

Migalhas | 30.01.24 | Isabela Pereira
Beneficiários Sul América receberam notificação sobre comprovação de dependência financeira dos dependentes, sob risco de exclusão da apólice. Contrato regido pelo CDC não previa informação prévia sobre essa possibilidade.
No final de 2023, os beneficiários do plano de saúde da Operadora Sul América foram surpreendidos com o recebimento de uma Notificação, em que a operadora informou acerca da necessidade de comprovação de dependência financeira de seus dependentes, sob a penalidade de caso não comprovada, estes serem excluídos da apólice.
Ocorre que, no momento da contratação do plano de saúde, os beneficiários não são informados da possibilidade de exclusão de seus dependentes, restando apenas cientes de quais os critérios necessários para a inclusão de eventuais dependentes de sua apólice.
Sabe-se que o negócio jurídico firmado entre a operadora de plano de saúde e os beneficiários constitui típico contrato regulado pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC, no qual se visa à “realização do interesse de cada uma das partes – pelo consumidor, visando à obtenção do bem da vida (produto ou serviço) desejado; pelo fornecedor, a remuneração decorrente da contratação1”.
Isso posto, na hipótese de ausência de informação clara e objetiva sobre as cláusulas contidas no contrato firmado entre as partes, tem-se que, por força do artigo 46 do CDC2, os beneficiários não poderão ser vinculados ao contrato nesses termos.
O dever de informação constitui corolário do próprio princípio da boa-fé objetiva, e visa, segundo JOSÉ GERAL BRITO FILOMENO, “informar bem o público consumidor sobre todas as características importantes de produtos e serviços, para que aquele possa adquirir produtos, ou contratar serviços, sabendo exatamente o que poderá esperar deles3”.
Não obstante, também ensina Cláudia Lima Marques que “uma vez que nos contratos de adesão o consumidor tem de aceitar em bloco as cláusulas preestabelecidas pelo fornecedor, na maioria das vezes o consumidor nem sequer lê completamente o instrumento contratual ao qual vai aderir. Modernamente, porém, considera-se que exista um dever de transparência nas relações de consumo. Assim, o consumidor deve ser informado, deve ter, pelo menos, a oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo do contrato4”.
Assim, a operadora do plano de saúde não pode, após celebrar o contrato e transcorridos anos após a inclusão dos dependentes na apólice, informar que estes serão excluídos, vez que é de sua responsabilidade informar a todos os beneficiários de forma clara e objetiva todas as cláusulas impostas à aderência, incluindo eventuais alterações durante a relação contratual e quais os critérios de exclusão.
Dessa forma, a exclusão dos dependentes, com déficit informativo, coloca o consumidor em desvantagem exagerada (CDC, artigo 39), o que acarreta a nulidade de pleno direito dos respectivos dispositivos contratuais, nos termos do artigo 51 do CDC.
Ressalta-se, ainda, que a manutenção dos dependentes na apólice por determinado período e sem qualquer necessidade de comprovação de elegibilidade, além do vínculo familiar, cria-se uma expectativa de direito de que estes não serão mais excluídos do plano de saúde.
Esse cenário pode ser interpretado por dois prismas do direito: a boa-fé contratual e vedação do venire contra factum proprio.
No venire contra factum proprio, tem-se que a parte contratante adota uma determinada conduta, que gera uma expectativa de direito no parceiro contratual, e, posteriormente, assume comportamento completamente oposto àquele, frustrando a expectativa criada. Para Anderson Schreiber:
“O nemo potest venire contra factum proprium representa, desta forma, instrumento de proteção a razoáveis expectativas alheias e de consideração dos interesses de todos aqueles sobre quem um comportamento de fato possa vir repercutir. Neste sentido, o princípio de proibição ao comportamento contraditório insere-se no núcleo de uma reformulação da autonomia privada e vincula-se diretamente ao princípio constitucional da solidariedade social, que consiste em seu fundamento normativo mais elevado”. (A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança venire contra factum proprium, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pág. 269/270).
Já a boa-fé contratual encontra amparo no instituto da Supressio, que significa a redução do conteúdo obrigacional mediante o fenômeno pelo qual um direito não mais pode ser exercido, posto que não usufruído por determinado período de tempo e a intenção de exercê-lo posteriormente contrariaria a expectativa gerada na relação jurídica estabelecida.
Assim, pode-se caracterizar a Supressio quando determinadas relações jurídicas deixam de ser observadas com o passar do tempo e, em decorrência, surge para a outra parte a expectativa de que aquele direito/obrigação originariamente acertado não será exercido na sua forma original. Isto é, a supressio consiste no fenômeno da supressão de determinadas relações jurídicas pelo decurso do tempo.
De outra sorte, ao mesmo tempo em que o credor perde um direito por essa supressão, surge um direito a favor do devedor, por meio da surrectio, direito este que não existia juridicamente até então, mas decorre da efetividade social, de acordo com os costumes.5
Contudo, os entendimentos e princípios supramencionados não são aplicados de forma voluntária pelas operadoras de planos de saúde.
Isso porque, em novembro de 2023, uma beneficiária da Operadora Sul América recebeu uma Notificação informando que, no prazo de 60 dias, a titular deveria comprovar a dependência financeira de seus dependentes vinculados ao plano de saúde.
A beneficiária em questão possuía uma relação contratual com a operadora há mais de 30 anos e possuía 2 dependentes em seu plano de saúde, sendo estas suas filhas naturais.
Em atenção à possibilidade de que as suas 2 filhas fossem excluídas de seu plano de saúde, a beneficiária procurou um escritório especializado em Direito à Saúde, a fim buscar amparo no Poder Judiciário.
Isabela Pereira – Vilhena Silva
Ao analisar o caso concreto, a Magistrada da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros do Estado de São Paulo, nos autos sob 1021336-10.2023.8.26.0011, determinou que as dependentes fossem mantidas no plano de saúde da titular, sob o fundamento de que “os autores possuem o plano de saúde da ré, através de seu dependente financeiro e não tem nenhum motivo justificável para exclusão dos dependentes e por isso devem ser mantidos no plano”.
Ora, não há qualquer fundamento legal capaz de embasar a atitude unilateral da operadora de plano de saúde, vez que a exclusão perpetrada dos dependentes e transcorridos anos sem qualquer oposição, revela manifesto comportamento desleal, colocando a parte em desvantagem exagerada, incompatível com a boa-fé objetiva, sendo, pois, abusiva.
Não obstante, sobre o tema, tem decidido o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que “o ordenamento jurídico não tolera ato contrário ao esperado, praticado após o transcurso de razoável período de tempo em que a seguradora não discutiu o cumprimento do contrato, gerando a expectativa quanto ao não exercício de seu direito subjetivo à exclusão dos autores.”6
Isso posto, tem-se que a postura unilateral das operadoras em excluírem os dependentes das apólices trata-se de inovação, sendo abusiva e de caráter punitivo aos beneficiários.
Certo é que a prestação de serviço de saúde é, em princípio, um dever do Estado (CF, artigo 196), mas que, ante a falta de preparo do poder público para exercer esta função, foi assumida por empresas privadas, atraídas pela alta lucratividade que essa atividade oferece. Todavia, não se pode permitir que, embora exercida por empresas privadas, se percam os valores consagrados pela nossa ordem constitucional.
Dessa forma, tendo em vista à pretensão apresentada pelas operadoras de plano de saúde em excluírem os dependentes da apólice, os beneficiários estão sendo obrigados a procurarem amparo junto ao Poder Judiciário, a fim de garantirem a manutenção do seu plano de saúde, bem como a afastarem as condutas abusivas das operadoras de planos de saúde.
1 MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, P. 141. Vide. Súmula 469, do Superior Tribunal de Justiça.
2 “Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”
3 In Código do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 08.ªEd. São Paulo: Forense Universitária, 2005, p. 138.
4 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5.ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 75.
5 TARTUCE, Flavio, Direito Civil, Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie, Editora: Método, 3ª Ed. São Paulo, pág. 120.
6 TJ/SP; Apelação Cível 1081643-51.2023.8.26.0100; Relator (a): Rodolfo Pellizari; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 24ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/12/2023; Data de Registro: 14/12/2023
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Folha de São Paulo | Rafael Robba | 17.05.2024
Seus Direitos | Rescisão Unilateral Amil/Qualicorp
Um morador de São Paulo, diagnosticado com câncer de próstata com metástase, teve o tratamento de radioterapia interrompido após o plano de saúde descredenciar a unidade onde ele era atendido.
Ele foi surpreendido pela notícia, pois não recebeu, como deveria, notificação prévia e indicação sobre outros locais que poderiam atendê-lo. O paciente precisou recorrer à Justiça para receber, na clínica onde já havia iniciado o seu tratamento, as três doses que faltavam para completar o ciclo de radioterapia.
Esse caso ilustra as dificuldades que muitos pacientes enfrentam quando a operadora descredencia hospitais, clínicas e unidades de atendimento, especialmente quando a decisão é tomada no meio de um tratamento imprescindível para curar uma doença.
Sérgio Meredyk Filho
Vilhena Silva Advogados
O advogado Sérgio Meredyk, do escritório Vilhena Silva Advogados, ressalta que a Lei 9.656, sobre planos de saúde, estabelece deveres das operadoras de saúde em relação aos consumidores. Quando elas descredenciam clínicas ou hospitais, por exemplo, são obrigadas a oferecer substitutos com as mesmas características e condições.
Especialista em Direito à Saúde, ele respondeu algumas perguntas que usuários costumam fazer sobre descredenciamento. Tire suas dúvidas:
Quais os direitos do paciente quando a clínica ou hospital onde ele se trata e faz exames é descredenciada?
Como estabelece o artigo 17 da Lei 9.656, o plano de saúde pode realizar alterações na rede credenciada, desde que informe ao beneficiário com 30 dias de antecedência a substituição de hospitais e clínicas por outros de qualidade equivalente.
O mero descredenciamento é ilícito, a empresa não pode apenas excluir e manter a rede antiga. Quando esse direito é violado, o beneficiário deve buscar informações na operadora sobre o ocorrido e, caso não satisfeito, buscar a Agência Nacional de Saúde (ANS). Lá, deve fazer uma reclamação com Notificação de Intermediação Preliminar (NIP). Caso, mesmo assim, não seja resolvida a questão, é preciso buscar o Judiciário.
E se o paciente não for comunicado, o que acontece? A operadora é punida?
A punição da operadora ocorrerá caso a ANS tome ciência do ato e o considere ilícito. Por isso, é importante ter a reclamação mediante NIP, que foi criada para intermediar conflitos entre as operadoras e os beneficiários.
Quando uma unidade é desligada no meio de um atendimento, quais os deveres da operadora? O paciente pode exigir continuar se tratando no local?
O parágrafo 2º do artigo 17 da Lei 9.656/98 trata dessa questão. Não pode ocorrer o descredenciamento. Nesse caso, o estabelecimento tem o dever de manter o atendimento e a operadora precisa arcar com os custos.
Há muitos casos em que pacientes se deslocam com muita dificuldade. Um paciente que faz diálise, por exemplo, numa clínica próxima de casa, que é descredenciada, e só encontra outras opções em locais muito longe, fica desprotegido? O que diz a lei?
A lei autoriza a substituição por uma rede de igual categoria e equivalência mediante comunicação prévia de 30 dias ao beneficiário. Caso a nova rede não atinja esses critérios, o beneficiário, como no caso narrado acima, terá de buscar a reintegração do antigo prestador ou pelas vias administrativas, ou pela via judicial.
O que acontece nos casos em que hospitais e clínicas que foram descredenciados são os únicos a oferecer o tratamento necessário ao paciente? A operadora tem que custear mesmo assim?
Sim, mas a operadora fará isso apenas em caso de determinação da ANS ou por força de decisão judicial.
É possível continuar fazendo o tratamento no local e pedir reembolso? Em quais casos?
Sim, mas sem uma determinação específica, como acima mencionado, esse reembolso certamente será parcial e nos limites do contrato.
A operadora pode reduzir o número de unidades sem substituí-las?
Sim, mas apenas em casos específicos. Como determinado no parágrafo 4º do artigo 17, o redimensionamento de rede pode ocorrer desde que a ANS autorize este ato previamente, mediante justificativa e garantia de qualidade e padrões de cobertura, sem ônus ao consumidor.
É raro, mas pode ocorrer em casos de operadoras que perdem mercado e estão mantendo uma rede maior e mais custosa do que a realmente necessária para todos os beneficiários.
Quais os abusos mais comuns nessa área?
O maior abuso é a arbitrariedade e a ausência de informação prévia ao beneficiário, bem como a não substituição por outros prestadores. Isso visa unicamente ao barateamento dos custos ou ajustes comerciais com agentes específicos do mercado.
O que ocorre é que o custo inicial do plano é calculado com uma rede específica e os reajustes periódicos visam a manter esse custeio, mas a exclusão não apresenta uma redução destes custos aos consumidores, que mesmo com menor quantidade de prestadores, continuarão a pagar mensalidades de altos valores e com altos reajustes periódicos.
Como a Justiça pode garantir os direitos do paciente?
O Judiciário busca a manutenção da lei e impede as abusividades nestes casos pontuais. Todavia, as decisões possuem efeito apenas entre as partes do processo, sem efeito para toda a gama de consumidores lesados. Ou a ANS intervém e determina a readequação do ato ou cada beneficiário lesado terá de buscar o seu direito de forma individualizada.
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Após anos de trabalho, a aposentadoria é um momento de tranquilidade. No entanto, muitas pessoas têm dúvidas sobre a continuidade do plano de saúde empresarial.
A legislação garante que, em determinadas condições, aposentados possam manter a cobertura do plano. A advogada Estela Tolezani, especialista em Direito à Saúde, explica os principais requisitos e responde às dúvidas mais comuns.
Sim, desde que o aposentado assuma o pagamento integral. Se, enquanto empregado, ele contribuía com uma parte do valor e a empresa cobria o restante, ao se aposentar, deverá arcar com o total da mensalidade.
Além disso, o tempo de permanência no plano varia conforme o período de contribuição:
Mais de 10 anos de contribuição: direito à permanência vitalícia.
Menos de 10 anos de contribuição: poderá permanecer no plano por um período equivalente ao tempo que contribuiu.
O pedido deve ser feito diretamente ao RH da empresa dentro do prazo de 30 dias após a aposentadoria. A empresa encaminhará a solicitação à operadora do plano.
A continuidade do tratamento está garantida para quem optar por manter o plano empresarial, assumindo o pagamento integral.
Sim. O aposentado pode incluir seus dependentes no plano, desde que assuma os custos integrais.
Se precisar de suporte para garantir seus direitos, procure um advogado especializado em Direito à Saúde para obter orientação adequada.
Diário do Comércio | Cláudia Collucci
Operadoras impõem uma série de dificuldades para mudança de usuários
São Paulo – Os reajustes elevados dos planos de saúde e o descredenciamento de serviços médicos têm provocado um aumento na busca por mudança de operadora sem a obrigatoriedade de cumprir novas carências, mas os beneficiários enfrentam entraves para fazer a portabilidade prevista em lei.
Entre 2022 e 2023, o número de queixas de usuários sobre dificuldades impostas pelas operadoras para fazer essa mudança teve um salto de 44% (2.362 para 3.404), segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
No Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), a proporção dessas reclamações mais do que triplicaram.
Em 2022, elas representavam 3% do total de queixas contra planos de saúde. Em 2023, saltaram para 10%, de acordo com números preliminares do instituto. O relatório completo sai em março.
No mesmo período, a ANS registrou uma alta de 13,5% na busca de informações sobre portabilidade de carência. Passaram de 333.133, em 2022, para 378.220 em 2023. Não há dados disponíveis sobre a quantidade de portabilidades efetivadas de fato.
Segundo a advogada Marina Paullelli, do programa de saúde do Idec, as principais razões que levam o consumidor a pedir a mudança são os altos reajustes das mensalidades e o descredenciamento de profissionais, de hospitais e outros serviços de saúde.
Nos dois últimos anos, os planos coletivos por adesão tiveram aumentos acima de 20%. Neste ano, o percentual deve variar entre 20% e 25%, segundo estimativa da consultoria Arquitetos da Saúde. A inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou o acumulado de 2023 em 4,62%.
Esses também foram os principais motivos que levaram os beneficiários a consultar a ANS sobre a portabilidade: 40% buscam um plano mais barato, 21% procuram uma melhor qualidade na rede prestadora, e 18% alegam cancelamento de contrato.
Marina Paullelli afirma que os idosos são o grupo que mais enfrenta dificuldades para fazer a portabilidade sem carência. “Muitas vezes os planos impõem barreiras a esses consumidores, condutas discriminatórias, o que é vetado por lei, ou é valor das mensalidades que não se adequada ao consumidor.”
Ela diz que embora a ANS disponha de um guia explicativo de como fazer a portabilidade, consumidores com dificuldade de acesso à internet têm uma barreira adicional.
Entraves
Escritórios de advocacia também observam aumento na procura por outros grupos relatando entraves com as operadoras, como pessoas que estão em tratamento, casais que se divorciaram, filhos que atingiram a maioridade e beneficiários que, após a demissão, perderam seus planos e agora tentam fazer a portabilidade para um novo.
Após dez anos de trabalho em uma instituição financeira, a administradora Ylanna Lais, foi dispensada e teve direito de manter o plano empresarial por dois anos.
No final do ano, ao buscar a portabilidade de carência para um plano coletivo por adesão, diz que passou a enfrentar uma série de dificuldades colocadas pela operadora.
“Cada hora eles alegam uma coisa. No início do ano, disseram que já tinha passado o prazo para fazer a portabilidade, o que não é verdade. Tenho até o fim do mês. Agora, não consigo falar nem com a ouvidoria do plano. Se fosse para uma nova contratação, já estaria tudo resolvido”, ressalta. Ela registrou uma queixa na ANS e estuda ingressar com ação judicial.
Rafael Robba, sócio do escritório Vilhena Silva Advogados, especializado em direito à saúde.
“O consumidor tem direito a fazer a portabilidade, mas nada disso está sendo respeitado. As operadoras criam argumentos que não estão na resolução da ANS para recusar”, diz o advogado Rafael Robba, sócio do escritório Vilhena Silva Advogados, especializado em direito à saúde.
Segundo ele, o processo de portabilidade, que deveria proporcionar liberdade de escolha e estimular a competição entre as operadoras, tem sido prejudicado por obstáculos criados pelas próprias empresas.
Beneficiários ganham ações judiciais
No Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), 85% das decisões judiciais sobre esse tema têm sido favoráveis ao beneficiário, de acordo com um levantamento feito pelo advogado Rafael Robba, que está terminando um doutorado na Universidade de São Paulo (USP) sobre a saúde suplementar.
Em consulta sobre o tema no site do TJSP, a Folha de S.Paulo encontrou mais de 2.000 processos relativos à portabilidade. No último dia 6, por exemplo, o desembargador José Carlos Ferreira Alves concedeu tutela de urgência em que determina que um plano de saúde autorize a portabilidade sem cumprimento do período de carência a uma família com seis integrantes que tinha contrato com uma operadora que encerrou as atividades neste mês.
Ao pedir a portabilidade para uma nova operadora, a família teve recusa. Um dos integrantes está em tratamento médico devido a uma fratura. O desembargador se embasou em resolução da ANS que autoriza a portabilidade especial de carências na hipótese de cancelamento de registro do plano de origem.
Em nota, a ANS disse que as reclamações que estão em análise têm como base os relatos dos beneficiários e não possuem análise de mérito sobre eventual infração da operadora de planos de saúde ou das administradoras de benefícios. “A identificação de possíveis condutas infrativas só é feita após a análise individual das demandas.”
Também orienta o usuário que estiver enfrentando problemas para realizar a portabilidade para procurar, inicialmente, a operadora pretendida para que ela resolva o problema.
“A ANS disponibiliza o telefone das ouvidorias dos planos em seu portal na internet. Caso a questão não seja resolvida, registre reclamação junto à ANS nos canais de atendimento.”
Para o, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Marcos Novais, o volume de queixas está associado a um maior número de pessoas com planos de saúde que têm utilizado mais a opção da portabilidade. “A gente vai trabalhar para aperfeiçoar o mecanismo para que ele continue sendo a opção dos beneficiários na busca do melhor produto e que traga mais valor”, afirma.
Em nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde) informa que as operadoras associadas seguem estritamente as normas estabelecidas pela ANS para a execução da portabilidade.”Esse processo é feito sempre com transparência, devendo ser considerados fatores como compatibilidade de preços e de modalidade de plano, assim como o cumprimento de prazos mínimos de permanência”, diz. (Cláudia Collucci)
Folha de S. Paulo | 22.01.24 | Cláudia Collucci
Altos reajustes e descredenciamento de profissionais são algumas das principais razões para mudança
Os reajustes elevados dos planos de saúde e o descredenciamento de serviços médicos têm provocado um aumento na busca por mudança de operadora sem a obrigatoriedade de cumprir novas carências, mas os beneficiários enfrentam entraves para fazer a portabilidade prevista em lei.
Entre 2022 e 2023, o número de queixas de usuários sobre dificuldades impostas pelas operadoras para fazer essa mudança teve um salto de 44% (2.362 para 3.404), segundo dados da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar.
No Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), a proporção dessas reclamações mais do que triplicaram. Em 2022, elas representavam 3% do total de queixas contra planos de saúde. Em 2023, saltaram para 10%, de acordo com números preliminares do instituto. O relatório completo sai em março.
A corretora de seguros Ilanna Almeida, 30, enfrenta dificuldades para fazer a portabilidade do plano de saúde – Bruno Santos/Folhapress
No mesmo período, a ANS registrou uma alta de 13,5% na busca de informações sobre portabilidade de carência. Passaram de 333.133, em 2022, para 378.220 em 2023. Não há dados disponíveis sobre a quantidade de portabilidades efetivadas de fato.
Segundo a advogada Marina Paullelli, do programa de saúde do Idec, as principais razões que levam o consumidor a pedir a mudança são os altos reajustes das mensalidades e o descredenciamento de profissionais, de hospitais e outros serviços de saúde.
Nos dois últimos anos, os planos coletivos por adesão tiveram aumentos acima de 20%. Neste ano, o percentual deve variar entre 20% e 25%, segundo estimativa da consultoria Arquitetos da Saúde. A inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) fechou o acumulado de 2023 em 4,62%.
Esses também foram os principais motivos que levaram os beneficiários a consultar a ANS sobre a portabilidade: 40% buscam um plano mais barato, 21% procuram uma melhor qualidade na rede prestadora, e 18% alegam cancelamento de contrato.
Paullelli afirma que os idosos são o grupo que mais enfrenta dificuldades para fazer a portabilidade sem carência. “Muitas vezes os planos impõem barreiras a esses consumidores, condutas discriminatórias, o que é vetado por lei, ou é valor das mensalidades que não se adequada ao consumidor.”
Ela diz que embora a ANS disponha de um guia explicativo de como fazer a portabilidade, consumidores com dificuldade de acesso à internet têm uma barreira adicional.
Escritórios de advocacia também observam aumento na procura por outros grupos relatando entraves com as operadoras, como pessoas que estão em tratamento, casais que se divorciaram, filhos que atingiram a maioridade e beneficiários que, após a demissão, perderam seus planos e agora tentam fazer a portabilidade para um novo.
Após dez anos de trabalho em uma instituição financeira, a administradora Ylanna Lais, 30, foi dispensada e teve direito de manter o plano empresarial por dois anos.
No final do ano, ao buscar a portabilidade de carência para um plano coletivo por adesão, diz que passou a enfrentar uma série de dificuldades colocadas pela operadora.
“Cada hora eles alegam uma coisa. No início do ano, disseram que já tinha passado o prazo para fazer a portabilidade, o que não é verdade. Tenho até o fim do mês. Agora, não consigo falar nem com a ouvidoria do plano. Se fosse para uma nova contratação, já estaria tudo resolvido.” Ela registrou uma queixa na ANS e estuda ingressar com ação judicial.
“O consumidor tem direito a fazer a portabilidade, mas nada disso está sendo respeitado. As operadoras criam argumentos que não estão na resolução da ANS para recusar”, diz o advogado Rafael Robba, sócio do escritório Vilhena Silva Advogados, especializado em direito à saúde.
Segundo ele, o processo de portabilidade, que deveria proporcionar liberdade de escolha e estimular a competição entre as operadoras, tem sido prejudicado por obstáculos criados pelas próprias empresas.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, 85% das decisões judiciais sobre esse tema têm sido favoráveis ao beneficiário, de acordo com um levantamento feito por Robba, que está terminando um doutorado na USP sobre a saúde suplementar.
Em consulta sobre o tema no site do TJ, a Folha encontrou mais de 2.000 processos relativos à portabilidade. No último dia 6, por exemplo, o desembargador José Carlos Ferreira Alves concedeu tutela de urgência em que determina que um plano de saúde autorize a portabilidade sem cumprimento do período de carência a uma família com seis integrantes que tinha contrato com uma operadora que encerrou as atividades neste mês.
Ao pedir a portabilidade para uma nova operadora, a família teve recusa. Um dos integrantes está em tratamento médico devido a uma fratura. O desembargador se embasou em resolução da ANS que autoriza a portabilidade especial de carências na hipótese de cancelamento de registro do plano de origem.
Em nota, a ANS disse que as reclamações que estão em análise têm como base os relatos dos beneficiários e não possuem análise de mérito sobre eventual infração da operadora de planos de saúde ou das administradoras de benefícios. “A identificação de possíveis condutas infrativas só é feita após a análise individual das demandas.”
Também orienta o usuário que estiver enfrentando problemas para realizar a portabilidade para que procure, inicialmente, a operadora pretendida para que ela resolva o problema.
“A ANS disponibiliza o telefone das ouvidorias dos planos em seu portal na internet. Caso a questão não seja resolvida, registre reclamação junto à ANS nos canais de atendimento.”
Para Marcos Novais, superintendente executivo da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), o volume de queixas está associado a um maior número de pessoas com planos de saúde que têm utilizado mais a opção da portabilidade.
“A gente vai trabalhar para aperfeiçoar o mecanismo para que ele continue sendo a opção dos beneficiários na busca do melhor produto e que traga mais valor.”
Em nota, a Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) informa que as operadoras associadas seguem estritamente as normas estabelecidas pela ANS para a execução da portabilidade.
“Esse processo é feito sempre com transparência, devendo ser considerados fatores como compatibilidade de preços e de modalidade de plano, assim como o cumprimento de prazos mínimos de permanência.”
VEJA COMO FAZER A PORTABILIDADE DE CARÊNCIAS:
Quem tem direito à portabilidade?
Todos os beneficiários de planos de saúde contratados a partir de 01/01/1999 ou adaptados à Lei dos Planos de Saúde (lei n° 9.656/98).
Ela vale para qualquer modalidade de plano?
Sim. É válida a todas as modalidades de contratação (planos individuais, coletivos, empresariais e coletivos por adesão)
Quais outros requisitos são necessários?
1ª portabilidade: dois anos no plano de origem ou três anos se tiver cumprido CPT (Cobertura Parcial Temporária) para uma doença ou lesão preexistente.
2ª portabilidade: se já tiver feito portabilidade antes, o prazo de permanência exigido é de pelo menos um ano; ou de dois anos caso tenha feito portabilidade para o plano atual com coberturas não previstas no plano anterior.
Como saber se meu plano é compatível para a portabilidade?
Consulte o Guia ANS de Planos de Saúde, no portal da ANS, para identificar o seu plano de origem e verificar quais são os planos de saúde compatíveis com o seu para fins de portabilidade de carências
Ele deve estar em faixa de preço igual ou menor que a do seu plano atual (as faixas de preço são definidas pela ANS). O guia faz, automaticamente, a comparação entre os planos de acordo com o valor da mensalidade.
Quais documentos são necessários para pedir a portabilidade?
Quanto tempo o novo plano tem para analisar o pedido?
A operadora do plano de destino tem até dez dias. Se não responder no prazo, a proposta de portabilidade de carências será considerada aceita.
Após o aceite da portabilidade, o que eu devo fazer?
Entre em contato com a operadora do plano de origem para informar que exerceu a portabilidade de carências e solicite o cancelamento do plano em até cinco dias do início do novo plano. Caso descumpra esse prazo, poderá ser exigido o cumprimento de carências no novo plano pela operadora de destino.
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Folha de São Paulo | 18/01/24 | Ligia Bahia e Mário Scheffer
O ano de 2024 começou com o prenúncio dos planos de saúde de que virão por aí aumentos exorbitantes das mensalidades de seus clientes.
Surpreende a ousadia da pretensão e a insistência de emplacar na mídia a versão de que a assistência médica suplementar está em crise.
Consultorias a serviço das operadoras projetam reajustes de 25% em média para 2024, o que poderá afetar 41,9 milhões de pessoas ligadas a planos corporativos, de adesão ou contratados por pequenas e médias empresas. Seguirão, nos próximos meses, negociações do tipo “no mínimo 20%”.
Os planos individuais, que representam apenas 17% dos contratos, já receberam o aceno amigo da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que deve repetir a bordoada de 2023, em torno de 15%.
No ano passado, com o argumento de maior uso de serviços de saúde no pós-pandemia, os planos praticaram aumentos de dois dígitos, inclusive em contratos coletivos, o que pesou no bolso de clientes e empregadores.
Na indústria, a compra de planos de saúde para 10,8 milhões de trabalhadores já representa 14% da folha de pagamento, cerca de 20% a mais do que consumia em 2012.
Em situação crítica estão também os autônomos que têm plano de saúde MEI, e os indivíduos, famílias ou donos de pequenos negócios que adquiriram planos mediante um CNPJ, os “pejotinhas”. Neste ano, estarão sujeitos a rescisões imotivadas e aumentos maiores que o permitido aos planos individuais.
Em todos os casos, o reajuste no aniversário do contrato poderá se sobrepor aos aumentos por mudança de faixa etária.
Índices sempre superiores à inflação transformam o pagamento de planos de saúde em um grande tormento.
A troca de plano se tornou frequente. Correr para outra operadora ou permanecer na mesma, porém com redução de escolhas e coberturas, passou a ser estratégia tácita de acomodação. Se isso responde às necessidades de saúde dos empurrados para menores garantias assistenciais é uma pergunta ainda em aberto.
Por um lado, a contratação de novos planos cresceu (1,9% entre 2022 e 2023) e, por outro, explodiram reclamações (aumento de cerca de 70% no mesmo ano) sobre atendimentos negados, longo tempo de espera, mensalidades impagáveis, descredenciamento de prestadores e dificuldades com reembolsos.
Incrementos nos negócios, da venda recente da Amil ao patrocínio de clubes e arenas, correm ao lado da crescente insatisfação dos usuários.
A pujança do setor não corresponde às expectativas de boa saúde, de uma população que envelhece e de pessoas com deficiências.
Empresas do setor alegam o aprofundamento do desequilíbrio entre despesas e receitas. É dito, aqui e ali, que as margens de retorno e o valor de ações não estão lá essas coisas.
A falta de transparência de dados é marca registrada desse segmento, que pouco revela seu real desempenho, oculta subsídios públicos e insiste em um modelo de precificação rudimentar.
Não existem informações se o alegado prejuízo decorre da falta de pessoas de classe média alta que aceitam pagar mais de R$ 5.000 por mês, do excesso de gente pendurada em planos relativamente mais baratos, da existência de doentes crônicos em condições de alta gravidade ou de crianças que requerem atenção continuada.
Não é mais possível ignorar a necessidade de parâmetros confiáveis para regulamentar um mercado propositalmente heterogêneo.
Adotar despesas médicas como referencial exclusivo para fixar índices na saúde turbina preços na economia.
Em 2023, os planos de saúde mais uma vez estiveram no topo dos itens que responderam por maior impacto no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Ao iniciar o ano arrotando números que inflacionam, empresários de planos de saúde sabotam os esforços colaborativos de segurar as pontas dos gastos para que o país recupere crescimento com desenvolvimento social e ambiental.
Ligia Bahia, professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (Iesc) da UFRJ; e Mário Scheffer, Professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP.
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