma pessoa fique indefinidamente ocupando espaço na diretoria sem ter sido nomeada para tal”.

Ele afirma ainda que o mandato da diretoria foi criado para garantir liberdade para decidir contra ou a favor de quaisquer interesses. “Quando você pega alguém que é provisório, esse alguém não tem essa garantia. Ele tem uma garantia provisória. Isso pode tornar essas pessoas mais suscetíveis a pressões.”

 

Agência afirma ter respaldo em ‘interpretação da lei’

Para validar a permanência de diretores substitutos no comando da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) por quase dois anos, a direção do órgão regulador recorreu a um parecer da Advocacia Geral da União (AGU). O documento elaborado pela AGU admite que foi preciso buscar uma “interpretação da lei” das agências reguladoras para permitir que o prazo de 180 dias de interinidade fosse estendido.

A regra foi elaborada justamente para impedir que a mesma pessoa fique ocupando indefinidamente o cargo sem que tenha passado por sabatina no Senado e nomeada pelo presidente da República.

 

Lista

Em nota, a ANS afirmou que “segue estritamente o que determina a legislação no processo de nomeação e substituição da diretoria”. “Os servidores que integram a atual lista de substituição da diretoria colegiada são altamente capacitados e foram designados para os cargos vagos pelo Presidente, atuando, tanto quanto um Diretor ‘titular’ nos processos submetidos à Diretoria Colegiada e observando todos os processos estabelecidos pelo regimento interno da agência e pelos normativos legais vigentes. Todos os trabalhos da agência vêm sendo desenvolvidos normalmente, sem prejuízo ao funcionamento da reguladora.”

O parecer da AGU foi encomendado em setembro de 2020, próximo ao fim dos primeiros seis meses de interinidade de um dos servidores substitutos. “Embora a situação não tenha sido prevista expressamente pelo legislador, é preciso buscar uma interpretação que assegure a maior efetividade à continuidade do serviço público e à capacidade decisória da agência, desde que a interpretação se mantenha dentro dos limites do texto legal”, justificou a AGU.

No entendimento dela, “o legislador não tratou expressamente da situação quando um substituto atingir o prazo máximo de 180 dias de substituição do cargo e os demais integrantes da lista já estejam exercendo a substituição em decorrência da vacância de outros dois cargos.” O que deu margem para a interpretação.

O parecer da AGU que vem sendo usado pela ANS para manter no cargo os diretores substitutos incluem duas tabelas que deixam claro o troca-troca na lista de substituição forjada pela agência. As tabelas indicam, por exemplo, que o servidor Bruno Martins foi convocado em 17 de março de 2020 para assumir o posto de diretor com a saída do ex-diretor Leandro Fonseca. Em 14 de setembro de 2020, seis meses depois, o mesmo Bruno aparece como substituto de outro diretor que também tinha deixado a ANS.

O Sinagências (sindicatos dos servidores das agências) questionou a interpretação da lei. “O descaso pela lei tem permitido graves irregularidades e ilegalidades.” A entidade afirmou que a manobra “fere o princípio basilar das agências nacionais de regulação: a independência técnica, financeira e política, devendo suas diretorias serem constituídas de forma colegiada, com mandatos fixos e não coincidentes”. “A cada nova vacância ou a cada ciclo de 180 dias de interinidade, nova lista de substituição deveria ser enviada para designação do Presidente, excluindo da lista aquele que já exerceu a interinidade, adicionando um novo servidor substituto a ela.” Procuradas, a Presidência e a Casa Civil não se manifestaram.