Metrópole | Por: Flávia Said, Mariana Andrade | 08.05.24

Metrópole | Por: Flávia Said, Mariana Andrade | 08.05.24
Uma menina de cinco anos obteve uma vitória inédita na Justiça brasileira. Diagnosticada com neuroblastoma, um tipo de câncer raro, ela conseguiu que seu plano de saúde fosse obrigado a custear seu tratamento com Leukine (sargramostim), um remédio importado de alto custo. Cada dose pode chegar a R$ 150 mil.
Embora as operadoras não sejam obrigadas a fornecer fármacos sem registro na Anvisa, de acordo com o Tema 990, do STJ, a equipe jurídica que cuida do caso da criança se aproveitou de uma excepcionalidade, prevista em outra decisão, para conseguir a vitória.
Adriana Maia, do escritório Vilhena Silva
Em entrevista, a Adriana Maia, do escritório Vilhena Silva, explica como foi possível garantir à paciente o direito de iniciar o tratamento necessário. Confira:
Antigamente, a gente conseguia obter o medicamento judicialmente junto ao plano de saúde. Alegávamos sobre a questão do direito à vida, prevista na Constituição, e explicávamos que o remédio era importante para o tratamento. Até que dois precedentes, um do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em 2018, e outro do STF (Supremo Tribunal Federal), no ano seguinte, mudaram tudo.
O precedente 990 do STJ concluiu que o plano de saúde não é obrigado a custear tratamento com medicamentos importados, que não têm registro na Anvisa. O Tema 500, do STF, estabeleceu que a União também não precisa fornecer, mesmo quando há uma decisão judicial. A gente ficou sem saída.
Não completamente, pois o mesmo Tema 500 previu três exceções. A União teria que fornecer em casos de doenças raras ou ultrarraras, quando o remédio já estivesse registrado em agências renomadas de regulação do exterior e também quando não houvesse nenhum substituto terapêutico com registro no Brasil. Com isso, conseguimos ingressar com ações contra a União e ter sucesso. Mas, no caso dos planos de saúde, o tema 990, não trouxe nenhuma exceção. O plano não era obrigado a fornecer, e pronto.
Embora o Tema 990 diga que o plano de saúde não é obrigado a custear o tratamento, houve uma decisão do ministro Paulo Sanseverino, do STJ, dizendo que quando o medicamento também for para um tratamento de uma doença rara ou ultrarrara, ou que esteja dentro das exceções feitas à União, como não ter substituto, o plano precisa custear também. Diante desse entendimento, ingressamos contra a operadora e conseguimos uma liminar obrigando o fornecimento do Leukine, que é um medicamento caro, para uma doença rara, o neuroblastoma.
O paciente paga o plano de saúde mensalmente com a expectativa de ser atendido quando precisar de tratamento. Como o custeio do medicamento importado para doenças raras, segundo esse entendimento judicial, é obrigação do plano de saúde, não há motivos para ele não acionar a operadora. Desta forma, além de fazer valer seu direito, também contribui para não sobrecarregar o SUS.
Embora o Tema 990 diga que o plano de saúde não é obrigado a custear o tratamento, houve uma decisão do ministro Paulo Sanseverino, do STJ, dizendo que quando o medicamento também for para um tratamento de uma doença rara ou ultrarrara, ou que esteja dentro das exceções feitas à União, como não ter substituto, o plano precisa custear também. Com essa brecha, ingressamos contra a operadora e conseguimos uma liminar obrigando o fornecimento do Leukine, que é um medicamento caro, para uma doença rara, o neuroblastoma.
Do Leukine é inédita. Mas outros medicamentos importados já foram obtidos após a decisão do Paulo Sanseverino, que abriu uma excepcionalidade à jurisprudência, que chamamos de distinguishing. Ou seja, quem precisar de remédio importado para doença rara que não tenha substituto no Brasil, pode, sim, recorrer à Justiça para obter junto ao plano de saúde. A gente não tem políticas públicas aqui no Brasil que facilitem essa questão de tratamento de doenças raras e ultrarraras. As pessoas, além de terem uma dificuldade a chegar ao próprio diagnóstico, não encontram medicamentos porque as indústrias farmacêuticas não têm interesse na comercialização, já que ela vai atingir um público muito reduzido. Então, elas ficam à mercê de um milagre. A gente precisa ter o Poder Judiciário para tentar trazer uma exceção à regra, para garantir o direito à saúde dessas pessoas. Foi o que fizemos agora.
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Entenda porque os Planos de saúde devem fornecer medicamento Escetamina (Spravato): Uma das doenças mentais mais cruéis é a depressão. Quem sofre do transtorno enxerga o mundo sem cores, perde a vontade de viver e tem, além de ideações suicidas, muita dificuldade para realizar tarefas simples e rotineiras, como se levantar da cama e tomar banho. Com estes sintomas, uma aposentada procurou ajuda médica e iniciou o tratamento com antidepressivos.
O quadro, porém, não melhorou e foi constatado que a paciente sofria de depressão grave e resistente, ou seja, um tipo da doença que não responde aos tratamentos com antidepressivos usuais. A médica que atende a aposentada optou, então, pelo uso do medicamento escetamina (Spravato), um analgésico de uso hospitalar que tem se mostrado muito eficiente nos casos em que os fármacos tradicionais não surtem o efeito esperado.
A paciente começou a usar escetamina e teve excelentes resultados. Mas foi impedida de manter as aplicações devido ao alto custo do medicamento. Para dar continuidade ao tratamento, a aposentada recorreu ao plano de saúde para ele fornecer o fármaco. A operadora, no entanto, negou o custeio, sem dar nenhuma justificativa.
A aposentada resolveu apelar à Justiça em busca do remédio e do ressarcimento do valor já gasto com o medicamento (R$ 14.700). Os advogados da paciente provaram que a operadora tinha, sim, a obrigação de fornecer o tratamento para a depressão que acometia a mulher.
1) A escetamina tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e faz parte do rol da Agência Nacional de Saúde (ANS), uma lista que exemplifica alguns dos procedimentos que devem ser cobertos pelas operadoras de plano de saúde. Por isso, é abusiva a recusa de oferecer o medicamento.
2) Os planos de saúde são obrigados, pela Lei 9.656/98, a custear o tratamento de todas as doenças previstas na Classificação Internacional de Doenças (CID-10). A depressão consta na lista (CID 10- F33) e, portanto, não há exclusão contratual para seu tratamento.
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3) Embora a prescrição de escetamina possa ser considerada off label, nome dado aos medicamentos indicados para doenças que não constam em sua bula, isso não significa que o plano não tenha que custear o fármaco. A Súmula 102 do Tribunal de Justiça de São Paulo é clara a este respeito:
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça também já se posicionou a este respeito, ao decidir que as operadoras podem limitar a cobertura de determinadas doenças, cujo custeio não é obrigatório, mas nunca limitar os procedimentos indicados pelo médico por serem de uso off label.
4) Além disso, os planos de saúde têm a obrigação, por contrato, de garantir a efetiva prestação de saúde. Quando se negam a cobrir um medicamento prescrito pelo médico de seus associados, fracassam em sua premissa mais básica, que é preservar a vida. “O associado cria a expectativa de que, quando precisar de tratamento médico-
hospitalar, a operadora de saúde colocará à disposição todo o aparato necessário para
que o paciente alcance a cura”, diz a advogada Renata Vilhena Silva.
O Juizado da 36ª Vara Cível de São Paulo, tão logo recebeu o pedido de liminar, determinou que a operadora de saúde custeasse o tratamento da paciente e a ressarcisse da quantia já gasta. Por isso, é importante acionar a Justiça assim que a operadora de saúde agir de forma abusiva, prejudicando seu tratamento. Não pense duas vezes na hora de buscar seus direitos. É a sua vida que está em jogo.
Folha de S.Paulo | Leonardo Zvarick | 04.04.24
O medo de perder o plano de saúde dos pais, idosos e em tratamento médico, há quatro meses, desespera a fonoaudióloga Chang Liang Hui, 53. “Meus pais precisam do convênio para sobreviver. Para eles é questão de vida ou morte”, diz ela.
Debilitado pelo tratamento de um câncer e após sofrer três AVCs (acidente vascular cerebral), o pai de 80 anos está internado em um hospital de retaguarda, recebendo cuidados paliativos. Já a mãe dela, aos 76 anos, enfrenta problemas renais e faz hemodiálise três vezes por semana.
Mesmo pagando R$ 15 mil mensais, a família foi surpreendida, em setembro passado, por um comunicado da operadora exigindo a comprovação de vínculo com a entidade de classe responsável pelo contrato, sob risco de cancelamento.
Chang Hsu Feng Chaiao, 76, enfrenta problemas renais e precisa de sessões de hemodiálise três vezes por semana – Bruno Santos/Folhapress
O plano do casal é do tipo coletivo por adesão, que hoje corresponde a aproximadamente 80% do mercado da saúde suplementar brasileira. Essa modalidade exige que o consumidor tenha alguma associação com entidade de classe ou representativa de sua categoria profissional.
Na época em que o plano foi contratado, cerca de 20 anos atrás, os pais de Chang tinham um comércio. Ela afirma que a comprovação de vínculo nunca foi solicitada antes, mesmo após fechamento da loja, em 2009.
“Tive que reabrir a empresa da minha mãe e agora o vínculo está em análise. Recebendo uma negativa, na hora eu vou entrar na Justiça pedindo uma liminar para manter a cobertura”, afirma Chang, moradora de Cotia, na Grande São Paulo.
Segundo o advogado especializado em direito à saúde Rafael Robba, o caso de Chang está longe de ser isolado. Desde o início do ano, o escritório Vilhena Silva, em que ele atua, já foi acionado por mais de 50 pessoas com esse problema.
“Temos percebido que essas solicitações [de comprovação de vínculo] estão sendo direcionadas especialmente para pacientes idosos ou em tratamento de doenças graves e crônicas“, afirma o advogado.
A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), órgão do governo que regula o setor, diz que a exclusão de beneficiários pelas operadoras é permitida quando há perda de vínculo com a entidade responsável pelo contrato, desde que a rescisão seja comunicada com prazo de 60 dias.
Segundo Robba, porém, a prática pode ser reconhecida como abusiva pelo Judiciário. “Além de colocar o consumidor em extrema vulnerabilidade, é uma prática que atenta contra o objeto contrato, que é resguardar o beneficiário quando ele precisa de atendimento”, diz o advogado, que já obteve liminares garantindo a permanência de pacientes em tratamento no convênio.
De acordo com estatísticas da ANS, as reclamações de beneficiários por cancelamento ou suspensão de planos coletivos por adesão tiveram crescimento expressivo a partir de outubro passado.
No trimestre final de 2023, a agência registrou 1.317 queixas do tipo. O montante representa alta de 54% em comparação com as reclamações contabilizadas no mesmo período do ano anterior (856).
Reclamações por suspensão e rescisão contratual de planos de saúde coletivos por adesão no Brasil
Acumulado de reclamações por ano*
* Números relativos somente ao primeiro bimestre do ano Fonte: ANS
* Números relativos somente ao primeiro bimestre do ano Fonte: ANS
Reclamações por suspensão e rescisão contratual de planos de saúde coletivos por adesão no Brasil
Evolução das reclamações mês a mês*
Um problema comum, segundo o advogado Rodrigo Araújo, é que muitas pessoas contratam planos dessa modalidade sem possuir efetivamente um vínculo com entidade de classe e são posteriormente excluídas pelas operadoras. Isto, segundo ele, não se trata necessariamente de fraude.
“Muitas pessoas quando procuram o corretor de seguros, que é, na verdade, um preposto da operadora de saúde, acabam orientadas a se filiarem a determinadas associações que, na verdade, só foram constituídas para viabilizar essa contratação. Muitas vezes o consumidor nem sabe que isso pode gerar uma fraude no futuro”, diz o advogado.
Em caso de cancelamento unilateral, o consumidor pode exigir a manutenção do contrato, segundo Araújo. “Tanto porque ele não tinha ciência de que estava fraudando a contratação, como também quando estiver em tratamento médico. O Poder Judiciário hoje tem entendimento amplamente majoritário no sentido de que é devida a manutenção desse contrato no mínimo até a alta médica”, acrescenta.
Procurada, a Qualicorp, administradora de benefícios responsável pelo contrato de Chang, disse em nota que “tem no seu escopo de atuação verificar a regularidade da contratação e manutenção de planos de saúde coletivos por adesão de seus clientes, tendo em vista a exigência legal de comprovação de vínculo com entidades de classe em tal modalidade de plano de saúde”.
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