Sustentabilidade financeira na saúde suplementar

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Veja Saúde | Tatiana Kota | 02/06/2023

 

A controvérsia da sustentabilidade financeira na saúde suplementar: apesar de lucros recordes, operadoras alegam prejuízo acumulado. O resultado foi a quebra de contratos, deixando muitas famílias desassistidas. E agora?

Novas questões sacodem o universo da saúde suplementar à medida que os planos de saúde revelam um panorama financeiro desfavorável.

Tatiana Kota – Vilhena Silva Advogados

O debate da vez trata de um prejuízo acumulado pelas operadoras de espantosos R$ 11,5 bilhões em 2022, apesar dos lucros recordes de R$ 18,7 bilhões em 2020 e R$ 3,8 bilhões em 2021.

As operadoras argumentam que esse rombo é resultado de decisões desfavoráveis para as empresas, como a lista exemplificativa de cobertura obrigatória, o fim da limitação de sessões de terapia e o aumento dos custos com insumos.

Entretanto, soa estranho que tais alegações sejam justificativas plausíveis em apenas 8 meses de vigência da Lei n. 14.454/2022, que trata do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Seria uma simples lei capaz de causar tamanho estrago, ou os dados divulgados pelas operadoras escondem inconsistências?

 

Quebras de contratos

Independentemente da resposta, a realidade é que as operadoras já tomaram medidas que consideram necessárias para a suposta sustentabilidade do setor, como rescisões contratuais.

Testemunhamos inúmeros relatos de famílias que tiveram seus planos de saúde cancelados sem justificativa, resultando na interrupção de tratamentos multidisciplinares para crianças com transtorno do espectro autista (TEA) e outros pacientes vulneráveis.

O Ministério Público de São Paulo até mesmo iniciou um inquérito civil para investigar as denúncias de rescisões de contratos de beneficiários em tratamento médico.

Vale ressaltar que a ANS determinou, no ano passado, o fim da limitação de sessões de psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e fisioterapia para portadores de autismo. Assim como a cobertura de qualquer método ou técnica recomendada para o tratamento do autismo e outros transtornos globais do desenvolvimento.

 

Coincidentemente, esse foi o grupo mais afetado pelos cancelamentos unilaterais.

O que parecia ser um benefício se transformou em pesadelo para muitas famílias que dependem do sistema de saúde suplementar para garantir as terapias de seus filhos.

No cerne da questão, está a obrigação da operadora de garantir a continuidade dos serviços médicos para pacientes internados ou em tratamento, desde que o usuário esteja em dia com as mensalidades.

Contudo, as operadoras de planos de saúde invocam cláusulas presentes em contratos empresariais e coletivos por adesão. Isso permite o cancelamento a qualquer momento, sem necessidade de justificativa, desde que seja comunicado com 60 dias de antecedência.

Isso deixa o consumidor desamparado e à mercê das empresas.

A estratégia desumana, no entanto, não possui amparo legal.

Isso porque o entendimento predominante no Poder Judiciário é de que as rescisões unilaterais de contratos empresariais com menos de 30 vidas, sem motivação idônea e com beneficiário em tratamento, são consideradas abusivas.

Quanto à rescisão de contratos individuais/familiares, o artigo 13, parágrafo único, da Lei 9.656/98 permite o cancelamento por fraude ou inadimplência por mais de 60 dias, desde que haja notificação prévia.

No entanto, essa modalidade sofre intervenção da ANS e está se tornando cada vez mais rara no mercado de saúde suplementar.

Diante desse cenário de desamparo, o Poder Judiciário tem acolhido as demandas dos beneficiários para permanecerem nos convênios, caracterizando como abusiva a conduta das operadoras ao expulsar os usuários mais vulneráveis.

Portabilidade do plano de saúde

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A vida é cheia de imprevistos e muitas vezes somos obrigados, contra a nossa vontade, a mudar de plano de saúde. É o caso de quem trabalha em empresa e perde o benefício quando é demitido. Ou de quem paga um plano particular e, por problemas financeiros, precisa migrar para outro mais em conta. Alguns segurados também optam pela troca em busca de uma rede credenciada que atenda de forma mais satisfatória.

Seja qual for o motivo, é possível, em muitos casos, fazer a portabilidade do plano de saúde. Ela permite a migração sem exigir o cumprimento de novas carências.

Saiba quem pode pedir a portabilidade

Advogada Francine Pessoa Rocha, do Vilhena Silva Advogados

Advogada Francine Pessoa Rocha, do Vilhena Silva Advogados

Nem todo mundo pode mudar de plano de saúde por portabilidade. É preciso que o beneficiário do plano de saúde atenda algumas condições, conforme a Resolução 438 da ANS. São seis regras, a advogada Francine Pessoa Rocha, do Vilhena Silva Advogados, explica que é preciso cumprir todas elas, de forma cumulativa. Veja quais são:

  1. O plano de saúde deve ter sido contratado após 1º de janeiro de 1999 ou, se mais antigo, ter sido adaptado às Leis do Plano de Saúde (Lei 9658/98).
  2. O contrato atual deve estar em vigor. Ou seja, não pode ter sido cancelado.
  3. É preciso estar com o pagamento do plano de saúde em dia.
  4. É necessário que o beneficiário tenha permanecido dois anos no plano do qual quer sair ou três anos, se tiver cumprido Cobertura Parcial Temporária (CPT) para uma Doença ou Lesão Preexistente. Se já tiver feito portabilidade antes, o prazo de permanência é de um ano.
  5. O plano de destino deve ter preço igual ou inferior ao plano atual.
  6. Se for migrar para um plano coletivo por adesão, é preciso comprovar vínculo com alguma entidade de classe.

Quais são as exceções?

Em alguns casos, o beneficiário não precisa cumprir todos os requisitos acima para pedir a portabilidade. Ele é dispensado de preencher as seis regras se:

  • O plano coletivo foi cancelado, seja pela operadora ou pela empresa, ou associação que o contratou;
  • O titular do plano tiver falecido;
  • O titular foi demitido da empresa (ou pediu demissão);
  • O beneficiário perdeu a condição de dependente no plano do titular.
  • Nestes quatro casos, é possível pedir a portabilidade, mas as regras são diferentes. Saiba quais são elas:
  • O plano não precisa estar ativo
  • Não há necessidade de permanência mínima (mas pode incidir carência)
  • Não é obrigatório que o novo plano seja em faixa de preço compatível. Ele pode ser mais caro.

Como pedir a portabilidade

O primeiro passo é entrar no site da ANS e acessar o Guia ANS de Planos de Saúde. Basta informar qual o seu plano que o sistema mostrará automaticamente quais são os mais adequados para a troca, comparando o valor da mensalidade.

Em seguida, é preciso entrar em contato com a operadora com a qual se tem contrato e solicitar uma carta de portabilidade. Depois, basta acionar o plano para o qual se quer mudar e fazer a solicitação de troca, apresentando o comprovante de que está em dia com a operadora atual e o relatório de compatibilidade. É neste momento, no entanto, que começam as dificuldades.

Quais são as armadilhas na hora de pedir portabilidade?

Segundo Francine, muitas operadoras simplesmente ignoram o pedido de portabilidade. “Isso acontece com frequência, quando se trata de um beneficiário de mais idade. As operadoras não dão uma negativa expressa, pois, se colocarem a idade como restrição, vão ferir o Estatuto do Idoso. Elas simplesmente ignoram completamente a solicitação, fingem que não receberam”.

Quando os pacientes são mais jovens e precisam fazer a portabilidade, muitas vezes recebem a informação de que vão ter que cumprir carência para partos e internações psiquiátricas. Mas, atenção, isso é proibido! E, muitas vezes, segundo Francine, alguns corretores contratados para fazer a nova adesão, mediante portabilidade, acabam só contratando novos planos, sem observar as regras para portabilidade, para agilizar a contratação. Fique de olho!

O que fazer se não conseguir a portabilidade?

Recorrer à Justiça é o melhor caminho para garantir seu direito à portabilidade. Afinal, se a ANS permite, por que cumprir novamente carências que já foram pagas?

Foi o que fez uma moradora de São Paulo que desejava migrar de plano. Ela fez inúmeros contatos com o plano de saúde para o qual desejava migrar, após ser desligada da empresa em que trabalhava, mas não recebia resposta. Com câncer de mama, ela não podia ficar sem atendimento e, por isso, não pensou duas vezes em acionar uma equipe jurídica em busca de solução. Os advogados entraram com um pedido de liminar, deferido pelo juiz que o analisou. Eles conseguiram que o novo plano aceitasse a paciente oncológica, sem a exigência de novas carências.

Não se deixe enganar. Mesmo em casos em que o beneficiário está em tratamento de saúde, é possível solicitar a portabilidade. A única exceção é se ele estiver internado. Nesse caso, é preciso esperar a alta para solicitar a troca. Fique sempre atento e, na dúvida, procure um advogado.

plano de saúde; cobertura oncológica; imunoterapia oral; quimioterapia; negativa abusiva; direito à saúde; medicamentos de alto custo; Rol da ANS; tratamento domiciliar

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MigalhasTatiana Kota | 18/4/2023

 

A medicina tem um papel fundamental para incorporar novas tecnologias e medicamentos para beneficiar o paciente já debilitado pela enfermidade, sobretudo os protocolos contra o câncer, que além dos quimioterápicos convencionais, seja intravenoso ou oral, contam ainda com as imunoterapias em comprimidos.
TATIANA KOTA

Tatiana Kota, Advogada especialista em direito à saúde do Vilhena Silva Advogados.

Atualmente, algumas terapêuticas já são realizadas fora do ambiente hospitalar com medicamentos de uso oral, capazes de combater a patologia e reduzir os indesejáveis efeitos colaterais, todavia, o alto custo ainda é um empecilho para o pleno acesso de muitos pacientes, que são impedidos de usufruir da terapia mais moderna.

Por conta disso, os beneficiários acionam seus convênios médicos para custeio do tratamento, porém, são surpreendidos com a recusa, sob alegação de exclusão contratual para fornecimento de remédios de uso domiciliar, ou seja, os planos de saúde alegam que são obrigados a fornecer medicamentos apenas em ambiente hospitalar, contrariando frontalmente o ordenamento jurídico.

As operadoras de planos de saúde também sustentam a negativa sob o argumento de que algumas medicações ainda não foram incorporadas no Rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), apesar do registro na Anvisa e aprovação de órgãos internacionais.

Contudo, entraves burocráticos no processo de liberação não podem se tornar impedimento para que os beneficiários tenham acesso a fármacos imprescindíveis e comprovadamente eficazes que podem, até mesmo, obstar a progressão da moléstia, alcançar a cura e salvaguardar vidas.

Cumpre destacar que a Agência Nacional de Saúde Suplementar e a Lei 9.656/98 ampliaram a obrigatoriedade de cobertura dos medicamentos, mesmo fora do ambiente hospitalar, incluindo a quimioterapia oncológica ambulatorial, antineoplásicos orais, bem como os medicamentos para o controle de efeitos adversos e adjuvantes de uso domiciliar relacionados ao tratamento de combate contra o câncer.

Ademais, importante ressaltar que a lei 9.656/98 prevê expressamente a obrigatoriedade de cobertura de todas as doenças previstas na Classificação da Organização Mundial de Saúde (CID 10), logo, vedar o procedimento capaz de combater a enfermidade mostra-se abusiva, além de impossibilitar que o contrato atinja sua finalidade.

Referida conduta não encontra respaldo no entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça de que cabe ao médico determinar a melhor orientação terapêutica ao paciente e não o plano de saúde.

Na mesma linha de raciocínio, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pacificou o tema por intermédio da Súmula 102: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.”

Diante deste cenário, o consumidor é obrigado a buscar a efetivação dos seus direitos por meio do Poder Judiciário, que tem o condão de coibir condutas abusivas das operadoras de planos de saúde, determinando o imediato custeio do tratamento recomendado ao paciente pela equipe médica.

Tatiana Kota
Advogada especialista em direito à saúde do Vilhena Silva Advogados.

Aumento abusivo plano de saúde coletivo: advogado esclarece a questão

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Recebeu um boleto do plano de saúde coletivo com aumento?

Apesar de estarem previstos em contratos, os reajustes anuais dos planos coletivos não são submetidos a qualquer tipo de fiscalização ou controle da ANS, ou pela Lei 9.656/98. Sendo assim, a operadora é livre para aplicar os reajustes unilateralmente, colocando o consumidor em extrema desvantagem.

O problema é que o reajuste anual por sinistralidade apresenta cálculos obscuros e de difícil compreensão, que pode levar a empresa a optar pelo cancelamento ou descontinuidade do plano, comprometendo algum funcionário que esteja em tratamento.

Porém, a aplicação do reajuste por sinistralidade nos planos coletivos deve ser feita com transparência por parte da operadora.

Rafael Robba, especialista em Direito à Saúde

Rafael Robba, advogado especialista em direito à saúde e sócio do Vilhena Silva Advogados

Dessa forma, percebe-se uma tendência do Poder Judiciário em revisar os reajustes nos planos coletivos quando os percentuais demonstram-se onerosos e abusivos. E ainda, quando não são devidamente justificados pelas operadoras de planos de saúde.

Os consumidores devem e podem questionar sobre reajustes injustificados.

O primeiro passo é ler o contrato do plano de saúde com atenção e conferir se as cláusulas relativas aos reajustes são claras e delimitam o índice que está sendo aplicado.

Não havendo solução, o consumidor deve procurar um advogado especialista na área de direito à saúde para analisar o contrato e verificar se houve aumento excessivo com base no histórico de pagamentos.

rol taxativo; judicialização da saúde; planos de saúde; ANS; direito à saúde; decisões judiciais; medicamentos; tratamentos; custo-efetividade

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Futuro da Saúde | Rafael Machado | 28/09/2022 | Fábio Santos

 

Lei que derruba o rol taxativo deve provocar aumento da judicialização. Tribunais buscam adotar critérios técnicos e fundamentados.

A judicialização da saúde é um dos principais temas em mesas, debates e eventos que discutem a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) e da saúde suplementar. Em 2021, o Brasil registrou mais de 395 mil novos processos judiciais sobre questões relacionadas à saúde, de acordo com o Painel de Estatísticas Processuais de Direito da Saúde, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Do total, 150 mil eram direcionadas à saúde suplementar sobre os mais diferentes temas, como acesso a terapias e medicamentos não cobertos pelos planos de saúde, questões contratuais, de carência, rede credenciada, mensalidade, entre outros. No entanto, a judicialização muitas vezes é utilizada de forma individual para obter tratamentos, o que ao longo prazo pode afetar o acesso da população como um todo.

Mesmo que um paciente tenha legitimidade em buscar acesso a esses tratamentos, as decisões de judicialização da saúde nem sempre levam em consideração questões orçamentárias. Com isso, torna-se inviável ao setor provisionar os gastos ao longo do ano, que é feito baseado no rol de procedimentos, no custo com prestadores de serviços e possíveis oscilações no número de beneficiários e do mercado. Levantamento da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), aponta que a judicialização das operadoras movimentou R$ 11,3 bilhões entre 2015 e 2020.

 

Os planos de saúde argumentam que, dessa forma, é impossível trabalhar sem repassar o valor ao usuário final. Com a recente aprovação da lei que amplia a possibilidade dos pacientes terem coberturas que não constam na lista de procedimentos obrigatórios, as operadoras apontam que a tendência é o cenário piorar: mais custos aos beneficiários e empresas, menos pessoas com convênios médicos – o que impactaria no aumento da demanda ao SUS. Planos de saúde e entidades estudam entrar com representação no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a lei.

Advogados e juristas acreditam que apesar dessa questão do entendimento sobre o rol da ANS não ter chegado ao fim, a judicialização da saúde tende a aumentar. Mesmo com uma redução do período de revisão do rol de procedimentos e análise de novas tecnologias por parte da Agência, que antes ocorria a cada 2 anos e passou a ser no máximo de 270 dias com a aprovação de uma lei em março deste ano, assim como a adoção de embasamentos científicos e técnicos por parte do Judiciário, outras soluções são necessárias para chegar a um consenso, seja sobre acesso ou orçamentário.

 

A judicialização e a saúde dos planos

 

A judicialização na saúde em grande parte está ligada ao acesso de medicamentos e tratamentos. Através de ações, indivíduos ou coletivos buscam por soluções para suas doenças ou condições de saúde. Nos anos 90, a busca por medicamentos para o controle do HIV ganhou destaque no Judiciário e, com o aumento exponencial de casos, houve a necessidade de incluir os medicamentos no SUS e criar políticas públicas específica para essa população.

“Para além dos aspectos positivos, como esse de fomentar políticas públicas, [a judicialização] também trouxe algumas consequências do ponto de vista da organização e economicidade do sistema. O sistema de saúde, público ou privado, tem orçamento inelástico, com valores que estão colocados ali para realizar as suas atividades. Cada vez que tem uma judicialização você tira de algum lugar, que ninguém sabe ao certo da onde é – mas de certo do orçamento da Saúde –, para destinar para A, B ou coletividade, dependendo do tipo de ação”, explica o desembargador João Paulo Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).

Em parte dos casos, o efeito é contrário. Ao atender demandas individuais de pacientes, outros tantos podem ficar desassistidos de cuidados, já que é preciso redirecionar o orçamento. No caso da saúde suplementar, o cenário é um pouco diferente. As possibilidades variam entre repassar os custos aos beneficiários ou tornar insustentável financeiramente o funcionamento da operadora.

Mesmo que pareça alarmismo, é preciso ter em mente que a maioria dos planos de saúde não possui milhões de vidas sob seus cuidados. Além disso, um levantamento da Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde) aponta que 267 operadoras estão trabalhando no vermelho, onde as despesas não cobrem as despesas. Elas cuidam de 33% dos usuários com planos de saúde no brasil. As empresas de pequeno porte são as mais afetadas, e metade delas está atuando nessas condições.

Com a sanção da lei 14.454/22, que amplia a cobertura de tratamentos para além do estabelecido no rol, essa situação pode se agravar ainda mais. “Agora a lei trouxe algo mais aberto, e vamos ter que trabalhar por isso. Inevitavelmente, isto é inexorável, ela vai impactar no custeio desses planos de saúde, e em alguma medida pode implicar em exclusão de usuários, porque vai ficar mais caro, e também impactos sobre o SUS com a chegada de novos usuários, que até o momento estavam cobertos pela saúde suplementar”, argumenta Gebran Neto.

A lei pode trazer impactos na judicialização, já que pacientes que não tenham acesso a tratamentos fora do rol buscarão entrar com processos amparados legalmente. Apesar de ter critérios estabelecidos, eles são considerados brandos, principalmente ao que se refere sobre a necessidade de ter “comprovação científica”. A ANS estuda lançar um decreto para estabelecer quais evidências são necessárias, a fim de minimizar abusos e que medicamentos com baixa eficácia sejam utilizados – e custeados pelos planos.

 

Como o Poder Judiciário tem trabalhado

“Nós temos que tratar das evidências científicas de um modo muito sério. Com isso, ao longo desses mais de 10 anos em que o debate da judicialização vem ganhando uma força muito grande no Brasil, começamos a reforçar a ideia de que tínhamos que mudar a racionalidade até então existentes nas primeiras ações, muito fundada na ‘esperança’, ‘córtex frontal’ ou ‘com a empatia do decisor com a pessoa que está postulando’, para um raciocínio adequado que deve ser jurídico e, como esse tema é transversal, também técnico”, analisa o desembargador.

O Poder Judiciário vem trabalhando para que as decisões relacionadas à saúde sejam embasadas em critérios técnicos e científicos, levando em conta não só a orientação médica, mas os pareceres científicos, os posicionamentos de outras agências reguladoras e a jurisprudência sobre o tema. Mesmo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através do Sistema e-NatJus, compilou decisões e pareceres que, apesar de não serem obrigatórios, podem auxiliar os juízes na tomada de decisão.

Contudo, a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o rol ser “taxativo, com exceções” trazia uma nova perspectiva. Isso porque além de ter a medicina baseada em evidências como princípio, solicitava que pacientes e seus médicos comprovassem que os tratamentos disponíveis dentro do rol não eram efetivos para aquele caso. Com a aplicação da nova lei esse critério pode cair por terra, já que não é previsto.

Gebran Neto avalia que “a forma que o Poder Judiciário adentrou nesse tema, e sei que a saúde é muito sensível e talvez seja o direito fundamental mais sensível de todos, assumiu para si a tarefa de tomar decisão sobre políticas públicas, de incorporação ou não de tecnologias, é algo que não tem praticamente precedentes no mundo. Pelo menos não nesse volume e nem em ações individuais”. Isso porque além de todos os pontos indicados, as decisões não levam em conta a custo-efetividade e a Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS), que além de certificar os dados apresentados de eficácia e segurança, analisam o impacto orçamentário para os sistemas de saúde.

 

Ponto de vista do usuário

Do ponto de vista do beneficiário de plano de saúde, a questão da custo-efetividade é secundária. Quem está com uma doença ou condição que requer tratamento, busca soluções rápidas e efetivas, e não leva em consideração o custo para os sistemas. Advogados em defesa de pacientes argumentam que, além do direito à saúde garantido na constituição, a lista de procedimentos dos planos de saúde sempre foi exemplificativa, constando apenas o mínimo necessário.

“O entendimento dos tribunais e do STJ era um pouco dividido, mas em geral tribunais do Estado, principalmente de São Paulo e do Rio de Janeiro, iam no sentido de que se o médico prescreveu e você não tem uma prova contrária de efeito colateral, a operadora tem que cobrir. Porque afinal, o contrato de plano de saúde tem o objetivo de garantir a busca da saúde do beneficiário”, afirma o advogado Fábio Santos, especialista em Direito à Saúde e sócio do escritório Vilhena Silva Advogados.

Com a lei que derruba o rol taxativo, amplia-se as possibilidades dos usuários conseguirem acesso a medicamentos e terapias. Contudo, o advogado acredita que a judicialização ainda seguirá sendo o caminho, já que em sua análise dificilmente os pacientes vão conseguir comprovar para a operadora a necessidade de tratamento e ela aceitar de “bom grado”.

“Imagino que não vá diminuir a judicialização porque o texto não define totalmente as situações em que um beneficiário terá acesso a um medicamento ou tratamento fora do rol. Ele dá uma margem de interpretação porque estabelece dois requisitos: ou tem uma eficácia na medicina baseada em evidências ou tem validação pela Conitec ou órgãos de avaliação de tecnologias que tenham renome em outro país e incorporados para a população”, avalia. Para o advogado, é preciso esperar para entender como os júris vão se portar diante das decisões.

 

Soluções viáveis

Fora da questão da judicialização, é preciso propor caminhos para que ela seja evitada cada vez mais. Fábio Santos avalia que a celeridade da ANS para avaliar a inclusão de novos procedimentos no rol é essencial para ampliar o acesso. A Agência tem trabalhado nesse sentido. Recentemente, além da redução do prazo para análise de medicamentos e terapias, também houve em julho uma decisão tornando ilimitadas as consultas com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeuta.

Também houve uma ampliação no que diz respeito ao tratamento de pacientes com transtorno globais de desenvolvimento, o que inclui o espectro autista. Tais ações da Agência vieram na sequência de protestos, debates e discussões sobre o rol da ANS, o que mostra que a pressão social exercida por entidades e familiares de beneficiários teve um papel importante na garantia desses direitos.

Outra solução para reduzir a judicialização e aumentar o acesso é proposta pela advogada Ana Claudia Pirajá Bandeira, presidente da Comissão Especial de Direito da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB): “Cada vez mais a medicina está mais evoluída. Então, vai ter que trabalhar no sentido de diminuição de cargas tributárias ou impostos. Às vezes um medicamento é caro porque a matéria-prima é cara, mas sabemos que tem alguns medicamentos que chegam muito caro no país e que talvez tivesse que ser rediscutido para dar acesso à sociedade que precisa”.

Pirajá também avalia que as mudanças propostas pelo STJ e pela lei do rol não devem ter muito impacto no número de ações contra os planos de saúde. Contudo, ela explica que houve uma mudança crucial sobre a forma que se constrói um processo para ter acesso a medicamentos e outras terapias que ainda não foram avaliadas ou não estão disponíveis.

“Pelos núcleos que eu trabalho e pelos debates, as pessoas continuaram a entrar na Justiça. Mas elas começaram a fundamentar mais os processos judiciais. Antes entrava e juntava uma declaração do médico e pronto. Agora ela traz um laudo, um parecer e exames complementares mostrando o benefício ao paciente. Temos uma ação mais fundamentada com maior condição de chegar ao fim com uma decisão procedente”, aponta a advogada.

 

É preciso calma

Na visão do advogado José Luiz Toro da Silva, fundador e presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Saúde Suplementar (IBDSS), apesar das questões do rol da ANS terem passado pelo Judiciário e Legislativo, é preciso ter paciência e analisar como os júris do país vão se portar e decidir, entendendo quais os critérios serão levados em consideração.

“Essa lei traz alguns conflitos com a própria lei dos planos de saúde e outras normas, como o Código de Defesa do Consumidor e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Vai demandar algum tempo para a gente então se adaptar para essa nova sistemática, até que tenha uma jurisprudência, decreto presidencial ou resolução da ANS estabelecendo melhor isso. Da forma que está a lei, vai suscitar muitas dúvidas e controvérsias”, afirma o advogado.

Toro aponta que “não se interpreta a lei aos pedaços” e existem incongruências e conflitos por todos os lados. Como exemplo, cita o caso: um medicamento que não foi aprovado pela Conitec para a inclusão no SUS, mas um juiz com apoio técnico e médico avaliar que as evidências científicas são suficientes para dar parecer favorável ao paciente. Ainda, relembra que todo medicamento utilizado no país deve ter aval da Anvisa.

No entanto, Toro avalia que o número de processos sobre o tema é condizente ao número de usuários de planos de saúde. “Se você levar em consideração que estamos falando de um setor que já está beirando 50 milhões de beneficiários, 150 mil ações também não são tantas assim. A ANS também exerce um papel muito importante nas chamadas Notificação de Intermediação Preliminar (NIP), ou seja, há uma possibilidade das pessoas não ingressarem em juízo, mas procurar através da Agência resolver o seu problema”, propõe como uma das soluções para o tema.

Ele ainda avalia que o período eleitoral e o Brasil polarizado politicamente torna o ambiente inviável para se debater a judicialização da saúde. Contudo, é preciso que a discussão siga para trazer definições que auxiliem todos os envolvidos a manter a sustentabilidade dos sistemas e o acesso dos pacientes aos tratamentos.