Uma idosa de 89 anos, portadora de um seguro internacional de saúde, recorreu a um hospital de São Paulo após se sentir mal. Diagnosticada com insuficiência arterial, ela precisou ser internada para uma cirurgia de urgência.
Para surpresa de todos, no entanto, o seguro de saúde informou que não iria cobrir as despesas, alegando que se tratava de uma doença preexistente. A negativa impediu também o reembolso dos honorários médicos previstos em contrato.
Seguro altera contrato para justificar negativa
A idosa, no entanto, não tinha conhecimento de sua condição. Ela começou a apresentar os primeiros sintomas da doença duas semanas antes da internação, segundo o relatório médico apresentado pelo hospital. Na ocasião, ela já tinha renovado o seguro internacional e a apólice estava vigente (há dois meses) desde 2016 sem qualquer restrição.
Como se não bastasse a negativa abusiva, após tomar ciência da internação de urgência, o seguro internacional simplesmente alterou a apólice já assinada pela idosa e incluiu a doença que ela apresentava como preexistente, somente para justificar a negativa contratual.
Quais leis garantem o direito da associada
Por qualquer ângulo que se analise a negativa de atendimento, fica claro a abusividade na conduta da seguradora. Veja o porquê:
Embora se trate de um seguro internacional, a prestação de serviços ocorre no Brasil e, por isso, deve ser aplicada a legislação brasileira, conforme artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
Vale ressaltar ainda que a paciente mora no Brasil e recebe atendimento médico no país, o que permite recorrer à Justiça, conforme os artigos artigo 21, II e III, e art. 22, II do Código de Processo Civil (CPC).
A alteração contratual por parte da empresa após a assinatura é uma clara violação da boa-fé objetiva e o descumprimento da função social do contrato, ambos princípios protegidos pelo Código Civil, nos artigos 421 e 422.
Por fim, o não reembolso dos profissionais de saúde pelo seguro caracteriza ofensa ao artigo 884 do Código Civil.
Decisão judicial garante direito ao atendimento
Advogada Tatiana Harumi Kota, do escritório Vilhena Silva Advogados
Não havendo outra solução, a idosa recorreu à Justiça para ter seus direitos respeitados pelo seguro saúde. No dia 10 de junho de 2023, a juíza Ana Laura Correa Rodrigues da 3ª Vara Cível de São Paulo concedeu liminar para que a paciente tenha o tratamento custeado pelo plano, conforme prevê o contrato.
“Neste caso, o juiz acolheu o pedido da paciente para cobrir as despesas médico-hospitalares relacionadas ao tratamento da enfermidade”, explica a advogada Tatiana Harumi Kota, do escritório Vilhena Silva Advogados.
Fique atento aos seus direitos
Qualquer usuário de plano de saúde pode acionar a Justiça para dar prosseguimento ao tratamento, após uma negativa abusiva da operadora.
O primeiro passo é procurar ajuda jurídica de profissionais especializados na área. Além de documentos pessoais, o segurado que se sente prejudicado deve fornecer ao advogado todos os documentos relativos ao caso, como laudos médicos apontando a necessidade do tratamento e até as trocas de mensagens com a empresa. Outra recomendação é reunir comprovantes dos três últimos comprovantes de pagamento do plano de saúde.
Com essas informações, o advogado poderá preparar um pedido de liminar, já que a saúde do paciente está em risco. Normalmente, ele é analisado em até 72 horas.
Fique atento aos seus direitos e, se precisar, procure ajuda jurídica.
Uma família foi surpreendida com uma notificação enviada pela operadora informando que o filho dependente não era mais elegível para permanecer no plano de saúde do titular.
O motivo da exclusão apresentado pela operadora foi que a idade limite para permanecer na condição de beneficiário dependente havia sido ultrapassada.
O comunicado era claro: o dependente seria excluído em um prazo de 90 dias, a contar do recebimento da notificação. Somente o envio de comprovação de dependência econômica do titular, nos termos previstos na Receita Federal, poderiam alterar essa exclusão.
Ainda no comunicado, a operadora citou o art.8º da RN n.º 438/18 que menciona sobre o direito à portabilidade de planos, sem necessidade de cumprimento de novos prazos de carência, desde que solicitado em até 60 dias da ciência da exclusão.
Justiça já determinou a manutenção dos dependentes no plano de saúde em situação similar. Ao analisar um caso similar, o Juiz da 10ª Vara Cível Do foro Regional de Santo Amaro de São Paulo determinou a manutenção do beneficiário nas mesmas condições contratuais do titular.
O magistrado destacou que, quando a operadora decidiu manter o filho vinculado ao plano, foi criada uma expectativa de direito que os dependentes com mais de 25 anos jamais seriam excluídos e de que a cláusula atinente à idade limite não seria aplicada.
Salientou, ainda, que durante todo o período a operadora seguiu prestando o serviço e emitindo a cobrança da respectiva mensalidade.
Se você recebeu uma notificação sobre a exclusão do dependente, saiba que você pode questionar seus direitos judicialmente. Converse com advogados especialistas na área de Direito à Saúde e esclareça todas as suas dúvidas. Tenha em mente que você pode buscar seus direitos e garantir a manutenção do plano de saúde do dependente.
Um morador de São Paulo, após ser diagnosticado com câncer de próstata com metástase, iniciou o tratamento prescrito por seu médico em um hospital da capital. Para sua surpresa, no entanto, as sessões foram suspensas quando faltavam três doses para completar o ciclo, pois a unidade onde o tratamento estava sendo realizado foi descredenciada pela operadora.
O plano de saúde não notificou o paciente previamente, tampouco recebeu a indicação de prestadores de serviços que pudessem atendê-lo e, dessa forma, dar continuidade ao tratamento, como determina a lei.
Quais os direitos do paciente em casos de descredenciamento?
Isabela Pereira – Vilhena Silva Advogados
O paciente não pode, obviamente, ser penalizado pelo descredenciamento e precisa ser informado previamente de eventuais mudanças.
“A legislação garante que o paciente oncológico tem o direito de receber o tratamento integral prescrito pelo médico que o acompanha no mesmo hospital ou laboratório em que realiza o tratamento. A conduta da operadora em descredenciar prestadores de serviço não foi acompanhada de comunicação prévia individualizada ao beneficiário e substituição por outra instituição equivalente”, explica a advogada Isabela Pereira, do escritório Vilhena Silva Advogados.
Várias leis protegem o direito do paciente. Conheça algumas delas:
Decisões do STJ determinam que alterações no conteúdo vigente durante a contratação do plano de saúde devem ser obrigatoriamente comunicadas aos consumidores de maneira individualizada. O descredenciamento do local não pode surpreender o paciente.
O artigo 421 do Código Civil trata da função social dos contratos de prestação de serviço, o que faz com o que o plano de saúde tenha um conjunto de responsabilidades, entre elas disponibilizar o tratamento médico prescrito.
O artigo 17 da Lei 9656/98 determina que os usuários de planos de saúde devem ser comunicados com antecedência sobre o descredenciamento de prestadores de serviço, como hospitais e clínicas. Além disso, as operadoras são obrigadas a oferecer outra opção equivalente para manutenção do tratamento. Orientação nesse sentido também é prevista na resolução Normativa n.º 567.
O descredenciamento do hospital, sem a devida substituição por prestador equivalente, viola vários artigos do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, publicado em 2019, avalia que o descredenciamento sem a devida comunicação ao contratante do plano configura danos morais. O grau de lesividade da conduta é levado em conta, quando existe aplicação de multa.
Paciente entra na Justiça para continuar tratamento em local descredenciado
Com seus direitos desrespeitados, o paciente entrou na Justiça para ter direito a restabelecer o tratamento no local onde ele era realizado.
Se você estiver sendo prejudicado pelo descredenciamento de um hospital ou clínica sem aviso prévio e individualizado, pode fazer o mesmo.
Procure um advogado especializado em direito à saúde, munido de documentos pessoais e um laudo completo do médico. Ele irá analisar o caso e propor uma ação, com pedido de liminar, para que a operadora mantenha o tratamento do paciente no mesmo local.
A paciente concluiu a terapia no hospital onde havia começado o tratamento.
Fique atento aos seus direitos na hora de cuidar da sua saúde!
Outras Palavras| Gabriel Brito e Gabriela Leite | 14/07/2023 | Rafael Robba
Reportagem do Estado de S. Paulo confirma o avanço da judicialização da relação entre clientes de seguros de saúde e seguradoras.
A matéria informa que, após queda durante a pandemia, os processos movidos por usuários voltaram a aumentar. Foram cerca de 88 mil no ano passado e 25 mil somente nos primeiros três meses de 2023. Como veiculado na imprensa recentemente, há uma onda de cancelamentos unilaterais de planos de usuários que fazem tratamentos caros, como autistas e pacientes oncológicos. As empresas do ramo alegam que combatem fraudes no uso indevido da assistência privada, mas como já mostrou Outra Saúde, há um movimento deliberado de cortar despesas, em especial após a estagnação verificada no setor a partir do ano passado.
Rafael Robba – advogado
“Nesse primeiro semestre, houve um aumento acentuado na procura pelo nosso escritório, com muitos casos relacionados a negativas de cobertura, sendo o principal motivo, mesmo depois da lei que obriga planos a cobrirem tratamentos fora do rol. As operadoras continuam se baseando unicamente no rol da ANS, e ela não tem tomado medidas contra isso. Não vemos nenhum tipo de fiscalização e punição nesses casos”, contou Rafael Robba, advogado especialista em direito à saúde, ao jornal paulista. O advogado ainda faz menção a outro motivo de cisma entre planos e usuários, que em setembro do ano passado protagonizaram um forte embate no Congresso nacional, quando foi aprovado o rol exemplificativo, isto é, que dá direito aos usuários acessarem tratamentos cuja eficácia ainda não está comprovada cientificamente.
Pisos de saúde e educação: a disputa pelo orçamento 2024 já começou
O novo arcabouço fiscal, substituto do fracassado teto de gastos imposto pelo governo Temer, começa a mostrar suas complexas imbricações. A partir da mudança das previsões de arrecadação para este ano, com possibilidades de aumentos reais, o Tesouro começa a se preocupar com o possível aumento dos orçamentos de saúde e educação acima da ajustada banda de 0,6% a 2,5% sobre os eventuais ganhos contábeis do governo federal. Assim, como mostra matéria da Folha, a Fazenda estuda apresentar PEC para acomodar as obrigatórias vinculações orçamentárias destinadas à saúde e educação a este possível crescimento de arrecadação. Com a previsão de aumento de despesas discricionárias das novas previsões, o cenário parece cada vez mais limitado para uma maior atuação do Estado no aumento de orçamentos de pastas sociais.
Piso da enfermagem: segue a batalha no setor privado
Já garantido para as trabalhadoras do SUS, o Piso Nacional da Enfermagem segue causando discórdias no setor privado. O Supremo Tribunal Federal publicou decisão no dia 12 que abre o piso para negociações entre trabalhadores com CLT e hospitais privados. Caso não se chegue a termo em 60 dias, fica válido o piso estabelecido. As entidades patronais reclamam que não há disposição dos sindicatos de trabalhadores para negociar. Pudera, só há possibilidade de perdas nos termos estabelecidos.
O piso estabelece valores de 4.750 para enfermeiras e 70% e 50% deste valor, respectivamente, para técnicos e auxiliares de enfermagem. Valores ainda modestos para uma vida material minimamente digna, sem contar os efeitos distributivos que a valorização salarial de milhões de trabalhadores da base da pirâmide social provoca. Vale lembrar que o Dieese calcula o salário mínimo real, isto é, aquele que daria conta das necessidades essenciais frente ao custo de vida, em R$ 6.652.
Sistema de informação de hospitais universitários será utilizado em todo o SUS
O ministério da Saúde e o ministério da Educação firmaram um acordo de cooperação para a transformação digital do SUS em todo o país. O objetivo é proporcionar acesso aos dados do Aplicativo de Gestão para Hospitais Universitários (AGHU) desenvolvido pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) a hospitais e postos de saúde estaduais e municipais. O AGHU é um sistema testado e utilizado há dez anos por cerca de 50 mil profissionais de saúde, que abrange 41 hospitais universitários da Ebserh e beneficia aproximadamente 25 milhões de pacientes. A parceria busca reduzir desigualdades e garantir acesso à informação aos usuários do SUS, além de integrar o sistema de saúde e melhorar a eficiência no atendimento aos pacientes.
O aplicativo permite a gestão de internações, distribuição de medicamentos, cirurgias e exames laboratoriais. Segundo um estudo coordenado por Ilara Hämmerli, pesquisadora titular da Fiocruz, o AGHU tem a qualidade no nível de hospitais de excelência, com a enorme vantagem de ser de código aberto – ou seja, outros hospitais podem reproduzir o software e adaptá-lo a suas necessidades, desde que mantenham a lógica do conhecimento livre.
De acordo com o Ministério da Saúde, a estimativa é que ocorram 704 mil novos casos de câncer no Brasil por ano, no triênio 2023-2025. Alguns tumores têm grande incidência, mas alguns são considerados raros, como os que atingem o mesotélio, tecido que reveste o peritônio.
Uma moradora de São Caetano, em São Paulo, foi uma das pessoas diagnosticadas com a doença. Com fortes dores abdominais, ela realizou uma série de exames, que indicaram uma extensa carcinomatose peritoneal. Enquanto iniciava o tratamento quimioterápico prescrito por seu médico, ela foi submetida a uma biópsia, que confirmou o câncer do mesotélio. O médico receitou, então, Yervoy (ipilimubabe) para o tratamento da paciente.
O plano de saúde é obrigado a custear o Yervoy?
Sim, a operadora é obrigada a custear o tratamento oncológico. Por isso, a paciente acionou o plano de saúde empresarial ao qual tinha direito exigindo o fornecimento do Yervoy. O pedido estava amparado por várias leis que protegem a saúde do consumidor. Conheça algumas delas:
– A Lei 9.656/98, que regula os planos de saúde, prevê a obrigatoriedade de cobertura de todas as doenças previstas na classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS). O câncer de mesotélio está nesta listagem.
– O artigo 12 desta mesma lei determina que os planos forneçam os medicamentos e a cobertura de exames no controle da evolução de doenças, de acordo com a prescrição médica. Ou seja, se o médico receitou Yervoy, ele precisa ser custeado.
– O mesmo artigo prevê a cobertura para tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral e procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer.
O plano negou a cobertura do Yervoy. Saiba por que a conduta é abusiva
Devido ao alto custo do remédio (uma ampola pode custar quase R$ 30 mil), os planos de saúde tentam se isentar da obrigação de fornecê-lo. Foi o que aconteceu com a paciente. A operadora se negou a custear o Yervoy, alegando que se trata de um medicamento off-label, ou seja, com prescrição diferente da que consta na bula do fármaco. Essa conduta é completamente abusiva. Entenda os motivos:
– A conduta da operadora gera danos ao consumidor, pois não há exclusão contratual para cobertura de tratamentos oncológicos, e distorce o contrato ao negar o tratamento prescrito pelo médico.
– O Recurso Especial n.º 668. 216 do Superior Tribunal de Justiça avaliou que um paciente não pode ser impedido de receber um tratamento com o método mais moderno possível no momento em que é diagnosticada a doença coberta pelo plano.
– A Súmula 102 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo esclarece que, havendo indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob argumentos de que consiste num medicamento experimental ou não consta no rol de procedimentos da ANS.
Cabe lembrar ainda que a bula do fármaco Yervoy (ipilimumabe) tem, sim, a indicação para pacientes com mesotelioma maligno, em combinação com o nivolumabe, que também foi prescrito pelo médico da paciente. Além disso, o Yervoy é um remédio registrado pela ANVISA. E, ainda que conste na bula que uma medicação é destinada a determinada doença, outras podem se beneficiar dela também.
Justiça é um caminho para obter o Yervoy
Após a recusa da operadora, a paciente entrou na Justiça para garantir seu direito à saúde e cobrar o atendimento obrigatório previsto no contrato.
Os documentos anexados à petição inicial deixaram claro a urgência do atendimento. O médico ressaltou o risco de rápida deterioração da saúde da paciente, devido ao comportamento agressivo dessa doença rara. De acordo com o INCA, mais de 80% dos óbitos ocorrem nos primeiros 12 meses.
Para não ser penalizado pela má-fé do plano, o paciente deve buscar o auxílio de advogados especialistas em direito à saúde. Justificativas como a desse caso são absurdas, e o paciente tem o direito de receber o tratamento, sobretudo pela garantia constitucional do direito à vida, como expresso no artigo 5º da Constituição Federal.
Se esse for também o seu caso, busque ajuda jurídica. No primeiro contato com a equipe que vai cuidar da sua ação contra a operadora, apresente, além de documentos pessoais, como identidade e CPF, comprovantes de pagamento do plano de saúde dos últimos três meses, os laudos e exames realizados durante o período de consultas, a prescrição médica, a bula do remédio, entre outros. Mensagens e e-mails que exibam a recusa da operadora também devem ser anexados.
Com o auxílio adequado, uma liminar pode ser deferida, obrigando o plano a fornecer de forma imediata e urgente o tratamento necessário. Cuide sempre da sua saúde!
Estadão | Paula Ferreira | 13/07/2023 | Rafael Robba
Número de ações na Justiça disparou; segundo especialistas e representantes do setor, um dos motivos é a aprovação da lei que ampliou o rol de cobertura de tratamentos
Após uma baixa recorde no número de novos processos contra planos de saúde durante a pandemia, o judiciário tem visto a quantidade de ações contra as operadoras crescer novamente. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) obtidos pelo Estadão mostram que somente nos três primeiros meses deste ano, 25 700 novas ações foram abertas contra planos de saúde. Especialistas no tema e representantes de planos de saúde convergem em um ponto: o aumento do fluxo é puxado em grande medida por queixas relacionadas a negativas de cobertura, alavancadas pela lei que flexibilizou o rol de tratamentos previstos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Na última década, 2020 e 2021 foram os anos com menor demanda judicial contra planos de saúde, com 75 510 e 76 530 novos processos, respectivamente. A partir de 2022, os índices voltaram a subir: foram 88 110 ações judiciais movidas contra os planos.
De acordo com Richard Pae Kim, que coordena o Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde do CNJ (Fonajus), o fim da emergência em saúde pública pela Covid-19 também estimulou as pessoas a voltarem aos serviços de saúde; além disso, o desabastecimento de determinados grupos de medicamentos e a falta de especialistas em determinadas áreas da medicina, em vários municípios do país, e de alguns serviços de alta complexidade, impulsionam o cenário de ações pós-pandemia.
Para especialistas e fontes do setor de saúde suplementar, a lei aprovada no Congresso que flexibilizou o chamado “rol taxativo” da ANS é um dos pontos principais nessa equação. A medida fixou critérios para que as operadoras tenham de pagar por procedimentos que não estejam previstos pela agência. De olho nisso, a expectativa das operadoras de planos de saúde é que as demandas judiciais sigam em alta.
Com a decisão, os planos deverão custear tratamentos que tenham eficácia científica comprovada, que sejam recomendados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou por órgão de avaliação de tecnologia em saúde de renome internacional.
Dados
Judicialização é um dos grandes gargalos do setor de saúde suplementar
Casos novos e casos em tramitação.
Rafael Robba – Vilhena Silva Advogados
“Nesse primeiro semestre, houve um aumento acentuado na procura pelo nosso escritório, com muitos casos relacionados a negativas de cobertura, que é o principal motivo, mesmo depois da lei que obriga planos a cobrirem tratamentos fora do rol. As operadoras continuam se baseando unicamente no rol da ANS, e ela não tem tomado medidas contra isso. Não vemos nenhum tipo de fiscalização e punição nesses casos”, critica Rafael Robba, advogado especialista em direito à saúde do Vilhena Silva Advogados, em São Paulo.
Em entrevista recente ao Estadão, o presidente da ANS, Paulo Rebello, afirmou que a agência está evoluindo “para tentar encontrar soluções que antecedem o processo judicial”. Segundo ele, há fiscalização proativa por parte da ANS, que inspeciona as operadoras e responde a denúncias feitas pelos clientes.
Marcos Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), enumera os fatores identificados pelo setor: “Havia 46,9 milhões de pessoas cobertas em 2019 e agora temos cerca de 50,6 milhões, é natural que o volume de demandas seja um pouco mais elevado”, observa.
“Fora isso, temos um panorama de fraudes muito maior e os fraudadores utilizam tanto da reclamação à ANS, para poder agilizar o pagamento, quanto de demandas judiciais. Tendo um volume maior de fraudes, por conta disso, as operadoras implementam mais instrumentos de controle, e até para quem está fazendo a utilização correta do plano de saúde acaba gerando algum tipo de desconforto, que pode gerar uma reclamação”, diz. “Outro ponto é a questão do rol de cobertura, que criou uma incerteza gigante sobre o que é coberto e o que não é”, acrescenta.
Em um comunicado publicado no início de junho, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) usou a judicialização como um dos argumentos para justificar reajuste de 9,63% nos planos individuais.
“A saúde suplementar vem sofrendo efeitos diretos do aumento da inflação na saúde e dos custos de tratamentos, medicamentos, procedimentos hospitalares e terapias. Já no âmbito regulatório, os últimos anos foram marcados por mudanças legislativas e regulatórias que impactaram diretamente na sustentabilidade do setor, como exemplo da Lei 14.454/2022, que modificou o caráter taxativo do rol, criando condicionantes frágeis e muito subjetivas para obrigar planos a cobrir itens fora da lista. Isso também está relacionado com outro fator bastante conhecido, a judicialização, que é prejudicial a todo o sistema de saúde”, disse a FenaSaúde.
Em nota enviada à reportagem, a FenaSaúde afirmou que “o aumento da judicialização causa inequidade de acesso, compromete a previsibilidade das despesas assistenciais e exige uma maior alocação de recursos em provisões de longo prazo, incluindo custos com honorários advocatícios, perícias médicas e possíveis indenizações.”
Judicialização da saúde é um dos principais gargalos do setor
O passivo de ações que acumulam na Justiça faz com que nem mesmo as baixas recordes de novos processos ao longo da pandemia tenham conseguido reduzir o fluxo. Segundo os dados do CNJ, pelo menos desde 2020, quando o número total de processos em tramitação começou a ser contabilizado pelo conselho, a quantidade de ações aguardando resolução judicial aumentou quase 16%, passando de 106 510 ações naquele ano para 123 190 em 2023.
A psicóloga Priscila Antunes já entrou na justiça contra o plano de saúde pelo menos três vezes para garantir direitos aos pais idosos. Na ação mais recente, ela cobrou cobertura para fornecer tratamento para o pai em casa. Elzimar Antunes, de 77 anos, tem demência em nível avançado: não anda, quase não fala e se alimenta por sonda. O médico do idoso recomendou que ele recebesse assistência completa em domicílio, o que foi negado pelo plano de saúde.
“Conseguimos, via judicial, tudo aquilo que o médico dele achou pertinente”, relata Priscila, acrescentando que o pai paga o plano coletivo há quase 30 anos. “É um sentimento de impotência, de decepção por sermos tão antigos no plano, que é top internacional, e que pagamos com sacrifícios. Pagamos o plano para ter paz e acabamos tendo que nos desgastar para, no final, eles precisarem oferecer via justiça o que poderiam ter oferecido sem chegarmos a esse ponto.”
Após liminar obtida na justiça, o plano passou a providenciar home care com fisioterapia, fonoaudiologia, nutrição, medicamentos, técnico de enfermagem 24 horas, visita mensal de médico, suporte de oxigênio, entre outros serviços. Antes disso, Priscila também já havia entrado na justiça para reverter reajustes abusivos do plano coletivo e reaver cobrança indevida, e foi vitoriosa em todas as situações.
Reajustes abusivos e rescisões de contrato
Os beneficiários também têm buscado a justiça para acionar as operadoras por reajustes abusivos e rescisões de contrato em planos coletivos.
“Essa prática acaba sendo muito mais comum em empresas de poucas vidas. Como é muito difícil contratar um plano individual e familiar às vezes a única opção que as famílias têm é contratar o plano por CNPJ. Apesar de serem planos empresariais, são aqueles que abarcam só três ou quatro vidas da mesma família. E é muito comum que a operadora acabe cancelando o plano daquela empresa. Esses casos acabam indo para justiça e, neste ano, tivemos aumento significativo de procura de clientes com esse tipo de demanda”, descreve Robba.
Com o acúmulo de processos, o judiciário tem buscado alternativas para facilitar a análise das ações pelos magistrados e agilizar decisões para que os pacientes não esperem por muito tempo. No fim do ano passado, o plenário do CNJ aprovou a regulamentação do Sistema Nacional de Pareceres e Notas Técnicas (e-Natjus), criado para qualificar as decisões judiciais no âmbito da saúde. O e-Natjus é uma plataforma que reúne pareceres da área baseados em evidências científicas. De acordo com Kim, conselheiro do CNJ, o Fonajus está focado em desenvolver uma política para que o judiciário atenda adequadamente demandas relacionadas à área.
“Com a plataforma digital, essas decisões poderão ser tomadas com base em informação técnica, ou seja, levando em conta as evidências científicas. De quebra, esse auxílio técnico permite conferir mais rapidez ao processo, que poderia, por exemplo, ficar parado por meses aguardando uma perícia”, explica Kim.
A FenaSaúde defende que é necessário adotar estratégias de mediação e canais de ouvidoria para “manutenção da sustentabilidade do sistema”, e elogiou iniciativas como o NAT-Jus.
Para Novais, representante da Abramge, um elemento que poderia contribuir para evitar que tantas demandas cheguem à justiça é a adoção de protocolos e diretrizes clínicas para nortear as indicações dos médicos. Segundo ele, muitas vezes os profissionais recomendam tratamentos e medicamentos específicos e mais custosos enquanto poderiam recomendar outros com a mesma eficácia.
O Globo | Pollyanna Brêtas e Luciana Casemiro | 09/07/2023 | Rafael Robba
Tem 60 anos ou mais? Desde 2013, parcela dessa faixa etária cresceu 26,6% no setor. Custo é desafio para empresas e clientes
O crescimento da proporção de idosos na população — cujo impacto já é sentido nas contas da Previdência Social — também chegou aos planos de saúde. Segundo levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), entre dezembro de 2013 e dezembro de 2022, o total de beneficiários da saúde suplementar com 60 anos ou mais passou de 5,7 milhões para 7,2 milhões, alta de 26,6%. No mesmo período, o número total de usuários cresceu 1,9%.
Entre dezembro de 2013 e 2022, a participação dos idosos nos planos de saúde aumentou de 11,5% para 14,3%.
— O maior crescimento foi na faixa de 80 mais, 33,5%. O envelhecimento é uma coisa boa, mas é preciso se preparar para ele. Será preciso uma rediscussão, hoje sai caro para todo mundo, idoso e empresas. A solução não é simples — admite José Cechin, superintendente executivo do IESS.
De um lado, o aumento do número de idosos nas carteiras dos planos de saúde é um desafio adicional para a gestão das operadoras, devido ao natural aumento de uso de exames, consultas, terapias e internações acima dos 60 anos. Por outro, o cenário de aumento nos preços das mensalidades e a escassa oferta de planos individuais, torna missão quase impossível achar um plano de saúde que caiba no bolso.
Veja abaixo alternativas para quem tem mais de 60 anos:
O plano pode recusar a contratação por idoso?
A Agência Nacional de Saúde (ANS) diz que a lei de planos de saúde determina que não pode ser impedida a contratação de plano de saúde em razão de idade ou da pessoa ser portadora de patologia, ou deficiência. Isso pode resultar em multa à operadora.
Rafael Robba, advogado especialista em direito à Saúde do escritório Vilhena e Silva
Apesar da legislação proteger os idosos, Rafael Robba, advogado especialista em direito à Saúde do escritório Vilhena e Silva, afirma que, na prática, é frequente a criação de entraves na contratação e na portabilidade, o que acaba em ações no judiciário:
— Há operadoras que nem emitem proposta para pessoas acima de 65 anos, nem têm tabela de preço para essa faixa. Quando o assunto é portabilidade, às vezes, sequer respondem ou fazem uma série de pedidos para dificultar. Quando é empresarial, a recusa vem com mensagem evasiva de que não há interesse comercial, mas é claro que é pela idade.
Tem 60 anos ou mais e saiu do emprego? E agora?
O idoso tem o direito de trocar de plano, com aproveitamento das carências já cumpridas, respeitando as seguintes regras de portabilidade:
O plano atual deve ter sido contratado após 1º de janeiro de 1999 ou ter sido adaptado à Lei dos Planos de Saúde (Lei n.º 9.656/98);
O plano de destino deve ter faixa de preço compatível com o plano atual, isso deve ser consultado no guia disponível no site da ANS;
O contrato deve estar ativo, ou seja, o plano atual não pode estar cancelado;
O pagamento do plano de origem deve estar em dia;
É preciso cumprir o prazo mínimo de permanência. Para a primeira portabilidade são dois anos no plano de origem ou três anos se tiver cumprido cobertura parcial temporária para uma doença ou lesão preexistente. Para a segunda portabilidade, o prazo é de um ano ou dois anos caso tenha feito portabilidade para o plano atual com coberturas não previstas no anterior.
Em casos em que o usuário tem que mudar de plano por motivos alheios à sua vontade, como morte do titular, cancelamento do contrato ou falência da operadora, não é exigida compatibilidade de preço ou cumprimento do prazo de permanência.
Posso manter o plano da empresa após minha aposentadoria?
O aposentado que contribuía para o custeio do seu plano de saúde tem o direito de manter as condições de cobertura assistencial que possuía na vigência de seu contrato de trabalho, diz a ANS. Nesse caso, o aposentado passa a pagar integralmente o valor do benefício.
A agência explica que o aposentado que contribuiu para o plano de saúde por período inferior a dez anos poderá permanecer no plano por um ano para cada ano de contribuição. Em todos os casos a permanência está condicionada a empresa continuar a oferecer o benefício a empregados ativos e ao aposentado não ser admitido em novo emprego.
Apesar dessa possibilidade existir, atualmente raras são as empresas que preveem a contribuição de pagamento de parte da mensalidade por seus funcionários, justamente para não ter idosos vinculados a sua carteira de beneficiário, o que tem efeito sobre a sinistralidade e o custo geral do grupo. Vale destacar que pagamento de coparticipação, ou seja, de percentual do valor de procedimentos realizados, não conta para obtenção desse benefício.
Planos individuais
Apesar do preço inicial da mensalidade costumar ser mais alto nesse tipo de contrato, ele é o que oferece maior proteção ao consumidor. Isto porque, o reajuste anual é limitado pela ANS (este ano ficou em 9,27%) e não é possível a rescisão unilateral do contrato pela operadora, exceto por fraude ou inadimplência por mais de 60 dias em 12 meses. No entanto, a oferta de planos individuais é pequena.
Coletivos por adesão
São o tipo de contratação mais comum nessa faixa etária. Nesse contrato, a vinculação ao plano de saúde é feita por alguma entidade representativa profissional. O preço da mensalidade de entrada é usualmente mais baixo, no entanto, os reajustes são tradicionalmente maiores. Este ano, por exemplo, boa parte está na faixa entre 25% e 50%.
Coletivo empresarial
Para fazer esse tipo de contrato é preciso ter um CNPJ ativo. A maioria das empresas faz esse tipo de contratação a partir de dois beneficiários. Assim como o de adesão, a mensalidade inicial é mais baixa do que a de planos individuais. No entanto, não há limitação de reajuste, o que pode resultar em índices bastante elevados. Para os contratos de pequenas e médias empresas, têm ficado na faixa dos 25% este ano. A operadora pode rescindir unilateralmente o contrato.
Verticalizados, regionais e vinculados a hospital
Para oferecer planos mais adequados ao orçamento dos idosos, uma das estratégias do setor é a verticalização da cobertura, ou seja, ofertar contratos com rede de prestação de serviço própria, o que ajudaria na gestão da saúde e consequentemente na redução dos custos.
Além disso, cresce a oferta de planos de abrangência regional, o que pode se restringir até a um município, algumas vezes, não há sequer cobertura para emergência fora daquela área. Há casos ainda de planos vinculados a um hospital, onde se concentra a maior parte dos serviços prestados ao usuário.
— Trata-se de planos com foco em atenção primária e com menos ênfase em serviços que a faixa etária não demanda. Tira-se o foco da maternidade, das doenças raras que nascem junto com a pessoa. Esse grupo não demanda, por exemplo, uma UTI pediátrica, neonatal de ponta —explica Marcos Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
Gestão de saúde para quem tem 60 anos ou mais
Uma das estratégias do setor é investir na gestão da saúde. Focada no público de 49 anos ou mais, a MedSenior adotou como estratégia a prevenção de doenças e o investimento em inovação e a aproximação com centro de pesquisas.
— O trabalho nos garante sinistralidade (relação entre valor arrecadado com mensalidades e gasto com assistência à saúde) bem abaixo do mercado, na faixa de 55%. Em outras carteiras, esse índice chega a 90%, o que torna o plano sustentável — diz Maely Coelho, presidente da operadora.
Tratamento especializado
Esse tratamento especializado está agradando Sandra Barbosa Corrêa, que aos 62 anos, pela primeira vez tem um plano de saúde. O filho contratou para ela a assistência há apenas sete meses.
— Faço oficinas para memória, fisioterapia, e até exercícios para subir e descer de ônibus — conta Sandra.
Responsável por 46% de todos os beneficiários de planos de saúde individuais e familiares do país, com 4,1 milhões de pessoas nessa modalidade de contratos, o sistema Unimed viu o número de usuários idosos crescer 30% em dez anos. A rede oferece 411 programas de promoção da saúde e prevenção, e 97 iniciativas de atenção primária à saúde, diz Omar Abujamra Junior, presidente da Unimed do Brasil.
O Grupo Assim informou que a medicina preventiva é uma ferramenta fundamental “para otimizar os recursos”.
A Amil diz que vem investindo na retomada da venda de planos individuais e familiares, com atendimento integrado nos hospitais próprios e consultórios de múltiplas, com maior previsibilidade de custos. Já exite um modelo em São Paulo, e há possibilidade de avaliar para outros locais do país.
— O mercado de serviços de saúde que tratar idosos como risco ou como expurgo está fadado ao fracasso. Entendemos que a postura deve ser de cuidar dessas pessoas com dignidade, investindo em prevenção, acompanhamento humanizado e gestão adequada.
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