Corte definirá validade da lei 14.454/22.
Nesta quinta-feira, 10, o STF iniciou, em sessão plenária, o julgamento da constitucionalidade das alterações promovidas pela lei 14.454/22, que ampliaram a possibilidade de cobertura de tratamentos e procedimentos médicos fora do rol da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar.
Na sessão desta tarde, foi lido o relatório do caso e os ministros ouviram as sustentações orais das partes e amici curiae.
O julgamento foi suspenso e ainda não há previsão para continuidade da análise.
Caso
A ação foi ajuizada pela Unidas – União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde, que questiona a validade da lei 14.454/22, responsável por alterar dispositivos da legislação dos planos de saúde.
A entidade sustenta que a norma amplia de forma indevida as obrigações das operadoras, desconsiderando o caráter complementar da saúde suplementar previsto no art. 199, § 1º da CF, e impõe encargos superiores aos exigidos do próprio SUS. Segundo a autora, isso compromete a lógica contratual e atuarial que sustenta o setor.
O pedido principal é pela declaração de inconstitucionalidade material de dois pontos específicos: a expressão “contratados a partir de 1º de janeiro de 1999” e a integralidade do § 13 do art. 10 da lei 9.656/98, que passou a tratar o rol de procedimentos da ANS como meramente exemplificativo.
Para a Unidas, essa interpretação impõe às operadoras a obrigação de cobrir tratamentos não previstos expressamente, gerando incertezas e aumentando a judicialização.
Subsidiariamente, requer uma interpretação conforme à Constituição, condicionando a cobertura excepcional à existência de protocolo de pedido na ANS, mora irrazoável da agência e inexistência de alternativa terapêutica já incorporada.
Pelo rol taxativo
Na tribuna do STF, o advogado Luís Inácio Lucena Adams, do escritório Tauil & Chequer Advogados, representando a Unidas, defendeu a tese de inconstitucionalidade dos dispositivos, alegando violação a princípios como a isonomia, segurança jurídica, livre iniciativa e o respeito à atuação técnica das agências reguladoras.
Criticou especialmente a aplicação retroativa da norma a contratos anteriores, apontando afronta ao princípio do ato jurídico perfeito e desequilíbrio nos cálculos atuariais das operadoras.
Também contestou o § 13 do art. 10, por entender que ao tornar o rol da ANS exemplificativo, a lei esvazia a função técnica da agência e transfere decisões sobre coberturas a critérios subjetivos de médicos e pacientes, o que gera insegurança jurídica. Defendeu que a ANS já atua com eficiência, dinamismo e participação social, tendo incorporado mais de cem novos procedimentos nos últimos três anos.
Por fim, alertou para os riscos econômicos de obrigar operadoras a cobrir tratamentos fora do rol sem critérios técnicos claros, especialmente em um cenário de envelhecimento populacional e fragilidade financeira de parte das operadoras.
Com base em parecer técnico, afirmou que a ampliação das coberturas pode comprometer a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar, e reiterou o pedido de inconstitucionalidade ou, alternativamente, a interpretação conforme para preservar o equilíbrio contratual e a função reguladora da ANS.
Pelo rol exemplificativo
Na defesa da constitucionalidade da norma, o advogado da União Lyvan Bispo dos Santos sustentou que os §§ 12 e 13 do art. 10 da lei 9.656/98, incluídos pela lei 14.454/22, são fruto de um processo legislativo legítimo, amplamente debatido, e refletem o amadurecimento institucional em torno do direito à saúde como direito fundamental, conforme previsto na CF.
Segundo ele, os dispositivos não esvaziam o papel regulador da ANS, mas estabelecem situações excepcionais e bem definidas em que a cobertura de procedimentos não listados no rol será obrigatória, desde que haja comprovação científica de eficácia, ou recomendação da Conitec, ou de órgão internacional reconhecido.
O advogado destacou que a lei busca sanar lacunas normativas e permitir respostas mais ágeis a demandas urgentes, especialmente em contextos em que o processo de incorporação pela ANS ainda está em andamento.
Rebateu os argumentos sobre suposto desequilíbrio financeiro ao setor, citando dados recentes da própria ANS: em 2024, o setor registrou lucro líquido de R$ 11,8 bilhões, representando um aumento de 271% em relação ao ano anterior – o melhor desempenho desde o início da pandemia.
Por fim, afirmou que a nova legislação fortalece a proteção do usuário de planos privados, assegurando acesso a tratamentos eficazes, mesmo diante da constante inovação médica, sem desrespeitar os princípios constitucionais e mantendo a complementariedade entre os setores público e privado da saúde.
Amici curiae – Pelo rol exemplificativo
Pelos amici curiae favoráveis ao caráter exemplificativo do rol da ANS, diversas entidades se manifestaram em defesa da constitucionalidade da lei 14.454/22.
O advogado Alexandre Kruel Jobim, representando a Interfarma – Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, sustentou que a norma apenas formalizou uma prática consolidada, já reconhecida por operadoras e tribunais, e que restringir o acesso a tratamentos fora do rol compromete a saúde dos pacientes e transfere custos ao SUS. Para ele, o rol sempre foi referência mínima, e não limitadora.
A advogada Margarete Brito, fundadora da Apepi – Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal, defendeu um sistema de saúde mais inclusivo e criticou a lógica mercadológica que rege decisões da ANS. Alertou que tornar o rol taxativo institucionaliza a exclusão de tratamentos essenciais, especialmente para doenças raras.
Na mesma linha, o advogado Gustavo Oliveira Chalfun, da banca Chalfun Advogados Associados, também pela Apepi, afirmou que a lei corrige distorções históricas e devolve dignidade aos pacientes ao reconhecer a autonomia médica e o uso de terapias com base em evidências científicas.
O advogado Carlos Eduardo Frazão do Amaral, em nome da Sociedade Brasileira de Diabetes, Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Instituto Diabetes Brasil e Associação Nacional de Atenção ao Diabetes, reforçou que a nova legislação responde a uma mudança jurisprudencial do STJ e introduz critérios técnicos e seguros. Rejeitou o discurso de crise no setor, destacando lucros bilionários das operadoras e defendendo que o debate deve priorizar os direitos fundamentais.
Por sua vez, o advogado Alexandre Amaral de Lima Leal, pelo Coffito – Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, reiterou que o rol sempre foi tratado como exemplificativo e que a nova lei trouxe objetividade ao processo decisório, ao mesmo tempo em que reconhece o papel dos profissionais de saúde. Rejeitou a tese de impacto econômico, mencionando que os lucros das operadoras não foram comprometidos.
Já o advogado Walter José Faiad de Moura, representando o IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, criticou a tentativa de transformar contratos de risco em instrumentos sem qualquer ônus para as operadoras. Para ele, o rol taxativo funciona como uma “loteria de bilhete marcado” e representa retrocesso na proteção dos consumidores.
A advogada Camilla Varella Franco, do Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência, afirmou que a tentativa de impor o rol taxativo revela uma manobra das operadoras para limitar o papel do Judiciário. Disse que a lei14.454 nasceu de um processo democrático e é técnica, equilibrada e legítima. Rejeitou o discurso de colapso financeiro, destacando lucros expressivos das operadoras, e defendeu o respeito aos princípios constitucionais da saúde.
Também se manifestou a advogada Renata Vilhena Silva, do escritório Vilhena Silva Advogados, representando a Associação Beneficente de Amparo a Doentes de Câncer. Ela alertou que a atuação da ANS está comprometida por interesses privados e que o rol taxativo coloca vidas em risco, especialmente de pacientes oncológicos que não podem esperar longos prazos regulatórios. Lembrou que a lei 14.454 surgiu da mobilização popular, após a exclusão de tratamentos por decisão do STJ.
Por fim, o Defensor Público Federal Antônio Ezequiel Barbosa, pela DPU, afirmou que os dispositivos impugnados não violam a CF – ao contrário, reforçam o direito à saúde e se alinham a tratados internacionais. Destacou que o art.35-F da lei 9.656/98 garante a cobertura de todas as ações necessárias à saúde, criticou a lentidão na atualização do rol e rebateu o argumento de desequilíbrio financeiro com dados do Ipea que indicam crescimento de lucro mesmo com rol exemplificativo.
Para a DPU, a lei traz equilíbrio ao exigir comprovação científica sem impedir acesso, e impedir tratamentos fora do rol penaliza justamente os mais pobres.
Amici curiae – Pelo rol taxativo
O advogado Guilherme Henrique Martins Moreira, representando a Unimed, defendeu a importância da atuação técnica da ANS na regulação do setor e criticou o § 13 do art. 10 da lei 9.656/98, que, segundo ele, esvazia o papel da agência ao permitir a incorporação de procedimentos sem sua análise.
Alertou para os riscos clínicos e financeiros da adoção de medicamentos não avaliados, especialmente para pequenas e médias operadoras que atendem milhões de beneficiários e não têm margem para suportar custos inesperados. Citou precedentes do STF para reforçar que a segurança assistencial e a sustentabilidade do sistema dependem da atuação criteriosa da ANS, baseada em evidências científicas, custo-benefício e impacto financeiro.
A advogada Maria Claudia Bucchianeri, pela Abramge – Associação Brasileira de Planos de Saúde, defendeu um equilíbrio entre o direito à saúde, a segurança dos tratamentos e a viabilidade econômica dos planos.
Argumentou que a lei 14.454 fragilizou o controle técnico ao permitir a cobertura de tratamentos apenas com base na eficácia, sem considerar segurança, acurácia ou custo. Para ela, a ausência de critérios objetivos compromete a previsibilidade e aumenta a judicialização, podendo levar à falência de operadoras e à sobrecarga do SUS.
Também se manifestou o advogado Carlos Eduardo Caputo Bastos, representando a FenaSaúde – Federação Nacional de Saúde Suplementar, que enfatizou que a discussão não se resume à lucratividade das operadoras, mas à natureza contratual e jurídica da saúde suplementar. Segundo ele, a CF atribui ao Estado, e não ao setor privado, o dever de garantir saúde universal.
Criticou o processo de aprovação da lei 14.454, classificando-o como apressado, sem análise técnica adequada nem debate legislativo substancial. Defendeu que os contratos firmados com os consumidores devem ser respeitados, sem ampliações unilaterais que comprometam o equilíbrio econômico-financeiro do setor.
Processo: ADIn 7.265
Desde 2022…
A discussão a respeito da natureza jurídica do rol de procedimentos da ANS – se taxativo ou exemplificativo – ganhou intensidade a partir de meados de 2022.
Até então, o STJ não havia firmado entendimento unificado. A 3ª turma defendia que o rol era exemplificativo, permitindo a inclusão de procedimentos não listados com base em prescrição médica. Já a 4ª turma, desde 2019, sustentava a tese do rol taxativo, admitindo exceções apenas em casos específicos.
Diante do impasse, a matéria foi levada à 2ª seção da Corte da Cidadania, responsável por uniformizar a jurisprudência das turmas de direito privado.
Em junho de 2022, ao julgar os EREsp 1.886.929 e 1.889.704, a 2ª seção decidiu, por maioria, que o rol da ANS é taxativo, mas admitiu exceções.
O voto do relator, ministro Luís Felipe Salomão, com sugestões do ministro Villas Bôas Cueva, estabeleceu critérios para a cobertura de procedimentos não listados:
Inexistência de substituto terapêutico no rol;
Comprovação de eficácia com base na medicina baseada em evidências;
Recomendação de órgãos técnicos como Conitec ou Natjus; e
Diálogo prévio do magistrado com especialistas.
STJ define que rol da ANS é taxativo para planos de saúde
A reação do Congresso Nacional foi rápida.
Em setembro de 2022, foi sancionada a lei 14.454/22, que reverteu o entendimento do STJ e passou a tratar o rol da ANS como exemplificativo.
A nova lei garante a cobertura de procedimentos fora da lista, desde que haja eficácia comprovada, recomendação da Conitec ou de entidades internacionais reconhecidas, ausência de alternativa terapêutica no rol, e inexistência de negativa expressa da ANS.
A norma também reforçou os direitos dos consumidores ao submeter os planos de saúde ao CDC, inclusive para contratos anteriores à lei 9.656/98.
Agora, a constitucionalidade da nova lei está sendo questionada no STF.